Big techs devem contribuir para ampliar as redes de telecomunicação, diz presidente da Vivo
Christian Gebara defende o modelo de 'fair share', no qual as gigantes de tecnologia invistam na rede
A explosão do tráfego de dados, impulsionada por serviços de streaming, redes sociais e outras aplicações digitais, coloca uma pressão sobre os custos das operadoras de telecomunicações, que precisam investir bilhões de reais para expandir suas redes e atender à necessidade de conexões de alta velocidade. Na entrevista a seguir, Christian Gebara, presidente da Vivo, discute a necessidade de um modelo de fair share, no qual as big techs — gigantes de tecnologia como Alphabet (Google) e Meta — contribuiriam para os investimentos em rede. O executivo fala também sobre o papel da Vivo na inclusão digital, os avanços na agenda ESG e sua visão de futuro para a empresa.
Desde que se instalou no Brasil, a Telefônica investiu mais de meio trilhão de reais em infraestrutura de rede. Quais as prioridades daqui para frente? Atualmente, nosso principal foco de investimentos está na expansão da rede de fibra óptica e 5G. Já cobrimos com 5G mais de 50% da população do país. Até o final do ano, teremos fibra óptica passando por 29 milhões de domicílios, consolidando nossa posição de detentores da maior rede de fibra do Brasil e da América Latina. O segundo grande foco de investimentos é a digitalização da companhia, incluindo o aprimoramento do nosso relacionamento com os clientes por meio de canais digitais, como o nosso app, que já conta com mais de 20 milhões de usuários únicos. Também estamos avançando em inteligência artificial, incluindo a IA generativa, para personalizar ainda mais as interações com os clientes.
As operadoras dizem que as chamadas big techs geram grande volume de tráfego de dados, mas não contribuem financeiramente para a manutenção e a expansão da rede. Qual é a sua opinião sobre isso? Com a crescente demanda por dados, especialmente com a transição da geração 3 da telefonia para a 4G e agora para a 5G, o consumo de conteúdo por plataformas de streaming e redes sociais, produzido por poucas empresas, só tem aumentado. Essas empresas geram grande parte do tráfego, mas até recentemente não havia uma consciência clara sobre a necessidade de tornar o uso das redes mais eficiente. Embora ofereçamos planos com grandes volumes de dados ou com internet ilimitada, é essencial que haja um compromisso compartilhado. Para continuar expandindo a rede e melhorar a experiência do cliente em áreas mais remotas, defendemos um modelo de fair share, no qual todos os agentes que se beneficiam desse aumento de consumo de dados contribuam para os investimentos, de modo que isso não fique apenas a cargo das operadoras de telecomunicações.
Na prática, como se daria a contribuição das big techs? Seria por meio de uma taxa cobrada pelo uso da rede? Um dos estudos propõe que as empresas que utilizam até 5% da capacidade das redes não precisariam pagar, pois não queremos inibir a inovação. No entanto, aquelas que consomem mais de 5% das nossas redes deveriam nos remunerar por esse maior uso. Isso poderia ser feito por meio de uma remuneração direta ou por incentivos para que utilizem a rede de forma mais eficiente e, assim, evitem custos adicionais. Seria um acordo comercial semelhante ao do funcionamento de pedágio em uma estrada: quem utiliza mais paga mais. É importante destacar que essa proposta não visa onerar o consumidor nem impor uma taxação sobre as big techs, mas criar uma parceria em que todos contribuam para o aumento da capacidade, garantindo que os consumidores possam aproveitar melhor a rede e o conteúdo que lhes interessa.
Há um paradoxo digital no Brasil: um alto percentual de pessoas com acesso à internet, mas muitas não sabem usar as ferramentas de forma eficiente. Como a Vivo pode ajudar a ampliar a inclusão digital? O brasileiro passa, em média, nove horas por dia conectado à internet, mas grande parte desse tempo é dedicada ao uso de redes sociais e de streaming. Quando nos comparamos com outros países, observamos, por exemplo, que mais de 90% das escolas nos Estados Unidos utilizam computadores em sala de aula, enquanto no Brasil o índice é inferior a 30%. Para que a digitalização realmente contribua com o acesso a serviços essenciais e o aumento da produtividade, é preciso investir em letramento digital e capacitação. Nos próximos anos, o Brasil enfrentará uma carência de 500 000 profissionais qualificados em áreas como ciência de dados, inteligência artificial e marketing digital. A Vivo, por meio da Fundação Telefônica, investe cerca de 60 milhões de reais por ano em projetos de letramento digital, formação de professores e preparação de novos profissionais para o mercado digital.
Quais as prioridades da Vivo em relação a ESG? No início deste ano, a empresa foi reconhecida pela B3 como a mais sustentável do Brasil. No aspecto ambiental, já atingimos a neutralidade de carbono nos escopos 1 e 2 e antecipamos de 2040 para 2035 o alcance de nossa meta do escopo 3, o que inclui a redução de 90% das emissões de 125 dos nossos maiores fornecedores. Também investimos em energias renováveis, com quase 70 usinas solares, de biogás e hidrelétricas, e temos a meta de reciclar mais de 250 toneladas de lixo eletrônico até 2035 por meio do projeto Vivo Recicle. Na área social, o objetivo é aumentar a presença de mulheres em cargos de liderança, além de incentivar a inclusão de negros e pessoas trans na equipe. Atualmente, mais de 100 profissionais trans trabalham na empresa e já superamos 5% de pessoas com deficiência em nosso quadro. Também estamos ampliando a contratação de pessoas com mais de 50 anos para equilibrar nossa força de trabalho predominantemente jovem. Em governança, a Vivo é reconhecida por diversos indicadores nacionais e internacionais, como o Dow Jones Sustainability Index.
Onde imagina que a Vivo estará daqui a dez ou vinte anos e quais os principais desafios para chegar lá? O Brasil ainda tem uma grande necessidade de infraestrutura, e vejo a Vivo consolidando sua posição de liderança, oferecendo a melhor infraestrutura digital do país, seja qual for a tecnologia predominante no futuro, como a internet das coisas ou a inteligência artificial. A Vivo aproveitará seus principais ativos, como sua base de clientes, um canal de distribuição diferenciado e o uso de big data. Além disso, continuará muito antenada com a sociedade, tanto para atrair e reter os melhores talentos quanto para oferecer a melhor experiência ao cliente em todos os pontos de contato, com responsabilidade social e ambiental. Portanto, vejo a Vivo cada vez mais focada nos pilares que a trouxeram até aqui, acompanhando a evolução tecnológica e se destacando ainda mais como um ecossistema digital.
Publicado em VEJA, outubro de 2024, edição VEJA Negócios nº 7