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As contradições econômicas do discurso de Bolsonaro na ONU

O presidente erra ao comentar investimento estrangeiro e faz malabarismo para defender o programa que ajudou a conter danos econômicos da pandemia

Por Victor Irajá Atualizado em 4 jun 2024, 15h15 - Publicado em 22 set 2020, 13h58

Entre florestas que não queimam por conta da umidade e o combate à “cristofobia”, o discurso do presidente Jair Bolsonaro na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, a ONU, trouxe um dado deturpado sobre a entrada de capital estrangeiro no país. O presidente afirmou, erroneamente, que o país assistiu a uma maior entrada de investimento do que a percebida no ano passado. “O Brasil foi, em 2019, o quarto maior destino de investimentos diretos em todo o mundo. E, no primeiro semestre de 2020, apesar da pandemia, verificamos um aumento do ingresso de investimentos, em comparação com o mesmo período do ano passado. Isso comprova a confiança do mundo em nosso governo”, afirmou. Mas os dados contestam o líder da nação. Entre janeiro e julho deste ano, o Brasil gozou da entrada de 25,5 bilhões de dólares em investimentos estrangeiros, ante 36,4 bilhões de dólares no mesmo período do ano passado, segundo o Banco Central — ou queda de 30%.

 

Ainda na seara econômica, o presidente exaltou os trabalhos brasileiros para a consolidação do acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia, reafirmando os compromissos do país com a agenda sustentável e terceirizando a culpa das queimadas — estas, na conta dos indígenas — e do óleo na costa brasileira, que sobrou para a Venezuela. O que se vê, porém, é um bate-cabeça intenso dentro do governo para ratificar o tratado. Como mostra VEJA, um imbróglio envolvendo os ministros Ricardo Salles, do Meio Ambiente; Tereza Cristina, da Agricultura; Ernesto Araújo, das Relações Exteriores; e o vice-presidente Hamilton Mourão atrasa as tratativas. Para piorar, no mês passado, Stephan Seibert, porta-voz da chanceler da Alemanha, Angela Merkel, colocou o acordo em xeque. “Temos sérias dúvidas de que o acordo possa ser aplicado conforme planejado, quando vemos a situação”, afirmou, referindo-se à Amazônia. Na última segunda-feira 21, o vice-presidente da Comissão Europeia, Valdis Dombrovskis, disse esperar um compromisso sério dos países do bloco sul-americano para ratificar o acordo — enquanto o Pantanal arde em chamas e o desmatamento bate recorde.

O presidente trouxe, ainda, um dado no mínimo controverso sobre o pagamento do auxílio emergencial destinado às camadas mais vulneráveis da população. “Nosso governo, de forma arrojada, implementou várias medidas econômicas que evitaram o mal maior”, começou o presidente. “Concedeu auxílio emergencial em parcelas que somam aproximadamente mil dólares para 65 milhões de pessoas, o maior programa de assistência aos mais pobres no Brasil e talvez um dos maiores do mundo”, concluiu ele. Não se sabe com qual cotação do dólar e qual valor médio pago em auxílio com os quais Bolsonaro fez as contas.

De fato, o auxílio emergencial ajudou a recompor a renda dos brasileiros e o dinheiro ajudou a reaquecer o consumo no país, e consequentemente a atividade do varejo e da indústria no país, mas o valor do programa por pessoa não bate com as contas de Bolsonaro. O pagamento de cinco parcelas de 600 reais por mês, definido em lei, soma 3 mil reais. Se levado em consideração o câmbio desta terça-feira, 22, significa pouco mais de 550 dólares pagos no período. Com a prorrogação do auxílio até dezembro, e mais quatro parcelas de 300 reais previstas aos trabalhadores informais, mesmo assim a conta não fecha. O valor total disponibilizado por pessoa para o auxílio emergencial giraria em torno de 4.200 reais pagos, ao todo — ou quase 775 dólares.

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Para chegar a aproximadamente mil dólares, como Bolsonaro afirmou durante o discurso, o valor total seria de 5.430 reais. Houve, sim, pessoas que receberam o dobro, em parcelas de 1.200 reais, que é o caso das mães solteiras e chefes de família. De acordo com o Ministério da Cidadania, o valor médio pago aos brasileiros beneficiados pelo auxílio foi, em julho, de 896 reais. Graças à ausência de dados sobre o pagamento nos meses seguintes, é necessário apelar à lógica para entender as contas de Bolsonaro. O benefício pago por cinco meses soma 4.480 reais, ou 825 dólares e, ao menos conceitualmente, seria adendado em 330 dólares (1.792 reais) se contemplados os outros quatro meses com metade do valor previsto inicialmente. É bom que os emissários na ONU peguem o lápis e quebrem a cabeça para chegar ao resultado.

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