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Contagem regressiva

A Avianca não consegue pagar a seus fornecedores, tem a maior parte de sua frota arrestada, cancela centenas de voos e vê a falência cada vez mais perto

Por Lucas Cunha
Atualizado em 4 jun 2024, 16h26 - Publicado em 26 abr 2019, 07h00

Leonardo da Vinci era obcecado pela ideia de voar. Ao longo de sua vida, criou projetos de planadores, um helicóptero e um paraquedas. Mesmo sem nunca ter conseguido sair do chão, o gênio renascentista cunhou uma frase até hoje repetida por aviadores: “Uma vez que você tenha experimentado voar, andará pela terra sempre com seus olhos voltados para o céu, pois lá você esteve e para lá você desejará voltar”. Tudo indica que esse será o destino dos irmãos Germán e José Efromovich, controladores da Avianca: vagar com o olhar voltado para o firmamento, onde seus aviões chegaram a transportar quase 11 milhões de passageiros por ano em seu auge. É que a companhia aérea, que já foi a terceira maior do país, acumula dívidas ao norte de 3 bilhões de reais e espera-se que ela encerre suas atividades a qualquer momento. Há um leilão de seus ativos marcado para 7 de maio com o objetivo de amortizar esse valor, mas existem sérias dúvidas no mercado se a empresa consegue se manter viva até lá. Se há sete meses a companhia tinha a frota mais moderna do país, com 59 aeronaves, ela agora opera com apenas oito. Aeroportos já exigem pagamento à vista de suas taxas para autorizar decolagens, e o combustível para os voos tem sido bancado por concorrentes. A situação é insustentável.

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(Arte/VEJA)

Todos os competidores e analistas do mercado de aviação estão de olho no que vai acontecer com a Avianca. São alguns os cenários possíveis, mas em nenhum deles a empresa volta a disputar com Gol, Latam e Azul a preferência dos passageiros nas principais rotas do país. A empresa está em recuperação judicial desde dezembro, o que teoricamente a protegeria de execuções da dívida que inviabilizariam sua operação — é para isso que serve a recuperação judicial. O problema é que os aviões não são da companhia, mas de empresas e instituições financeiras que cobram por seu uso. Por isso tanto a Justiça quanto a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) permitiram o arresto das aeronaves. O cancelamento de voos foi inevitável e deixou os viajantes receosos. Ninguém arrisca comprar novas passagens, e o fluxo de caixa da aérea ficou comprometido. O óbvio risco de inadimplência inviabiliza novos contratos de leasing. Com isso, repor a frota está fora de questão. Se, ainda assim, a empresa conseguir manter a operação até o dia do leilão, haverá o risco de algum credor que se sinta prejudicado entrar com um recurso em segunda instância para suspender a oferta pública, o que seria desastroso. Nesse caso, todos os ativos da companhia seriam direcionados para a massa falida, com vistas ao ressarcimento dos credores, e a aérea iria à falência.

Investidores se agarram a um fio de esperança de que a Avianca cumpra o rito de leiloar seus principais ativos, pague a seus credores e mantenha uma operação, ainda que pequena. A empresa foi fatiada em sete unidades produtivas isoladas (UPIs), que não incluem a dívida. Trata-se do programa de milhagens Amigo e de autorizações de decolagem e pouso (slots) nos aeroportos. A ideia é que a Avianca mantenha uma operação diminuta, com as oito aeronaves de que ainda dispõe e dezesseis slots. “O êxito no leilão é a única chance para o cumprimento do plano de recuperação, abrindo-se caminho para voltar ao mercado”, explica Carolina Mansur, sócia da área de recuperação judicial e falências do escritório VPBG.

Nos bastidores, os gigantes Azul, Gol e Latam disputam o espólio da Avianca. Os alvos principais, as chamadas joias da coroa, são os slots que interligam os aeroportos de Congonhas e Santos Dumont. A ponte aérea é uma obsessão antiga da Azul, que negociou direto com a Avianca o arremate de todas as rotas sob sua responsabilidade. Gol e Latam atravessaram o acordo e convenceram a Elliott Management, a maior credora, a dividir os slots em sete UPIs para tirar o poder de barganha da Azul. “O modelo proposto permite que mais interessados participem do processo, o que é benéfico tanto para o ambiente concorrencial quanto para o consumidor”, afirma Jerome Cadier, CEO da Latam Brasil. A Gol, em nota, também garante que o objetivo era melhorar a concorrência. É difícil acreditar, todavia, que a divisão não tenha tido apenas uma finalidade: impedir a entrada da Azul no Aeroporto de Congonhas. A manobra deu certo. John Rodgerson, presidente da Azul, comunicou o abandono da compra. “Nossa oferta não existe mais”, afirma.

O grande problema da Avianca sempre foi o custo de sua operação. Para diferenciarem-se da concorrência, que a cada dia arruma um jeito de tornar as viagens mais desconfortáveis, com menos espaço entre as poltronas e alimentação escassa, os irmãos Efromovich investiram em serviço de wi-fi, TV a bordo e assentos mais espaçosos. Para bancar as extravagâncias sem baixar o preço, a Avianca não realizou operações financeiras para proteger-se de variações no dólar e no combustível, uma praxe na indústria. A estratégia funcionou por um tempo, e a empresa chegou a amealhar 22% do tráfego doméstico em Guarulhos no ano passado, com a taxa de ocupação mais alta do país. Mas uma hora a turbulência surgiu. Diz André Castellini, sócio da consultoria Bain & Company: “Não foi surpresa a recuperação judicial, mas sim o tempo que ela demorou para chegar”.

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Publicado em VEJA de 1º de maio de 2019, edição nº 2632

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