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Como a Câmara se prepara para votar a liberação dos cassinos

No governo, o tema é cercado de polêmicas; apoiadores e opositores lutam para fazer valer sua posição

Por Felipe Mendes Atualizado em 4 jun 2024, 12h35 - Publicado em 20 fev 2022, 08h00

Com as atenções voltadas para a movimentação que cerca os preparativos paras as eleições de outubro, uma mobilização discreta porém intensa se desenrola nos bastidores do Congresso desde o último trimestre de 2021. Trata-se do esforço para a votação do Projeto de Lei 442/91, cujo regime de urgência foi aprovado na Câmara dos Deputados às vésperas do recesso parlamentar, em 16 de dezembro. A medida propõe a legalização da exploração econômica do jogo no país, proibida desde abril de 1946, por decisão do presidente Eurico Gaspar Dutra. No início da semana, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), se comprometeu com o relator Felipe Carreras (PSB-PE) a levá-la ao plenário até o início de março. O tema, no entanto, é altamente controvertido dentro do governo. O próprio presidente Jair Bolsonaro já se disse contrário à aprovação, preocupado com o impacto que possa provocar entre seus apoiadores mais conservadores e religiosos.

arte cassino

Mesmo com essa declaração, não se deve apostar, no entanto, contra a aprovação do projeto. O grupo de simpatizantes da legalização tem cacife e nomes de peso, incluindo Lira, o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, os integrantes do Ministério da Economia, do Turismo, e até os filhos do presidente, Flávio e Eduardo Bolsonaro, que se reuniram com o ex-presidente americano Donald Trump para tratar do apoio na atração de investimentos da indústria de cassinos americana para o Brasil. Do lado oposto, a base evangélica no Congresso se posiciona pela manutenção da proibição, assim como a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves. “Sou contra a legalização dos jogos de azar porque temo que essas casas de jogos sejam usadas para esquemas de corrupção e lavagem de dinheiro”, diz Damares. “A liberação dos jogos não é a única alternativa que temos para gerar empregos no Brasil.” A mesma linha é seguida pelo líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR). “Se o tema for a plenário, o governo encaminhará voto contra.”

Entre as nações que fazem parte do G20, a organização que reúne 80% da economia global, apenas três países proíbem a exploração dos jogos — Brasil, Arábia Saudita e Indonésia, os dois últimos muçulmanos. Em um cenário de dificuldades econômicas como o atual, os dados compilados pela Frente Parlamentar Mista organizada para discutir o assunto impressionam. A legalização dos jogos no país teria o potencial de gerar 658 000 empregos — entre os anos 1930 e 1940, o auge dos cassinos no Brasil, o setor garantia mais de 40 000 postos. “Em um país que precisa desesperadamente criar empregos e que há décadas tem crescimento estagnado, não há justificativa para que o jogo continue na ilegalidade”, argumenta o deputado Bacelar (Podemos-BA), presidente da frente parlamentar.

ERA DE OURO - Cassino da Urca, em 1941: setor com mais de 40 000 empregos -
ERA DE OURO - Cassino da Urca, em 1941: setor com mais de 40 000 empregos – (Hart Preston/The Life Picture Collection/Shutterstock)
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No setor de turismo, cuja geração de riqueza patina na casa dos 8% do PIB e que não conseguiu se expandir nem mesmo com a realização da Copa da Mundo e das Olimpíadas, as perspectivas de expansão são fundamentadas na experiência internacional, particularmente na Ásia. “Macau recebia 10 milhões de turistas antes dos investimentos em cassinos e passou a receber 31 milhões. Singapura foi de 9 milhões a 21 milhões de turistas. São êxitos que mudaram a matriz do fluxo turístico internacional”, diz Carreras, relator do projeto na Câmara. “O Brasil é carente em novos produtos turísticos e nosso contingente de visitantes estrangeiros segue estagnado abaixo de 7 milhões.”

SUCESSO - Hotel em Macau: 
a região da China lucra com o dinheiro trazido por 31 milhões de turistas -
SUCESSO – Hotel em Macau: 
a região da China lucra com o dinheiro trazido por 31 milhões de turistas – (Martin Bertrand/Hans Lucas/AFP)

Além disso, o país perde em arrecadação de impostos com a ilegalidade e com operações que são baseadas — e tributadas — em outros países. Estima-se que o jogo ilegal movimente 27 bilhões de reais por ano, frente aos 17,8 bilhões de reais das lotéricas. E, em 2018, foi aprovada uma lei para a liberação do mercado de apostas virtuais, que tem data-limite para ser regulamentada até o fim deste ano. Em paralelo, diversos sites baseados no exterior já oferecem jogos de cassinos e de apostas esportivas aos brasileiros via internet. Entre 2018 e 2020, o setor de apostas esportivas cresceu de 2 bilhões de reais para 7 bilhões de reais e a presença dos sites de apostas é tão forte que, dos times que jogaram a primeira divisão do Campeonato Brasileiro de 2021, apenas o Cuiabá não tinha patrocínio dessas empresas. Isso para não falar da publicidade na televisão e às competições. “O mercado está absolutamente consolidado e em franca expansão. O que falta é a regulamentação, com regras claras, para a operação baseada no Brasil”, diz André Gelfi, CEO da plataforma de apostas eletrônicas Betsson no país.

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Em meio ao cabo de guerra político, os defensores do jogo, entre eles integrantes do Ministério da Economia, acreditam que o desfecho mais provável envolverá um certo jogo de cena. O presidente Jair Bolsonaro disse em entrevista a VEJA no ano passado que, caso o projeto fosse aprovado pelo Congresso, ele vetaria. Mas auxiliares próximos admitem que, mesmo que isso aconteça, se trata de um posicionamento para agradar a seus eleitores mais conservadores. Uma vez manifestada sua posição, ele apenas assistiria ao Congresso derrubar o veto. “A maioria esmagadora do governo é favorável. O presidente, publicamente, diz que não é, mas não deve intervir na decisão do Parlamento. O ambiente é propício para isso, ainda mais agora com o ministro Ciro Nogueira próximo ao presidente”, diz um auxiliar palaciano. Nogueira é uma das poucas vozes fortes do governo que não fala abertamente sobre o tema, como forma de evitar constranger o presidente ou os seus pares da ala mais fundamentalista, mas ele tem cacife para atuar de forma eficiente nos bastidores. A sorte está lançada.

Publicado em VEJA de 23 de fevereiro de 2022, edição nº 2777

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