Como o governo se prepara para negociar suas concessões mais valiosas
Em momento de instabilidade econômica, a tarefa prejudicada é pelo ruído político e pela questão ambiental
Pode-se dizer sem exagero que a história da infraestrutura no Brasil é marcada por investimentos financiados majoritariamente por recursos públicos. O governo federal e estados sempre aportaram vultosas somas para garantir a construção de estradas e aeroportos dos quais hoje o país dispõe. Na última década, com a forte deterioração das contas públicas, os aportes massivos se tornaram proibitivos, e com isso os investimentos em transportes, energia elétrica, telecomunicações e saneamento vêm caindo ano a ano, passando de 2,32% do PIB, em 2014, para 1,58%, no ano passado.
Um dos principais acertos da estratégia econômica da administração atual, que derrapa no conjunto, está em delegar à iniciativa privada a tarefa de reverter esse quadro. A questão é que o momento da virada está previsto para acontecer exatamente quando o governo do presidente Jair Bolsonaro enfrenta o pico de desconfiança do capital internacional, avesso a ambientes instáveis.
Nos próximos meses, serão colocadas à disposição da iniciativa privada as joias da coroa do programa de concessões do Ministério da Infraestrutura: os 402 quilômetros da Rodovia Presidente Dutra, que conecta São Paulo ao Rio de Janeiro, dois terminais do Porto de Santos e, previstos para o início de 2022, os aeroportos de Congonhas (SP) e Santos Dumont (Rio). Para convencer os investidores, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, prepara um tour de force a fim de exibir o potencial dos negócios até para quem considera arriscado pôr dinheiro no país, mesmo com o real desvalorizado. Apenas nos próximos três meses, o governo espera garantir 23 bilhões de reais em investimentos, mais do que o total já conseguido neste ano. Fontes próximas ao ministro afirmam que a empreitada não é mais “vender um sonho”, como acontecia antes das 74 concessões feitas desde 2019, mas mostrar o que já foi feito “independentemente de toda confusão no Brasil”.
A partir de 3 de outubro, o ministro deve passar uma semana em Nova York, em reuniões com alguns dos mais poderosos nomes de Wall Street, como representantes dos multibilionários fundos BlackRock, Lazard, GIP e Macquarie. No dia 29 do mesmo mês, estará na sede da B3, em São Paulo, para negociar uma nova concessão da Dutra. Cerca de dez dias depois, Freitas embarcará para uma nova rodada de visitas. Dessa vez, na Europa, para encontrar operadores de infraestrutura franceses, italianos, espanhóis e alemães. Em seguida vai à Expo Dubai, onde espera atrair os fundos soberanos árabes. Na volta, em meados de novembro, protagoniza mais uma rodada de concessões, com sete terminais portuários, dois terminais de combustíveis no Porto de Santos e dois trechos das rodovias.
A agenda lotada é uma tentativa hercúlea de trazer boas notícias — e dinheiro — a um governo que enfrenta inflação alta e crescimento decepcionante. Apesar do esforço, a tendência é de que os novos leilões atraiam empresas e investidores estrangeiros que já operam no país ou possuem concessões locais. “Quem está se movimentando é quem já está aqui, quem já passou pela Dilma e que vai também passar pelo Bolsonaro. Eles estão mais acostumados à volatilidade, e mesmo assim estão um pouquinho assustados”, diz Claudio Frischtak, da consultoria internacional de negócios Inter.B.
Os desafios, no entanto, não se resumem à turbulência política e econômica que chacoalha o Brasil. As credenciais do governo na questão ambiental também assustam. “Os investidores estão olhando para a estabilidade e democracia no país e, especialmente, para o alinhamento das ofertas à questão climática, já que essas questões são fundamentais em projetos de longo prazo”, afirma Joaquim Levy, ex-ministro da Fazenda e diretor do Banco Safra. A importância da pauta ambiental é tal que o próprio Freitas vai representar o Brasil na conferência anual do clima da ONU, a COP 26, em novembro, na Escócia. A ideia é dirimir a péssima imagem do governo, uma tarefa de dimensão épica.
Colaborou Larissa Quintino
Publicado em VEJA de 22 de setembro de 2021, edição nº 2756