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Dá pra cumprir?

Entre propostas de Bolsonaro e Haddad para a economia, há projetos inconstitucionais, planos impossíveis e ideias que teriam efeito inverso do que se espera

Por Bianca Alvarenga Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 16h50 - Publicado em 12 out 2018, 07h00

O fim do primeiro turno e a retomada das campanhas marcaram certa moderação no discurso dos dois candidatos a presidente do Brasil. Tanto Jair Bolsonaro quanto Fernando Haddad baixaram o tom em seus pronunciamentos e relativizaram promessas feitas na primeira etapa da campanha. Os dois programas de governo protocolados no Tribunal Superior Eleitoral são vagos, e nenhum dos candidatos se constrange em contradizer os documentos em discursos e entrevistas. Para esmiuçar o que desejam realizar os presidenciáveis, VEJA convidou economistas e especialistas em políticas públicas para analisar seus projetos no campo da economia e apontar quais deles são bem-vindos para a melhoria da vida do brasileiro — e quais são potencialmente vazios ou até perigosos (veja o quadro abaixo).

Conforme o próprio Bolsonaro gosta de alardear, seu pacote econômico tem a assinatura do economista ultraliberal Paulo Guedes. Seus compromissos com a redução do déficit fiscal e da própria dívida pública são positivos, e explicam a euforia do mercado nas últimas semanas diante das chances crescentes de o candidato de direita receber a faixa presidencial. Mas as metas que ele estabeleceu são consideradas irrealizáveis.

A promessa de acabar com o déficit fiscal já em 2019, com estimativa oficial de 139 bilhões de reais, não é factível. “Zerar o déficit dependeria do aumento da receita, causado pela recuperação mais rápida da economia e pela diminuição das desonerações. Mas é provável que o forte crescimento econômico só venha no final do mandato”, analisa Sergio Vale, economista-­chefe da consultoria MB Associados.

A principal causa para o déficit nas contas públicas está, na verdade, no gasto que, pela Constituição, o governo é obrigado a cumprir. O aumento no volume de aposentadorias e o dispêndio crescente com saúde e educação ocuparão 94% das despesas do ano que vem. Mesmo que os 6% restantes fossem cortados integralmente, a poupança seria de apenas 90 bilhões.

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Fernando Haddad vai na direção oposta e propõe revogar o teto dos gastos, lei que colocou um freio no crescimento desordenado das despesas federais. O efeito é ainda mais desastroso. Trata-se de remover a única âncora de controle fiscal no médio prazo. Isso aumentaria substancialmente a desconfiança em relação à sustentabilidade das contas públicas e, com ela, o Risco Brasil — que, por sua vez, pressionaria os juros da dívida, reprimindo a atividade econômica. É, em síntese, uma péssima ideia.

Evidentemente, as receitas extraordinárias, vindas da venda de ativos do governo, podem ser um reforço ao caixa, mas não resolverão o problema. No programa de Bolsonaro estão previstas a privatização de estatais e a venda de imóveis e outras propriedades da União. Todo o dinheiro arrecadado com essas transações seria usado para abater o estoque da dívida pública e reduzi-lo em 20%, o equivalente a algo em torno de 700 bilhões de reais. Será quase impossível arrecadar tal dinheirama com a venda das estatais por uma série de motivos, mas um só basta para inviabilizar o plano: o próprio candidato já deixou claro repetidas vezes que não vai privatizar a Petrobras nem a Eletrobras, tampouco a Caixa e o Banco do Brasil. E essas são as joias da coroa, com chance de render mais recursos. “Além disso, é necessário todo um ritual antes da privatização: estudar a situação das estatais e seu valor potencial”, diz Paulo Levy, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Muitas delas, a começar pela Eletrobras, têm dívidas significativas.

Se a ideia de Bolsonaro é apostar na iniciativa privada, Haddad, aconselhado pelo economista heterodoxo Marcio Pochmann, quer fazer o oposto: colocar o Estado como motor central da economia e manter as estatais sob próxima influência do governo. Soa como uma reedição das medidas tomadas pelo governo de Dilma Rousseff, raiz da atual penúria. Uma das principais propostas é criar um fundo, com recursos vindos do Tesouro, para financiar as obras que estão paradas. “Parece que os anos de decisões equivocadas não deixaram nenhuma lição. O problema da infraestrutura não é a falta de demanda e de recursos, e sim a regulação, que torna os custos dos projetos muito maiores”, analisa Marcos Lisboa, presidente do Insper. Ele critica, ainda, a intenção do programa de Haddad de mudar a política de preços da Petrobras, outra medida que relembra os tempos de Dilma. A ideia é determinar a venda de combustível quase a preço de custo — um modelo parecido com o que o governo venezuelano impôs à estatal PDVSA.

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PONTO DE CONTATO – Previdência: os planos de Haddad e Bolsonaro podem aumentar o rombo nas contas (Gustavo Roth/Folhapress)

Ponto fundamental de ajuste, a reforma da Previdência é descartada no programa de Haddad — o texto garante que a recuperação da economia e a criação de empregos serão suficientes para cobrir o déficit previdenciário. Mas a urgência da mudança no sistema de pensões não vem da queda de arrecadação, consequência do desemprego, e sim da questão demográfica: há cada vez menos jovens e mais idosos no Brasil. A solução do petista é uma demonstração de desconhecimento, ou um despiste. Já Bolsonaro prevê criar um sistema paralelo de aposentadorias, baseado no modelo de capitalização (em que cada trabalhador contribui, ao longo da vida, para um fundo próprio). “A ideia é boa, mas perdemos a janela de oportunidade para fazê-la”, analisa Lisboa, do Insper. Na medida em que mais pessoas optarem pelo modelo de capitalização, o sistema de repartição terá menos contribuintes, e será necessário que o governo crie um fundo para custear os benefícios dos atuais e futuros aposentados. O rombo, ao invés de diminuir, aumentaria.

Entre tantas diferenças, os programas dos presidenciáveis mostram alguns pontos em comum. Ambos preveem a unificação de impostos estaduais e municipais em um só tributo. A proposta exigiria muita negociação com governadores e prefeitos que perderiam arrecadação com o novo modelo, mas seria positivo, sob o aspecto da simplificação tributária. Os dois falam em aumentar a isenção do imposto de renda para quem ganha até cinco salários mínimos — Haddad em seu programa oficial, Bolsonaro só em entrevistas. Mas o deputado promete criar uma alíquota única, de 20%. Haddad quer tributar mais pesadamente os mais ricos, sem especificar quanto pretende cobrar. No mundo dos negócios, Bolsonaro quer reduzir o imposto de renda de empresas e taxar dividendos, em linha com o que o mundo todo tem feito. O petista concorda em tributar dividendos, mas sem a redução no IR de pessoas jurídicas. “Seria o uso do aumento de imposto para ajustar o déficit fiscal”, critica Vale, da MB Associados. A solução dos problemas do Brasil não é simples, e a tentação das promessas populistas cresce na reta final das campanhas. Mas, independentemente de quem vença, espera-se que o próximo ocupante do Palácio do Planalto seja responsável e acerte na economia.

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Publicado em VEJA de 17 de outubro de 2018, edição nº 2604

 

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