Crise política ameaça ritmo de corte de juros e recuperação
Especialistas consultados por VEJA dizem que principal dúvida é de como será a condução das reformas
O impacto da crise política ainda não foi totalmente contabilizado pelos economistas. Sua extensão depende do tempo e da forma como esse episódio, nascido da divulgação do áudio com o presidente Michel Temer, será resolvido. Por ora, os especialistas consultados por VEJA já vêem efeito direto na confiança e nos juros, e estimam demora na recuperação da atividade econômica e do emprego, e atraso nas reformas econômicas.
O mercado financeiro reagiu de imediato ao aumento da tensão um dia após a notícia das gravações. Além da queda no Ibovespa – que fez a bolsa interromper seus negócios pela primeira vez desde a crise mundial de 2008 – e da maior alta diária do dólar em 18 anos, houve impactos momentâneos também nos indicadores relacionados à segurança dos investimentos no país.
O risco Brasil medido pelo banco J.P. Morgan (Embi+), em queda desde o fim do ano passado, deu um salto de mais de 16% entre os dias 17 e 18, atingindo o nível mais alto desde janeiro. Os índices de Credit Default Swap (CDS), um título que é uma espécie de seguro para investidores estrangeiros e que varia de acordo com o país, também deu um salto de 68 pontos no dia.
“A palavra do momento é incerteza”, diz Marcel Balassiano, pesquisador do Ibre/FGV. Das três maiores agências de rating, duas delas – Standard & Poor’s e Moody’s – colocaram o país em perspectiva negativa nos últimos dias citando a turbulência política, e a Fitch, que já havia colocado o país nessa classificação, manteve-a.
Juros e atividade
Os economistas não acreditam que a crise política tenha contaminado a economia a ponto de alterar a perspectiva da Selic, hoje em 11,25%, de chegar ao fim do ano próxima de um dígito. A avaliação é de que não houve um fator econômico de impacto significativo, mas a tensão deve influenciar a próxima reunião do Copom, prevista para os dias 30 e 31 de maio.
O Banco Central começou a reduzir os juros em agosto do ano passado em 0,25 ponto porcentual. Depois, com a inflação em queda e a atividade fraca, passou a 0,75 p.p, chegou a 1 p.p. na última reunião, e já havia apostas de que o próximo corte passaria a 1,25 p.p. “Talvez, essa crise faça com que o Copom reduza o ritmo dos cortes”, diz o economista Gustavo Cruz, da corretora XP
A expectativa é de que com os juros futuros maiores, o crédito ficará mais caro, o que deve retardar investimentos. “Pode atrasar a recuperação da economia que estava fraca, mas estava acontecendo”, considera o diretor de macroeconomia do IPEA, José Ronaldo Júnior.
O aumento da incerteza, que depende da duração da crise e da forma como ela será resolvida, tem o potencial de impactar também a confiança dos consumidores, fazendo-os gastar menos. Pesquisa da FGV mostrou alta desse indicador em maio, mas o período de coleta foi insuficiente para refletir o impacto da crise, segundo os pesquisadores.
Essa seria outra má notícia para a recuperação e, por consequência, para a queda do desemprego. Esse componente costuma ser o último indicador a reagir em momentos de recuperação, e está subindo. “Ainda não se sabe quando haverá uma reversão dessa tendência”, diz Otto Nogami, professor do Insper.
Reformas
A leitura de que a crise política ainda não teve força para levar uma revisão drásticas nas contas é que há esperança de manutenção das bases da política econômica. “A turbulência política pode manter os preços dos ativos sob pressão no curto prazo, mas até agora não existe um fator relevante que altere o panorama econômico no médio prazo para o Brasil”, diz relatório de cenário do Santander intitulado “Sobrevivendo” e assinado por cinco analistas da instituição.
A principal dúvida da condução da economia não é se Temer continuará ou não no cargo, mas qual será o desfecho de reformas, como a da Previdência e a trabalhista.
Como as reformas dependem do Congresso, envolvido diretamente no processo, o atraso já é esperado. A pergunta é se com um novo jogo de forças haverá reversão das já aprovadas, como a PEC que limita os gastos federais, ou mudanças significativa na Previdência, que tem forte impacto fiscal. “A medida já está no Congresso. A dúvida é quem vai coordenar esse processo”, diz José Ronaldo Júnior.