Belém corre contra o tempo para garantir sucesso da COP30
Hospedagem e infraestrutura urbana são obstáculos da cidade, que mobiliza investimentos bilionários e exige soluções urgentes para receber delegações

Batizada pelos povos tupinambás, Belém nasceu “Mairi”, palavra tupi para “ocupação”. Estratégico para o escoamento de mercadorias na foz do Rio Amazonas, o lugar logo despertou o interesse dos portugueses, que estabeleceram ali a primeira capital da região amazônica. Em 409 anos de história, Belém virou metrópole regional e, com 1,3 milhão de habitantes, é hoje a segunda cidade mais populosa do norte do país. Escolhida para sediar a COP30, a trigésima conferência da ONU sobre mudanças climáticas, a capital paraense dará um tom simbólico ao evento liderado pela equipe diplomática do governo Lula, colocando a Amazônia no centro das discussões ambientais. A edição deste ano ocorrerá de 10 a 21 de novembro e levará delegações de diversas partes do planeta a Belém. O sucesso da empreitada, no entanto, dependerá da conclusão de uma série de obras e parcerias para melhorar a infraestrutura da cidade. “Atualmente, a COP se tornou um megaevento, e recebê-la é um desafio para qualquer capital do mundo”, diz Olmo Xavier, diretor de projetos da Secretaria Extraordinária para COP30. “Em Belém, uma cidade em meio à Floresta Amazônica e com problemas de infraestrutura relevantes, o desafio é ainda maior.”

O principal obstáculo é garantir que a cidade tenha locais de hospedagem suficientes. O setor hoteleiro aposta que, devido à oferta limitada de voos para Belém, a COP no Brasil deve ter um público menor que o das edições anteriores, que reuniram de 60 000 a 80 000 pessoas. “A COP na Amazônia não será como a COP de Dubai em 2023”, diz Antônio Santiago, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis no Pará (ABIH-PA). “Dubai é um hub que conecta vários destinos. Em Belém, é diferente.” Ainda assim, a defasagem preocupa: enquanto as projeções oficiais indicam cerca de 50 000 participantes ao longo dos onze dias de evento, Belém dispõe hoje de apenas 18 000 leitos — pouco mais de um terço do necessário. A oferta limitada já tem causado distorções significativas nos preços em aplicativos de reserva, com anúncios que cobram de 500 000 a 1 milhão de reais por duas semanas de hospedagem.
Para fechar essa conta, os organizadores do evento têm apelado a todas as frentes possíveis. Com a reforma de hotéis e a inauguração de novos até o fim do ano, a expectativa é de que a hotelaria belenense consiga garantir 22 000 leitos. Desse total, dois empreendimentos ligados a grandes redes de luxo — as portuguesas Vila Galé e Tivoli — devem ser inaugurados pouco antes do evento para receber autoridades e delegações governamentais. Além disso, há o plano de atracar dois navios transatlânticos em um porto da cidade, o que deve somar mais 4 500 quartos ao total. Outros 5 000 leitos serão oferecidos em dezessete escolas adaptadas para funcionar como hostels, além de uma parceria com as Forças Armadas, que devem ceder outras 2 300 acomodações. A demanda remanescente será absorvida pelo aluguel de apartamentos por aplicativos, que já se movimentam para estimular a entrada de novos anfitriões nas plataformas — no fim de 2023, em parceria com o Sebrae Pará, o Airbnb lançou um curso de hospedagem para novos integrantes. “No primeiro ano da parceria, o número de leitos disponíveis na plataforma saltou 54%, para 5 210”, afirma Aleksandra Ristovic, gerente de relações governamentais da companhia.
Após uma visita técnica a Belém em janeiro, representantes da ONU asseguraram que os valores das hospedagens devem cair até novembro, à medida que os novos leitos começarem a ser oferecidos. O comitê também elogiou o avanço dos projetos de infraestrutura — que, faltando oito meses para o início do evento, têm transformado Belém em um verdadeiro canteiro de obras. Ao todo, o governo federal vai investir 4,7 bilhões de reais nos preparativos para a COP30, utilizando recursos do Orçamento Geral da União, do BNDES e da usina Itaipu Binacional. Há ainda investimentos próprios do governo do estado, da prefeitura de Belém e de parcerias com a iniciativa privada.

Parte das obras objetiva atender diretamente ao evento, no chamado polígono da COP — área que abrange os bairros mais valorizados da cidade e concentrará as atividades da conferência. É o caso do Parque da Cidade, que ocupará o terreno de um aeroporto desativado e, após a reforma, sediará os encontros das delegações diplomáticas. Outro exemplo é o Porto Futuro II, um complexo de cinco galpões que será transformado em um espaço gastronômico. As duas obras somam um custo estimado de 1,5 bilhão de reais, e a ideia é que, depois da COP, sejam entregues para uso da população. “As obras foram planejadas para atender às demandas do evento e, ao mesmo tempo, deixar um legado para os moradores”, afirma Hana Ghassan, vice-governadora do Pará e presidente do Comitê Estadual da COP30.


Se tudo ocorrer como planejado, os maiores frutos da COP30 para a cidade devem estar bem longe do polígono do evento. “Quase 60% dos recursos que nós estamos emprestando para o governo do Pará são investimentos em obras que não estão ligadas diretamente à COP”, afirma Tereza Campello, diretora Socioambiental do BNDES. Até agora, o banco de desenvolvimento desembolsou 584 milhões do 1,5 bilhão de reais contratado para as obras. Os principais projetos focam áreas de risco, como a drenagem de canais para prevenir enchentes e a urbanização do bairro do Mangueirão, na periferia de Belém.
A iniciativa busca amenizar uma ferida histórica na cidade: o descaso com a pobreza. Em Belém, 57% da população vive em favelas, um percentual muito superior ao de outros grandes centros urbanos, como São Paulo (15%) e Rio de Janeiro (22%). Além disso, 80% dos belenenses não têm acesso à coleta de esgoto, reflexo do baixo investimento em saneamento básico — apenas 37 reais per capita ao ano, ante 110 reais da média nacional. “O maior legado que a COP pode trazer é chamar atenção para esse grande problema”, afirma Luana Pretto, presidente do Instituto Trata Brasil. Em 2025, o mundo debaterá questões ambientais em uma cidade em que a população ainda enfrenta grandes carências — e onde os rios estão sendo poluídos pelo esgoto devido à escassez de investimentos públicos. Nesse sentido, a COP30 representa uma oportunidade para que Belém transforme ao menos a sua realidade.
Publicado em VEJA, fevereiro de 2025, edição VEJA Negócios nº 11