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Como o PlayStation salvou a Sony da falência

Nova edição do produto reforça o poder de fogo dessa divisão da empresa e resgata a companhia japonesa do fiasco nos segmentos de smartphones e TVs

Por Nelson Cilo
Atualizado em 4 jun 2024, 15h14 - Publicado em 25 set 2020, 06h00

No videogame God of War, um dos mais populares do PlayStation, os personagens mitológicos Kratos e seu filho Atreus devem vencer duras batalhas para sobreviver em um mundo repleto de desafios. No universo da tecnologia, a japonesa Sony, dona do famoso jogo, enfrenta obstáculos parecidos. A marca, que já foi símbolo de qualidade no mercado de eletrônicos — criou produtos icônicos como o Walkman, inseparável dos jovens dos anos 80 —, assistiu, quase sem reação, ao tropeço de seus produtos em segmentos como o de smartphones, aparelhos de som e televisores, e acabou superada por rivais mais ousados e inovadores. Mas, ao contrário de companhias como a Kodak, que foi incapaz de resistir ao ataque dos filmes digitais, a Sony encontrou uma arma poderosa que a manteve viva no jogo dos negócios: o próprio PlayStation. O console está na quinta versão, que deverá chegar às lojas em novembro. A julgar pela demanda antes mesmo de nascer, o PS5 será um sucesso de vendas. A empresa não revela o número de unidades reservadas, mas estimativas preveem que o modelo deverá superar o PS2, lançado há duas décadas e o mais vendido da história do mercado mundial, com 155 milhões de cópias.

Projeções da consultoria Digitimes calculam que a Sony deverá vender entre 120 milhões e 170 milhões de consoles até 2025, quando se espera que um novo modelo seja anunciado. Se não houver um freio significativo na economia global, o número poderá ser ainda maior. Somente em 2020, a multinacional japonesa pretende fabricar 10 milhões de unidades do PS5, que provavelmente se esgotarão nas lojas. “A combinação de um hardware potente com os melhores games disponíveis no mercado criou uma legião de seguidores”, afirma o consultor de negócios Sandro Magaldi, especializado no setor de tecnologia. “Jogar videogame deixou de ser uma atividade apenas para crianças e, por isso mesmo, tem gerado muitas oportunidades de negócios.”

Os números comprovam a tese de que o mundo dos games fisgou os adultos. Uma pesquisa recente realizada pela consultoria Game Brasil constatou que a principal faixa etária de jogadores no país é de jovens entre 25 e 34 anos, que representam 33,6% de todo o público. Em seguida aparecem as pessoas de 16 a 24 anos (32,5%). Mesmo com a ascensão das plataformas de música e vídeo, o mercado de videogames movimenta três vezes mais receitas que o segmento de música e quase quatro vezes mais que a indústria cinematográfica. Detalhe: a diferença a favor dos games vem aumentando a cada ano.

Em 2020, segundo levantamento realizado pela agência Safe Betting Sites, o setor terá faturamento recorde de 159,3 bilhões de dólares globalmente. Desse montante, 1,5 bilhão de dólares virá do Brasil, o dobro de uma década atrás. As cifras são alimentadas por um crescente exército de jogadores. Estima-se que existam 2,7 bilhões de adeptos de games no mundo. No Brasil, pesquisa realizada pela consultoria Newzoo aponta para um universo de 75,7 milhões de jogadores.

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PORTÁTIL - Jovem com Walkman: o aparelho mudou o jeito de consumir música – (Chris Hoffmann/picture alliance/Getty Images)

O lançamento do PS5 é uma estratégia fundamental para a Sony estacar o crescimento dos jogos on-line voltados para os smartphones, além de consolidar sua liderança em um mercado acirrado, com competidores fortes como Nintendo e Microsoft, dona do também bem-sucedido Xbox. Atualmente, 48% da receita do setor vem de games para celulares. Para este ano, espera-se um salto de 13,3% sobre o exercício anterior. Só em 2019, os mobiles cravaram 33% de todos os downloads de apps e contribuíram para que os gastos chegassem a 74% no segmento. Uma pesquisa da eMarketer revelou que os usuários de celulares dos Estados Unidos gastaram em 2019 oito minutos a mais em dispositivos móveis do que na televisão. Em 2021, as projeções indicam um aumento de meia hora. Ou seja: ao deixar a televisão de lado, o consumidor acaba estimulando o universo dos smartphones, o que é ótimo para os videogames.

Parte do sucesso do PS5, que custará 4 999 reais no Brasil, se explica pela tecnologia. Durante a apresentação do console, o chefe de arquitetura do novo PlayStation 5, Mark Cerny, destacou que um dos pontos fortes do equipamento será um sistema que vai acabar com a lentidão nos carregamentos, o que era até então uma das principais reclamações dos usuários. Haverá também a possibilidade de utilizar armazenamento externo. Além disso, alguns jogos do PS4 serão compatíveis com o PS5, o que certamente fará diferença para quem não quer gastar muito com novos games.

A Sony tem um papel fundamental na indústria do entretenimento. Lançado em 1979, o Walkman é o pai dos dispositivos de áudio portáteis. Antes dele, os aparelhos que tocavam música eram trambolhos imensos, que dificilmente poderiam ser levados de um lado para outro. O Walkman fez tanto sucesso que mudou para sempre a forma de consumir música, e não é exagero dizer que ajudou a popularizar bandas e artistas. Com ele, passou a ser possível ouvir música em qualquer lugar — no transporte público, na praia e até na escola, para desespero dos professores.

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Mais tarde, a própria Sony acabaria inovando ao lançar, em 1984, o primeiro Discman, uma espécie de tocador portátil de CDs. A fabricante japonesa, porém, não foi capaz de enfrentar as brutais transformações trazidas pelos smartphones, e quase ficou pelo caminho. No Brasil, a empresa colocou recentemente um ponto-final na fábrica de Manaus, que deixará de produzir televisores, câmeras e produtos de áudio no país. O foco total agora é a área de videogames, embora as outras continuem existindo. Se o futuro da Sony depender do PS5, a empresa certamente estará muito longe do game over.

Publicado em VEJA de 30 de setembro de 2020, edição nº 2706

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