A divulgação da ata do Comitê de Política Monetária (Copom) nesta terça-feira, 24, reforçou uma visão mais sombria para a inflação no Brasil, acompanhada de uma crescente preocupação com a credibilidade das contas públicas. A recente decisão do Banco Central (BC) de aumentar a taxa Selic e os comentários de seu presidente, Roberto Campos Neto, trouxeram à tona a percepção de que o cenário fiscal está exercendo uma pressão significativa sobre a política monetária.
“O Banco Central está claramente preocupado com a trajetória fiscal do governo. A comunicação endurecida reflete uma tentativa de ancorar as expectativas, principalmente diante da hesitação do governo em cortar gastos”, destacou Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos.
Alta gradual
A decisão do BC de elevar a Selic em 0,25 ponto foi explicada na ata como uma medida inicial cautelosa, permitindo que o comitê acompanhasse os dados econômicos com mais clareza. “O Banco Central parece estar usando esse início mais gradual para calibrar sua estratégia”, comentou Beto Saadia, diretor de investimentos da Nomos. “No entanto, o mercado já está especulando sobre uma possível aceleração no ritmo de alta, o que pode significar elevações mais agressivas nos próximos encontros.”
A ata foi enfática ao afirmar que a inflação continua acima da meta, sugerindo que o ciclo de aperto monetário pode se intensificar se as pressões persistirem. “O BC não descartou elevações de 0,5 ponto, especialmente se os indicadores fiscais e inflacionários piorarem. Eles estão claramente prontos para agir de forma mais agressiva, se necessário”, afirmou Saadia.
Fiscal em foco
Um dos trechos mais contundentes da ata foi a crítica ao cenário fiscal. O BC destacou que uma política fiscal expansionista, como a que o governo vem praticando, compromete a eficácia da política monetária e eleva os prêmios de risco. “Uma política fiscal crível, embasada em regras previsíveis e transparência em seus resultados, é essencial para ancorar as expectativas de inflação”, apontou o Copom.
Essa mensagem ressoa em meio a dúvidas crescentes sobre a capacidade do governo de manter suas promessas de ajuste fiscal. O recente afrouxamento no congelamento de verbas orçamentárias foi visto como um sinal preocupante. “O mercado está cada vez mais cético quanto à disposição do governo em realizar cortes significativos nos gastos. Isso aumenta os prêmios de risco e coloca ainda mais pressão sobre o Banco Central”, observou Étore Sanchez. “A sustentabilidade da dívida pública está em jogo, e o BC claramente reconhece isso”, acrescentou.
Impacto internacional
O cenário externo, embora ainda desafiador, foi tratado com um tom um pouco mais otimista pelo BC. A decisão do Federal Reserve (Fed) de iniciar um ciclo de corte de juros nos EUA trouxe algum alívio para os mercados emergentes. “O BC fez questão de destacar que o ambiente externo está mais benigno do que na reunião anterior”, disse Saadia. “No entanto, isso não significa que os riscos internacionais tenham desaparecido. A volatilidade global ainda pode trazer novas pressões inflacionárias para o Brasil.”
O que esperar do futuro?
O mercado financeiro e os analistas estão agora de olho no próximo Relatório Trimestral de Inflação (RTI) e nos dados do IPCA-15 de setembro, que poderão determinar os próximos passos do BC. “Se a inflação continuar acima das expectativas e o governo não sinalizar cortes fiscais mais profundos, o BC pode ter que adotar uma postura ainda mais dura”, avaliou Sanchez. “Projeções indicam que a Selic pode subir até 12%, com o BC realizando mais duas elevações de 0,5 ponto antes de encerrar o ciclo com uma residual de 0,25 ponto no início do próximo ano”, concluiu.
A mensagem do Banco Central foi clara: sem uma política fiscal sólida e crível, o caminho para a convergência da inflação à meta será longo e repleto de obstáculos.