Cargos especiais e previdência: os obstáculos da reforma administrativa
Medida está pronta para ser votada no Congresso desde 2021, mas sofre resistências dentro e fora do governo

Prioridade dos presidente da Câmara e Senado, a reforma administrativa está pronta para ser votada no Congresso desde 2021. A pauta, essencial para colocar o Brasil de vez em patamar de competitividade com as economias mais avançadas, faz parte de um amplo pacote de modernização, junto com a reforma tributária — que, diga-se, ainda possui pendências a serem resolvidas.
O avanço da reforma administrativa é também urgente para auxiliar o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no controle da máquina pública, ao tratar da ineficiência do estado. As contas do governo central, que englobam Tesouro Nacional, Banco Central e Previdência Social, registraram déficit primário de 230,5 bilhões de reais em 2023. Os dados foram divulgados nesta segunda-feira, 29, pela Secretaria do Tesouro Nacional, o que representa 2,1% do produto interno bruto (PIB).
Apesar da urgências, a proposta sofre resistências dentro e fora do governo. No fim do ano passado, a ministra da Gestão, Esther Dweck, afirmou que a proposta não aborda os gargalos reais do funcionalismo público e vilanizaria os trabalhadores.
Dois pontos, que normalmente passam ao largo da discussão sobre a reforma administrativa, são especialmente sensíveis, por tocar em vespeiros: cargos especiais e previdência. Ambos não estão sob discussão, mas, na visão de especialistas, deveriam entrar no escopo do debate. Hoje, os cargos de confiança no Brasil representam cerca de 10% do funcionalismo público. Apesar de pouco, essas vagas são representativas, por representarem, via de regra, cargos de liderança e indicação política. “O corpo de profissionais deve ser técnico e, infelizmente, não temos técnicos dirigindo as principais secretarias”, diz Paulo Feldmann, professor da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da Universidade de São Paulo (USP). “Estabilidade é positiva para cargos concursados, para que não tenha interferência política, mas não deveria existir cargo de confiança”, prossegue. Segundo Feldmann, por se tratar de indicações política, esses indicados são trocados a cada governo e tudo precisa começar do zero. “Não tem política de Estado duradoura, tudo muda a cada quatro anos”, completa.
Outro ponto nevrálgico acerca do funcionalismo público é a própria previdência, que esteve sob discussão há alguns anos. O passivo atuarial da previdência para esses funcionários é quase 1 trilhão de reais nos municípios e União e cerca de 3 trilhões nos estados, totalizando algo ao redor de 5 trilhões de reais. O valor representa 54% do Produto Interno Bruto (PIB) ou 93% da dívida pública líquida. Outro fato preocupante é que apenas um terço dos regimes municipais fizeram uma reforma de benefícios ampla recentemente. “Não se está fazendo nada sobre isso. A dívida comum do governo pode ser rolada, mas isso não é possível com a previdência, vence todos os meses”, diz o consultor econômico Raul Velloso. Para ele, a discussão sobre a reforma administrativa teria que passar, necessariamente, pela previdência. “Seria necessário mudar as regras legais, capitalizar as previdências e constituir fundos de pensão. Muitos ativos podem ser monetizados também”, completa.