A influência das redes sociais na política gerou polêmica nos últimos anos. Não foram raras as vezes em que elas foram acusadas de terem impactado o resultado de votações importantes, como a eleição americana de 2016, quando Donald Trump superou Hillary Clinton, ou a do Brexit, no Reino Unido, no mesmo ano. A reação de especialistas fez com que as maiores, Facebook e Twitter, aplicassem um rígido controle sobre as chamadas “fake news” para tentar mitigar o efeito da desinformação. O auge dessa polêmica aconteceu neste ano, quando o escândalo da Cambridge Analytica fez com que Mark Zuckerberg se expusesse em público para dizer que o Facebook tomaria mais cuidado de ali em diante. No entanto, há quem não queira esse tipo de controle. O efeito colateral foi a criação de redes alternativas que prometem não controlar o fluxo de informação. E uma delas vem crescendo rapidamente no Brasil: é o Gab.ai. É lá que os apoiadores de Jair Bolsonaro (PSL) têm encontrado “liberdade”.
O Gab foi criado em agosto de 2016 e é uma alternativa ao Twitter. Como no microblog mais famoso, há uma limitação de caracteres por publicação – 300 no caso do Gab, enquanto que no Twitter são 280. A lógica é quase a mesma : uso de hashtags, curtidas e repostagens. Segunda a própria rede, são mais de 710 mil usuários cadastrados pelo mundo. E 175 mil deles estão no Brasil – aproximadamente 25%. Tem um motivo para o Brasil ter peso tão grande, segundo Andrew Torba, fundador do Gab: “os brasileiros estão sendo censurados pelas plataformas do Vale do Silício”.
Enquanto Twitter e Facebook nasceram no Vale, próximo a São Francisco, na Califórnia, o Gab nasceu em Austin, no Texas – uma região bem mais conservadora. O motivo para criá-la, diz Torba, foi justamente a política de conduta aplicada pelas duas gigantes. Em 2016, vários membros do movimento americano de direita, denominado Alt-Right (direita alternativa), tiveram suas contas permanentemente suspensas pelo Twitter. “O viés, os dois pesos e o eco ideológico das plataformas do Vale do Silício me motivaram a fundar o Gab”, afirma.
A reclamação por aqui é constante entre perfis que se identificam como de direita. Entre o final de julho e início de agosto, Facebook e Twitter apagaram contas sob a alegação de serem disseminadoras de fake news. Usuários famosos como o vereador paulistano Fernando Holliday (DEM) e o próprio Bolsonaro protestaram. “Isso é a censura do Vale do Silício atacando de novo”, disse Holliday. “#DireitaAmordaçada”, tuitou Bolsonaro. A queixa é que somente contas de perfis ligados à direita são apagadas – enquanto que usuários de esquerda, mesmo que disseminem notícias falsas, saem ilesos. À época, as redes se defenderam e afirmaram que as páginas excluídas violavam suas regras de conduta.
Por falar em fake news, no Gab, está tudo liberado. Enquanto outras redes investem em equipes e até terceirizam o combate à desinformação em suas plataformas, o Gab não faz e não fará nada em relação a esse tema. Torba diz que notícias falsas são “subjetivas”. Para ele, a rede de televisão americana CNN é um exemplo de fake news. “A resposta para as fake news é mais liberdade para combatê-las com a verdade, não censura. Mas, é claro, fake news também é liberdade de discurso.”
Foi justamente nesse período que o Gab explodiu. Em 23 de agosto, o Partido Social Liberal abriu sua conta na rede. Outros influenciadores da direita, como o perfil humorístico politicamente incorreto Joaquim – que alega ter tido ao menos 6 contas apagadas no Twitter – seguiram o mesmo caminho.
Nos Estados Unidos, a polêmica é tamanha que até o Departamento de Justiça cogita a possibilidade de investigar as práticas das redes sociais. O secretário Jeff Sessions acredita que as empresas estão restringindo as vozes conservadoras.
Torba afirma que o Gab não tem perfil ideológico, mas que acaba naturalmente atraindo pessoas da direita. “Essas pessoas estão sendo censuradas em todos os outros lugares. O Gab permite que todos entrem e falem livremente. É apenas mais natural que aqueles que estão sendo silenciados entrem antes”, diz. O perfil não ideológico, no entanto, acaba nas linhas de comando por trás da plataforma. Ele próprio apoia abertamente a candidatura de Bolsonaro. “Ele é um patriota e está lutando para livrar o Brasil dos imundos comunistas.”
O discurso e o negócio de Torba parecem estar funcionando. Em dois anos, o Gab já arrecadou investimentos de 1 milhão de dólares. Não dá para comparar com o Twitter, que vale 21 bilhões de dólares. E muito menos com o Facebook, avaliado em 454 bilhões de dólares. No entanto, a depender do otimismo de Torba – “esperamos ter milhões de usuários no próximo ano” – e da ascensão do conservadorismo no mundo, não é difícil pensar que ao menos uma sombra o Gab possa fazer às duas gigantes.