Corte dos juros pelo Congresso ameaça o cheque especial, reclamam bancos
Batalha se aproxima com o compromisso de Davi Alcolumbre para votar em agosto a limitação de cobrança sobre crédito automático e cartão de crédito
Os bancos não estão nem um pouco felizes com o projeto do senador Alvaro Dias (Podemos/PR) que impõe um limite de 30% ao ano para os juros do cheque especial e do cartão de crédito no período da pandemia. Afinal, o Congresso quer mexer em dois dos produtos mais rentáveis dos bancos. E os banqueiros já começam a dizer que fatalmente terão que reduzir os limites dos clientes se o projeto for aprovado. Eles, os banqueiros e as varejistas, têm um argumento extra para se mobilizarem: se deixam passar agora, a chance de o tabelamento ir para além da pandemia é muito grande. E também se dizem temerosos com aqueles que tabelam o cheque especial estarem a um passo de tabelar outros produtos. “Há elevado risco de tornar o produto inviável ou, pior, ser acessível só para os ricos, deixando milhares de pessoas à margem do sistema financeiro”, disse o presidente da Febraban, Isaac Sidney.
No jogo do Congresso, os banqueiros e as grandes varejistas, que operam cartões de crédito e também alavancam suas receitas, conseguiram segurar a votação no Senado até agora. Mas nesta semana, o senador Alvaro Dias conta que os líderes chegaram a um consenso e arrancaram um compromisso do presidente Davi Alcolumbre para que o projeto entre na pauta da primeira semana de agosto. Se for de fato à votação, a chance de ser aprovado por maioria esmagadora é grande. Segundo o senador por um motivo bem simples: quem votará contra reduzir os juros exorbitantes do cartão e do cheque especial para dar alívio financeiro às pessoas nesta pandemia? “As pessoas estão usando o cheque especial ou o limite do cartão para comprar comida”, disse o senador.
Estes dois produtos são considerados uma espécie de símbolo da usura dos bancos. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, por exemplo, resumiu nesta semana o que pensa sobre o cheque especial: “Eu já disse aos bancos, é um absurdo. É uma extorsão. Tem que acabar com esse produto e criar um outro produto.”Apesar de juntos representarem apenas cerca de 5% do total do crédito no país, os dois produtos representaram 20% da margem líquida dos ganhos com crédito para pessoa física em 2019, segundo o relatório de economia bancária do Banco Central. No relatório de 2018, o BC informava que só o cheque especial, apesar de naquele ano representar apenas 1% do total da carteira de crédito do sistema bancário, foi responsável por 10% da margem líquida gerada pela receita com crédito.
Quem já entrou na ciranda das dívidas em cartão e no cheque especial sabe como é caro. A pessoa tem aquela sensação de que nunca vai se recuperar. Na média, os juros do cartão de crédito estão em torno de 300% ao ano. O cheque especial está em torno de 130% ao ano, e mesmo assim porque o governo limitou os juros no ano passado a 8% ao mês dando como contrapartida a autorização para a cobrança de tarifas. Ao longo dos anos os bancos tentaram amenizar o efeito de usura do cheque especial para aqueles mais endividados. A autorregulação do setor diz que no caso de o cliente ficar inadimplente por até 30 dias consecutivos, com débito superior a 15% do saldo do limite disponível e divida acima de R$ 200, os bancos devem procurar uma alternativa para o cliente, ou seja, oferecer uma linha de crédito mais barata. Uma das justificativas dos bancos para juros tão elevados é a inadimplência alta, o custo de manter limites disponíveis, impostos, custos operacionais. De fato, a inadimplência da pessoa física nestes produtos é muito mais elevada do que a média do crédito no país que fica em torno 3,5%. No cheque especial, salta para 15% e no cartão de crédito mais de 30%. “A proposta que tabela os juros em 30% ao ano não cobre sequer a taxa de inadimplência”, diz o presidente da Febraban. O principal componente do custo do cheque especial é a inadimplência, quase cinco vezes maior do que a inadimplência média dos empréstimos para pessoa física, razão pela qual é inviável estipular que ambas as operações tenham a mesma taxa de juros.”
O senador Álvaro Dias não se sensibiliza e diz que terá fila de gente querendo oferecer cheque especial a 30%. A Caixa hoje, que está com estratégia agressiva de redução de juros do cheque especial, a média cobrada dos clientes é de cerca de 70% ao ano. O projeto de lei no. 1166, no original, queria limitar em apenas 20% ao ano os juros cobrados entre março, quando começou a pandemia, até julho do próximo ano. Mas o relator no Senado, senador Lasier Martins (Podemos/RS), acatou algumas emendas mudando o porcentual para um máximo de 30% nos produtos dos bancos e de 35% para as fintechs e será limitado a dezembro deste ano. Se aprovado no Senado, vai para a Câmara e então uma nova batalha dos bancos começará a ser travada.
Quando chegar à Câmara, a sinalização do presidente da casa é de que os bancos terão mais tempo para atuar neste assunto. Maia disse nesta semana que estes são dois produtos que distorcem o sistema financeiro brasileiro para pior e ele quer que os bancos mudem, mas se diz totalmente contra congelamento ou tabelamento de juros. E garantiu que este não será um assunto a ser discutido durante a pandemia. Outra peça favorável para os bancos neste jogo político é o poder de argumentação do bispo Edir Macedo com a bancada evangélica da Câmara. Macedo já era dono de 49% do banco Renner e no início do mês passou a ter o controle acionário do banco.
Apesar das lamentações dos banqueiros, diferentemente de outros setores da economia, os bancos não estão na lista dos mais prejudicados pelo coronavírus. A agencia Fitch, que analisa instituições financeiras que representam 90% dos ativos no Brasil, diz que nenhuma vai quebrar por conta dos efeitos econômicos da pandemia. Vão ter perdas por conta do aumento da inadimplência, mas serão perdas gerenciáveis ao longo do tempo, segundo o analista Claudio Gallina. Se por um lado as instituições vão sofrer com a inadimplência, por outro, o dinheiro continua entrando nos bancos já que os investidores estão buscando investimentos mais seguros como o CDB. O CDB, que é um título do banco, é considerado um investimento mais seguro já que mesmo que a instituição quebre o Fundo Garantidor de Crédito garante o ressarcimento de até 250 mil reais. Mas pelo seu conhecimento de quem analisa diariamente o negócios dos bancos, Gallina não tem dúvidas de que se vier um limite para juros que afete a rentabilidade do produto, a oferta vai escassear.