Nas semanas que antecedem a divulgação dos números relativos à evolução do PIB um frenesi toma o mercado, com uma enxurrada de previsões de analistas. Às vésperas de o IBGE exibir os números relativos ao primeiro trimestre de 2021 não foi diferente, com uma certa expectativa de que seriam positivos. Entretanto, o que se viu superou até mesmo os vaticínios mais otimistas. A economia brasileira cresceu 1,2% em comparação com o fim de 2020, avançando além das previsões de crescimento pouco abaixo de 1%, antecipado pela maioria do analistas. As boas notícias do PIB não só trouxeram números mais vistosos. Elas mostraram que o país tem tirado um excelente proveito do cenário externo favorável, com consumo em alta na China e nos Estados Unidos, o que tem impulsionado as exportações.
Apesar da tragédia sanitária que o país ainda enfrenta, a pandemia mudou o comportamento dos brasileiros, que pouparam recursos nos meses de isolamento social do ano passado e posteriormente sustentaram o consumo nos primeiros meses de 2021. Essa era uma das expectativas da equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, que acabou se realizando. Mas talvez a melhor notícia dos dados do IBGE seja uma alta de 3,6% no investimento em relação ao fim de 2020. Dados como esse fazem com que analistas e instituições respeitadas, como os bancos americanos Goldman Sachs e Bank of America, antevejam agora um crescimento acima de 5% para a economia, tornando defasada a última estimativa de expansão feita pelo Ministério da Economia, de 3,5%.
Os novos indicadores revelam a capacidade de reação da economia, mesmo com menores estímulos financeiros concedidos pelo governo. Em parte, isso é creditado a um aumento da produtividade das empresas, que aprenderam a conviver com as restrições da pandemia. A perspectiva de vacinação da população adulta nos próximos meses, ainda que com atraso e a um ritmo decepcionante ante os estragos provocados pelo coronavírus, também ajuda. “O grau de incerteza em maio de 2021 é infinitamente inferior ao de maio de 2020, quando ninguém sabia o que iria acontecer, como a economia iria reagir e se haveria vacinas eficazes”, explica Gesner Oliveira, sócio da consultoria GO Associados e ex-presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
O bom desempenho e o tom de esperança no ar, no entanto, ainda não são garantia de pronta recuperação. Ao lado dos números alvissareiros, como a elevação no Índice de Confiança Empresarial, da Fundação Getulio Vargas, para a melhor pontuação desde março de 2014 e o recorde no Ibovespa na última semana, há outros preocupantes. O mais alarmante é o recorde histórico de 14,8 milhões de desempregados, registrado ao fim do primeiro trimestre. Também é preciso notar que até mesmo o surpreendente crescimento do primeiro trimestre precisa ser visto com cuidado, uma vez que houve um grande aumento dos estoques, indicando que as empresas buscaram tirar o atraso de produção em relação ao segundo semestre de 2020 (veja o texto assinado por Maílson da Nóbrega na pág. 51). Alguns economistas acreditam que esse indicador possa ter elevado de forma um tanto artificial o desempenho econômico, o que pode implicar uma redução nos cálculos para os próximos meses.
Como parte do longo e acidentado percurso a ser enfrentado, há outras dificuldades. A mais sombria é a perspectiva de um estrangulamento no fornecimento de energia, citado nos últimos dias como uma das maiores ameaças ao crescimento do país por representantes do Ministério da Economia, do Banco Central e do Tesouro. Os níveis de chuvas nos reservatórios do sistema de geração hidrelétrica do Sudeste e Centro-Oeste, o mais importante do país, têm sido os menores em 91 anos. Atualmente, as represas que abastecem as usinas das duas regiões, entre elas a de Furnas, estão com apenas 32% da capacidade, índice perigosamente próximo do registrado em 2001, quando um apagão deixou metade do país no escuro e levou a meses de racionamento. É um número alarmante quando se leva em conta que estamos apenas no começo da estação de seca, que vai de meados de abril a novembro.
A preocupação da equipe econômica com o risco de falta de energia é justificada. Em 2001, o então coordenador do comitê de gestão de crise de energia, Pedro Parente, foi obrigado a adotar medidas impopulares como forçar os consumidores a reduzir em 20% o consumo de eletricidade, sob pena de aumento das tarifas. O Tribunal de Contas da União calcula que o prejuízo causado pela crise naquele ano foi de 54,2 bilhões de reais. Mas o preço mais alto foi pago nas urnas. Não é exagerado dizer que a crise energética, que prejudicou a recuperação do Brasil depois da crise das moedas dos países emergentes no fim dos anos 1990, foi determinante para que o então presidente Fernando Henrique Cardoso não emplacasse um sucessor na eleição presidencial de 2002, derretendo a popularidade que havia conquistado pela estabilização da economia e pelo controle da inflação por causa do Plano Real. É um risco que Jair Bolsonaro não gostaria de correr na disputa pela reeleição.
A favor do governo há o fato de que o país hoje é menos dependente da energia gerada por hidrelétricas, com um grande avanço de fontes alternativas, entre elas a eólica. Assim, poucos analistas acreditam que haverá racionamentos severos como o ocorrido há vinte anos — desde que a falta de chuvas não se estenda além de 2021. A utilização das fontes alternativas como a segunda mais comum, que vem das usinas térmicas, encarece o custo de geração de energia e o impacto na inflação já é uma realidade no país, como previu uma reportagem de VEJA no começo do ano. Até maio de 2021, foram despendidos 5,5 bilhões de reais para custear o funcionamento de térmicas — mais que todo o ano passado, quando totalizaram 4,3 bilhões de reais. Essa é uma conta que será paga por todos os consumidores. E mais inflação significa basicamente perda de poder de compra da população e a necessidade de o BC subir juros, prejudicando os investimentos produtivos.
Para mitigar o risco, o governo tem anunciado medidas como a contratação de usinas térmicas que hoje não estão conectadas ao sistema, algo que não trará efeito imediato, e a autorização para que as hidrelétricas reduzam o volume mínimo de água liberado de seus reservatórios. Atualmente as usinas são obrigadas a liberar quantidades preestabelecidas de água para garantir atividades além de suas barragens, como transporte hidroviário e irrigação de lavouras. Mas há outras iniciativas que ainda podem ser tomadas, entre elas o estímulo a empresas para organização de seus turnos como forma de evitar os picos de energia, que podem causar blecautes. “A grande preocupação é não conseguir atender à demanda em algumas horas do dia”, diz Victor Hugo Iocca, gerente de energia elétrica da Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace). “O maior risco é não haver capacidade de entregar essa energia simultaneamente em algumas regiões, o que pode provocar o desligamento”, explica. Sem chuvas no horizonte, apenas o planejamento criterioso pode evitar que o fantasma do apagão atrapalhe o trajeto do país rumo ao crescimento.
Publicado em VEJA de 9 de junho de 2021, edição nº 2741