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Como as empresas de software podem transformar o país em polo global de tecnologia

Empresas como a Onfly, Indicium e CRMBonus atraem investidores e clientes estrangeiros em movimento que pode mudar o jogo no setor

Por Pedro Gil Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 30 Maio 2025, 06h00

Conhecido pelo baixo nível educacional, o Brasil não tem tradição de atrair a atenção de investidores em busca de bons negócios na área de tecnologia. Nos últimos anos, porém, a indústria local de softwares tem se destacado como uma honrosa exceção. O bom momento é expresso pelos aportes de capital que o setor recebe de grupos estrangeiros que até então passavam longe daqui. Em 2023, a Onfly, que automatiza o reembolso de viagens corporativas, captou 80 milhões de reais com a gestora americana Left Lane Capital. No ano passado, a Indicium, uma startup focada na consultoria de dados e criada pelos sócios Isabela Blasi, Matheus Dellagnelo, Daniel Avancini e Vitor Avancini, recebeu 40 milhões de dólares da Columbia Capital, marcando o primeiro investimento da tradicional gestora de Nova York no Brasil. Outra que estreou por aqui foi a também americana Bond Capital, que injetou 455 milhões de reais na CRMBonus (dos sócios Eduardo Vieira, Luiz Guedes e Alexandre Zolko), especializada em programas de recompensas para varejistas.

Eduardo Vieira, Luiz Guedes e Alexandre Zolko, da CRMBonus: aporte estrangeiro
Eduardo Vieira, Luiz Guedes e Alexandre Zolko, da CRMBonus: aporte estrangeiro (./Divulgação)

Os americanos não os únicos a apostar nos programadores brasileiros. A Globant, multinacional argentina de serviços de tecnologia, adquiriu no ano passado a desenvolvedora Iteris. Embora o valor da transação não seja público, fontes ouvidas por VEJA NEGÓCIOS afirmam que foi o maior negócio fechado pelos argentinos no Brasil, onde já haviam comprado em 2020 a gA, de armazenamento de dados em nuvem, e a Nèscara, de sistemas de relacionamento com clientes, em 2022. A Globant, inclusive, é uma das responsáveis por atrair o interesse de investidores globais pelas empresas de software da América Latina. Fundada em 2003, em Buenos Aires, a companhia ganhou notoriedade dez anos depois, quando selou uma ampla parceria com o Google, começando com o desenvolvimento de uma loja virtual de aplicativos e se expandindo desde então para áreas como inteligência artificial. Logo, a companhia passou a dar assistência a outros clientes badalados, como o LinkedIn e a Disney. Hoje, ela é requisitada nos Estados Unidos como poucas do ramo. “Nossos profissionais são considerados talentosos e baratos”, diz Carlos Morais, diretor-executivo da Globant no Brasil.

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De fato, a relação entre custos e benefícios pesa a nosso favor. É verdade que o salário médio dos latino-americanos é mais alto que o de outros países emergentes, mas a qualidade e a produtividade dos talentos compensam. Por isso, o custo total de desenvolvimento acaba sendo menor. No Brasil, gastam-se em média 1 766 dólares por mês para desenvolver um software. Na Argentina, o custo é de 1 825 dólares mensais e, no México, de 1 826. Na Polônia, tradicional fornecedora mundial de programas, o custo salta para 6 400 dólares. A Ucrânia, outro país respeitado no ramo, cobrava 7 200 dólares antes do início da guerra com a Rússia.

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As empresas de tecnologia também aproveitam os bons ventos para diversificar os negócios, a exemplo da recente onda de aquisições de agências de marketing digital. Desde 2020, foram compradas mais de vinte empresas brasileiras da área, movimentando quase 9 bilhões de reais. Fundada em 2018 pelo brasileiro Anselmo Ramos e pelo argentino Gastón Bigio, a agência Gut foi adquirida pela Globant em 2023. A multinacional brasileira de tecnologia CI&T também foi às compras e, em 2022, arrematou a Box 1824. O intercâmbio entre programadores e publicitários estimula a criatividade. “O mercado de tecnologia não vive de tradição, mas de inovação”, diz Leandro Angelo, vice-presidente da CI&T na América Latina. Listada na Nasdaq desde 2021, a empresa já gera 60% de sua receita no mercado externo.

