De capital do carvão a polo digital: a virada de Criciúma
A cidade catarinense acelera uma transformação tecnológica que já a coloca entre as cidades mais inovadoras e conectadas do Brasil
Durante décadas, Criciúma foi sinônimo de carvão, uma cidade moldada pela mineração que impulsionou o sul catarinense e definiu a economia local ao longo do século XX. Nos últimos anos, porém, o município passou a contar outra história. A antiga capital do carvão ergueu uma infraestrutura de futuro: redes de fibra ótica avançaram, antenas se multiplicaram, políticas de inovação foram criadas e a cidade começou a desenhar um plano consistente de transformação digital. Agora, prepara a apresentação na B3, a bolsa de valores de São Paulo, de uma das maiores parcerias público-privadas de Cidade Inteligente do país, um projeto que deve inaugurar um novo ciclo de tecnologia aplicada aos serviços urbanos.
É nesse contexto que Criciúma venceu, entre as cidades de grande porte, o pilar Indicadores Digitais do ranking elaborado pela Austin Rating. O prêmio não reconhece soluções vistosas, mas a capacidade real de garantir conectividade: aquela que permite que uma aula avance, que um diagnóstico seja lido a tempo, que a administração responda ao cidadão antes que um problema se agrave. Com 214 000 habitantes, Criciúma destaca-se pela notável evolução nos últimos anos. Além do retrato atual, exibe uma trajetória ascendente pouco comum entre municípios de porte semelhante. Trata-se de uma construção iniciada há cerca de uma década, quando a administração local decidiu reorganizar prioridades. “Foi realizado um processo profundo de reestruturação, com foco em educação, inclusão e inovação”, afirma o prefeito Vagner Espindola (PSD).
Foi nesse embalo que vieram os marcos legais que transformaram o município. A Lei Complementar nº 467, de 2022, acelerou a instalação de antenas e colocou Criciúma entre as primeiras cidades a regular a 5G, a quinta geração de celulares. O Plano Diretor passou a exigir infraestrutura para antenas em novos edifícios, enquanto a Lei do Retrofit permitiu adaptar prédios antigos. “É uma política simples, mas que destrava um dos gargalos nacionais”, diz Espindola. Outro ponto de virada foi a Lei de Inovação, que passou a destinar 200 000 reais por ano para startups com soluções aplicáveis à gestão pública. Dela nasceram sistemas de inteligência de negócios e aplicações de IA usadas pela prefeitura. “Temos um painel com nossos indicadores. Acompanhamos tudo diariamente”, afirma o prefeito.
A base regulatória foi reforçada por infraestrutura física. A cidade conta com 150 quilômetros de fibra ótica e 156 prédios públicos conectados em alta velocidade, uma rede incomum para um município do porte de Criciúma. No cotidiano, o exemplo mais concreto vem da saúde. Crianças de 2 a 14 anos com diabetes tipo 1, antes submetidas a até dez perfurações diárias para medir a glicemia, passaram a usar sensores contínuos, aplicados como adesivos. Os dados são enviados automaticamente, eliminando as picadas. É uma solução simples, mas transformadora no dia a dia.
Agora, a cidade avança para seu projeto mais ousado, a PPP de Cidade Inteligente, que será apresentada a investidores em 2026. Entre outros avanços, a iluminação pública migrará para LED, câmeras de precisão prometem agilizar investigações, sistemas integrados podem reduzir congestionamentos e uma usina fotovoltaica de 5 megawatts deve gerar energia limpa para parte da frota municipal. Para uma cidade associada ao carvão, a nova identidade representa mais que modernização — simboliza a capacidade de reescrever o próprio destino.
Publicado em VEJA, novembro de 2025, edição VEJA Negócios nº 20







