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Brasil ainda enfrenta barreiras para integrar a digitalização ao currículo escolar

Com grande parte dos colégios públicos sem acesso adequado à internet, cenário é árido. Mas há avanços nas conexões

Por Camila Barros 29 set 2024, 08h00

Fundada há quase 120 anos no bairro do Belenzinho, em São Paulo, a Escola Estadual Amadeu Amaral possui paredes espessas de tijolos que atrapalham a transmissão do sinal de internet. Em 2022, em parceria com a ONG Instituto Escola Conectada e a empresa de telecomunicações Telium, o colégio recebeu um reforço na conexão wi-fi de uma das salas de aula, utilizada pelos 1 060 alunos da instituição para acessar as plataformas digitais dos 200 notebooks e tablets disponíveis no local. “Eu tinha o equipamento, mas precisava de mais sinal de internet”, diz o diretor Donizetti Santos, que considerou o incremento necessário para o início da digitalização no colégio. O movimento está em sintonia com a atual Base Nacional Comum Curricular, projeto do governo federal que prevê a integração de habilidades tecnológicas ao currículo escolar, desde a educação infantil até o ensino médio. A ideia é que os estudantes desenvolvam habilidades para lidar com o mundo digital, como raciocínio lógico e uso crítico das redes sociais. Na teoria, as redes de ensino tiveram até outubro de 2023 para implementar a nova diretriz em sala de aula — na prática, no entanto, o país ainda está distante dessa meta.

arte 5G

A principal barreira para a digitalização das escolas brasileiras é a falta de conectividade. Segundo levantamento da associação NIC.br, criada para implementar projetos do Comitê Gestor da Internet no Brasil, a partir de dados do censo escolar de 2023, das 138 000 escolas públicas brasileira, 53 000 não contam com internet para uso pedagógico. A velocidade das conexões, em muitos casos, também deixa a desejar. De acordo com o Ministério da Educação, apenas 81 500 escolas (cerca de 59% do total) operam com a velocidade de internet adequada, de 1 megabit por segundo por aluno. Além disso, o avanço digital também é prejudicado pela falta de equipamentos, com 79% dos professores da rede pública afirmando que a escassez de computadores impede a educação tecnológica nas escolas. “A maior demanda dos professores é entender como aplicar os recursos digitais na classe e como tratar de temas de cidadania digital”, diz Lia Glaz, presidente da Fundação Telefônica Vivo, que oferece cursos livres de letramento digital a educadores.

Com boa parte dos colégios públicos ainda desconectada, quem perde são os alunos e, num sentido mais amplo, o próprio país, já que o uso da tecnologia em sala de aula, quando feito corretamente, colabora para o avanço do ensino em vários níveis. Um estudo recente do Centro de Inovação para a Educação Brasileira (Cieb) mostrou que existe uma correlação direta entre o uso de recursos tecnológicos e a aprendizagem dos alunos. No Piauí, o aumento do número de escolas com acesso à internet entre 2019 e 2023 foi acompanhado por uma melhora na nota dos estudantes em matemática. O município de Feliz Deserto, em Alagoas, viu um incremento de 17% no desempenho escolar no mesmo período em que conectou escolas da região.

APORTE - O ministro Santana: 8,7 bilhões de reais para o avanço digital
APORTE - O ministro Santana: 8,7 bilhões de reais para o avanço digital (Valter Campanato/Agência Brasil)
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Para superar os desafios de conectividade na educação, o governo federal lançou a Estratégia Nacional de Escolas Conectadas, que completou seu primeiro ano no último 26 de setembro. Coordenado pelos ministérios da Educação e das Comunicações, o programa busca universalizar a conectividade nas escolas públicas até o fim de 2026, com um investimento total de 8,7 bilhões de reais. Desse montante, 3,1 bilhões de reais foram desembolsados pelas operadoras vencedoras do leilão de 5G em 2021 — TIM, Claro, Vivo e Algar —, como contrapartida para a utilização da faixa de quinta geração. Estabelecida para gerenciar os recursos fornecidos pelas operadoras, a Entidade Administradora da Conectividade de Escolas (Eace) é responsável por fornecer, por um período de 24 meses, infraestrutura de wi-fi interna para escolas sem estrutura de fibra óptica, além de prover painéis solares para instituições sem acesso à energia elétrica.

Em apenas um ano, contudo, ainda é difícil enxergar os resultados práticos do programa. Por ora, a Eace entregou um projeto-piloto de 177 escolas conectadas, com investimento de 32,3 milhões de reais — o que corresponde a modesto 0,37% do orçamento do programa. Segundo o ministro da Educação, Camilo Santana, as fases 2 e 3 do projeto, que atenderão 5 107 escolas, estão em etapa de instalação, e a fase 4, que englobará 18 772 escolas, foi aprovada pelo conselho da Anatel. “Temos uma ótima perspectiva de avanço considerando o montante investido, mas é importante que, após esse primeiro ano, a sociedade consiga enxergar a execução desses recursos”, diz Julia Sant’Anna, diretora do Cieb. Não há dúvida: sem conectividade, o ensino público vai continuar andando devagar.

Publicado em VEJA de 27 de setembro de 2024, edição nº 2912

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