ASSINE VEJA NEGÓCIOS

Com Trump em retirada, gastos próprios com defesa podem estimular economia europeia

Um investimento adicional de 300 bilhões euros por ano na indústria bélica local pode elevar em até 1,5% o PIB anual dos países europeus

Por Diogo Schelp Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 5 mar 2025, 16h27 - Publicado em 5 mar 2025, 14h30

Os governantes dos países que compõem a União Europeia (UE) se reúnem nesta quinta-feira 6, em Bruxelas, na Bélgica, para debater formas de aumentar o apoio à Ucrânia na guerra contra a Rússia e medidas para incrementar a capacidade de defesa do bloco. Há um senso de urgência para esse encontro, assim como houve na cúpula realizada em Londres, no Reino Unido, no domingo 2, entre os principais países europeus da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), que contou também com a participação dos líderes do Canadá e da própria Ucrânia.

Afinal, os Estados Unidos, principais financiadores da resistência militar da Ucrânia à invasão russa do seu território, estão tirando o time de campo. O presidente americano Donald Trump quer dar um fim à guerra na Ucrânia, nem que isso signifique ceder às exigências do ditador russo Vladimir Putin e desconsiderar as preocupações de segurança dos seus aliados europeus.

Na segunda-feira 3, o governo americano anunciou o congelamento de toda a sua ajuda militar à Ucrânia, o que inclui dinheiro e armas, até que o presidente do país, Volodymyr Zelensky, concorde com os seus termos para um acordo de paz com os russos. Trump também já disse que pretende retirar alguns dos milhares de soldados americanos estacionados na Alemanha e que encorajaria a Rússia a atacar qualquer país da Otan que não cumpre com as metas mínimas de gasto com defesa. 

Trata-se de uma realidade totalmente nova para a geopolítica europeia, em que se dissipa rapidamente a proteção que os Estados Unidos oferecem para a região e para outros aliados ocidentais desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Os europeus estão acordando para essa nova realidade, e a reação mais significativa vem justamente da Alemanha, onde um novo governo começa a se formar depois das eleições de fevereiro.

Nesta terça-feira 4, o provável futuro chanceler alemão Friedrich Merz anunciou que, como parte do acordo para a formação da coalizão parlamentar, pretende emendar a Constituição para tirar investimentos em defesa e segurança das regras que limitam os gastos públicos. Isso representa uma guinada significativa para a Alemanha, tradicionalmente conservadora em questões fiscais. O país já vinha aumentando seus gastos para aprimorar e equipar suas forças armadas nos últimos anos. O valor gasto pelos alemães com defesa passou de 1,5% do PIB em 2022 para 2,1% em 2024. A meta estipulada para os países da Otan, aquela que Trump vem cobrando, é de 2%. Mas Merz quer ir muito além.

Continua após a publicidade

Nesta quarta-feira 5, representantes do governo alemão apresentaram um plano a portas fechadas a seus pares da UE para mudar as regras fiscais do bloco, de forma a permitir um aumento significativo nos gastos com defesa no longo prazo, a fim de enfrentar a nova realidade geopolítica que se impõe. Um plano anunciado pela UE nesta terça-feira 4 já prevê gastos adicionais de 800 bilhões de euros nos orçamentos nacionais em defesa. Merz quer mais, pois considera que esse investimento tem impacto apenas no curto prazo.

Atualmente, pelas regras orçamentárias da UE, a dívida dos países-membros não pode ser maior que 60% do PIB e o déficit primário está limitado a 3%. Uma possibilidade é que gastos com defesa que superem a meta anual de 2% do PIB fiquem isentos de cumprir essas regras fiscais. Isso poderia adicionar alguns trilhões de euros à indústria bélica e ao incremento das forças armadas nos próximos anos. Se for incluída uma possível ajuda maior à Ucrânia para compensar o fim do apoio americano ao país, a conta para os europeus pode chegar a 10 trilhões de euros em dez anos, segundo estimativa da Bloomberg.

Um efeito colateral positivo dessa mobilização bélica sem precedente desde o fim da Guerra Fria pode ser o estímulo ao crescimento econômico e à inovação tecnológica de uma região que tem perdido a dianteira em ambos os aspectos para novas potências, como a China. Segundo um estudo divulgado pelo Instituto Kiel para a Economia Mundial, com sede na Alemanha, um aumento de 1,5 ponto percentual nos gastos com defesa, passando da meta da Otan de 2% para 3,5% do produto interno bruto, pode contribuir para elevar entre 0,9% e 1,5% o PIB anual dos países europeus. 

Continua após a publicidade

Esse impacto, no entanto, só acontecerá com gastos equivalentes a 300 bilhões de euros por ano e se os recursos forem direcionados para incrementar a pesquisa e a produção doméstica de equipamentos militares. Atualmente, 80% dos materiais bélicos são importados de fora da UE. O estudo também recomenda que os gastos adicionais com defesa sejam bancados com emissão de títulos de dívida pública, não com aumento de impostos. Há uma preocupação de que os gastos turbinados em defesa gerem inflação e juros mais altos, e os governos europeus precisariam ficar atentos para encontrar esse equilíbrio.

Já existe um movimento, principalmente na Alemanha, cuja economia sofreu dois anos de retração seguidos, para redirecionar esforços da indústria para o setor bélico. A Rheinmetall, por exemplo, maior fabricante de munições da Europa, mas que também atua em outros setores, vai reformular duas de suas fábricas de autopeças para produzir equipamentos militares. Já a Hensoldt, que produz radares de uso militar, pretende contratar trabalhadores que vão ser dispensados do setor automotivo. A indústria de automóveis, antes a joia da coroa do modelo exportador da Alemanha, é um símbolo do estado atual da economia, com produção em queda e empregos ameaçados. 

Se a indústria bélica pode ser a saída para essa situação, ainda é um tema em aberto. O fato é que as ações das empresas alemãs do setor tiveram valorizações de 3,4% a 8,3% nesta quarta-feira 5, depois do anúncio dos novos investimentos em defesa da UE. Essa é uma tendência de longo prazo. Os papéis dos fabricantes de armas, munições e outros equipamentos militares vêm ganhando impulso há meses.

As ações do RENK Group, que produz peças para veículos militares, tiveram uma alta de 93,71% nos últimos doze meses. As da Rheinmetall, 86,22%, e as da Hensoldt, 85,51%. Não é por acaso que o novo governo alemão esteja entre os maiores defensores de turbinar os gastos militares. Os russos batem à porta, os americanos batem em retirada e a economia doméstica ameaça bater novamente no fundo do poço, com as previsões para o PIB de 2025 sendo constantemente revistas para baixo. A urgência é tripla.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*
Apenas R$ 5,99/mês*
ECONOMIZE ATÉ 59% OFF

Revista em Casa + Digital Completo

Nesta semana do Consumidor, aproveite a promoção que preparamos pra você.
Receba a revista em casa a partir de 10,99.
a partir de 10,99/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a R$ 9,90/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.