Depois de uma semana de “ambiente controlado” no mercado financeiro, o dólar voltou a disparar. A moeda americana avançou 0,66% na terça-feira 18, encerrando o pregão cotada a 4,3580 reais, um novo recorde nominal para o fechamento. Analistas consultados por VEJA não esperam uma normalização cambial a curto prazo. Prova disso é que, nesta quarta-feira, 19, o dólar comercial já escalou novamente. Na máxima do dia, até as 14h40, a cotação da moeda americana atingia 4,3756 reais.
Um dos fatores que explica a alta do dólar em relação ao real é o impacto que a epidemia do novo coronavírus (batizado de Covid-19) tem causado na produção da indústria e no consumo mundo afora. Na última segunda-feira 17, a gigante multinacional americana Apple, que tem a maior parte de sua produção de celulares e dispositivos tecnológicos instalada na China, reportou ao mercado que não conseguirá cumprir com sua meta de faturamento para o trimestre de janeiro a março de 2020.
A informação caiu como uma bomba nas bolsas de valores pelo mundo. Só a Apple, em um dia, perdeu 26 bilhões de dólares em valor de mercado, uma queda de 1,83% – a empresa criada por Steve Jobs (1955-2011) terminou o dia valendo 1,39 trilhão de dólares. Com fábricas e lojas temporariamente paralisadas no país asiático – muitas já voltaram a funcionar, mas ainda não retomaram plenamente o ritmo –, a companhia projeta uma escassez temporária de insumos para a produção do iPhone. Isso pode significar, inclusive, o encarecimento no valor dos produtos da empresa disponíveis no mercado.
A paralisação da economia chinesa também já impacta o Brasil. As fabricantes de eletrônicos LG, com planta em Taubaté (SP), e Flextronics, empresa de Jaguariúna (SP) que produz os celulares da Motorola, já anunciaram a suspensão temporária das atividades devido à falta de componentes que deveriam vir da China. De acordo com números da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), a China é a principal origem das importações de componentes do Brasil. Uma sondagem da associação apontou que 52% do setor no país já enfrenta problemas no recebimento de material vindo da China, o que afeta a produção e a economia do país.
“A China é o principal mercado para a produção das principais empresas. Não é o caso somente da Apple. Podemos esperar mais balanços negativos”, diz Mauriciano Cavalcante, diretor da corretora Ourominas. “Por outro lado, a recuperação da economia interna anda devagar. Os indicadores divulgados no começo do ano não animaram tanto o mercado. Se o Banco Central não agir logo, o dólar deve passar de 4,40 reais”, completa.
Em busca de conter os ânimos dos investidores, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse que a autoridade monetária está tranquila em relação à variação do dólar, e que essa movimentação não é reflexo de uma piora na percepção de risco na economia brasileira. Para ele, a flutuação também faz parte de um movimento de endividamento do empresariado, que estaria aproveitando os juros baixos para tomar dinheiro emprestado no país para pagar dívidas externas.
“A moeda só vai se recuperar de forma mais consistente quando a economia der sinais de recuperação no Brasil, com o avanço da agenda de privatização e a retomada do capital estrangeiro. Enquanto isso não acontece, o Banco Central tem de entrar com leilões para tentar conter essa situação”, diz Pedro Galdi, analista de investimento da Mirae Asset.
Em novembro, VEJA vaticinou o novo cenário e explicou as intenções do governo ao manter o dólar valorizado. O plano de Guedes é manter o dólar mais caro e a Selic mais baixa por um período longo. Isso vai estimular investimentos em infraestrutura e dar fôlego às indústrias exportadoras. Com esse arranjo, o governo pretende que os especuladores internacionais que hoje operam no mercado deem lugar a investidores interessados em aplicar recursos em infraestrutura, produção de bens e no setor de serviços.