CI&T estreia na Nasdaq em 2021: brasileira gera 60% da receita no exterior
CI&T estreia na Nasdaq em 2021: brasileira gera 60% da receita no exterior (Andrew Kelly/Divulgação)

O talento brasileiro e o baixo custo de desenvolvimento não são os únicos fatores que embalam os negócios. Importantes mudanças no cenário mundial também os beneficiam. A principal delas é o rearranjo das cadeias produtivas desde a pandemia de covid-19. Antes da eclosão da crise sanitária em 2020, os principais polos de software eram a Índia, a China e o Leste Europeu, mas a pandemia desarticulou essas redes de desenvolvimento. Muitos prestadores de serviço asiáticos enfrentaram problemas para atender seus clientes no Ocidente. Assim como ocorreu em outras áreas, isso incentivou um movimento de nearshoring na indústria de software: a clientela ocidental passou a buscar desenvolvedores em países mais próximos, o que favoreceu a demanda por empresas da América Latina.

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Com isso, o Brasil ostenta hoje um mercado de tecnologia da informação de 50 bilhões de dólares. O México, segundo colocado na região, movimenta 33 bilhões de dólares, de acordo com a Associação Brasileira das Empresas de Software. O fato de estarmos mais perto dos Estados Unidos do que os orientais nos ajuda a conquistar clientes antes atendidos por desenvolvedores chineses, indianos e do Leste Europeu. “A lacuna foi aberta no mercado americano e nós a ocupamos”, diz Rafael Frugis, sócio da butique de fusões e aquisições IGC Partners. “O fuso horário faz mais sentido, nossa cultura é mais próxima à dos americanos e somos mais flexíveis.”

Globant: a empresa argentina disseminou os softwares da América Latina pelo mundo
Globant: a empresa argentina disseminou os softwares da América Latina pelo mundo (Santiago Chaer/Divulgação)
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Para que o Brasil transforme este bom momento do mercado em uma posição consolidada como grande fornecedor mundial de programas, contudo, será preciso superar alguns obstáculos. Um dos maiores é a imensa carência de profissionais bilíngues. De acordo com o British Council, apenas 1% dos brasileiros é fluente em inglês. A agenda protecionista do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, também ameaça a internacionalização das empresas brasileiras de programação. As pesadas tarifas que impôs às importações visam, entre outros objetivos, forçar que as empresas produzam cada vez mais em solo americano. O impacto sobre a indústria de softwares é incerto. “Precisamos esperar para ver quanto Trump vai querer importar de serviços”, diz Rodolfo Eschenbach, presidente no Brasil da Accenture, multinacional de consultoria de gestão, tecnologia da informação e terceirização. “Teremos muitos meses de incerteza.”

O avanço da inteligência artificial torna ainda mais imprevisível o futuro do setor, à medida que mais ferramentas dotadas de recursos da IA são usadas para criar softwares. Algumas pessoas que atuam na vanguarda dessa tecnologia estão convictas de que haverá uma profunda mudança na atividade de escrever códigos para computador. Em 2024, durante a Cúpula Mundial de Governos, Jensen Huang, fundador da Nvidia, afirmou que o trabalho da companhia, uma das maiores fabricantes de chips para IA, “é criar a tecnologia que permita que ninguém mais precise programar”. Cabe aos nossos cérebros e empresas acompanhar essa tendência da programação para que o Brasil se consolide no cenário tecnológico global.

Publicado em VEJA, maio de 2025, edição VEJA Negócios nº 14

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