Tratado como o “Natal” do primeiro semestre para o comércio varejista, a celebração do Dia das Mães — religiosamente comemorado no segundo domingo de maio — virou motivo de discórdia em 2020. Diante das medidas restritivas impostas por diversos estados do país, com o intuito de conter o avanço da disseminação do novo coronavírus (Covid-19), lojistas e shopping centers se veem num cenário desafiador, com portas fechadas e receitas comprometidas. Pressionado pela reabertura do comércio, o governador de São Paulo, João Doria, disse em reunião virtual do Comitê Empresarial Econômico — a qual reuniu 328 empresários — que, neste momento, não é possível afrouxar as medidas restritivas. Sugeriu, no entanto, uma alternativa insólita para mitigar o declínio nas vendas da data comemorativa: realizar o Dia das Mães em julho. A saída proposta é apoiada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, a CNC, mas foi rechaçada por diversas entidades do setor.
Para Fabio Bentes, economista da CNC, não há clima para se celebrar o Dia das Mães em maio. Um levantamento realizado pela entidade aponta uma perda estarrecedora de 86 bilhões de reais do comércio varejista entre os dias 15 de março e 18 de abril. O valor equivale a um declínio de 39% no faturamento do mercado em relação ao período pré-pandemia. Segundo a Fundação Getulio Vargas, a FGV, o índice de confiança do consumidor retraiu 22 pontos em abril, na comparação com março deste ano, caindo para 58,2 pontos. É o menor patamar em 15 anos, quando a instituição iniciou a série histórica. “A confiança dos consumidores chegou ao piso histórico muito rápido”, diz Bentes. “Há uma queda sem precedentes no varejo. Hoje, não há clima para qualquer consumo além do essencial. Adiar o Dia das Mães para julho, por exemplo, poderia fazer com que o comércio tivesse um resultado menos negativo.”
Um dos fatores que demonstram o clima de incerteza é o aumento da inadimplência, já registrado por algumas entidades financeiras. A Boa Vista ouviu recentemente 600 brasileiros e identificou que 52% deles afirmam não terem condições de pagar suas contas integralmente nos próximos meses. Segundo o levantamento, divulgado nesta quarta-feira, 29, 80% dos entrevistados já fizeram revisão no orçamento familiar. “Há uma apreensão muito grande em relação ao mercado de trabalho. As pessoas não querem assumir um endividamento neste momento. E é bom lembrar sempre que o brasileiro consome muito parcelado. Se ele percebe que há uma ameaça ao emprego, ele segura esse consumo”, afirma Bentes, que estima uma perda entre 30% e 35% para o comércio varejista na data. “No início do ano, nós projetávamos um crescimento entre 5% e 10% para as vendas do Dia das Mães”. A CNC calcula ainda que o comércio varejista costuma gerar cerca de 20.000 vagas de empregos formais a cada ano para o Dia das Mães, algo que não acontecerá em 2020 devido às medidas restritivas que estrangularam o varejo.
ASSINE VEJA
Clique e AssineUm dos mercados que mais deve sofrer com as portas fechadas na semana do Dia das Mães é o comércio de vestuário. Segundo Fernando Pimentel, presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção, a Abit, as vendas da data representam mais de 10% do faturamento desse mercado ao ano, pouco menos do que os números que são registrados no período do último bimestre, que compreende a Black Friday e o Natal. “Surgiu essa discussão em termos de uma data alusiva ao Dia das Mães no mês de julho, onde a situação, imagina-se, seria melhor para o funcionamento do comércio e a circulação das pessoas. Mas o Dia das Mães é uma data consolidada no calendário nacional, que dificilmente deixará de ser celebrada em maio”, diz. Hoje, a produção têxtil está “semiparalisada”, segundo Pimentel. “Só está funcionando a produção de itens voltados ao mercado hospitalar [máscaras de tecido, por exemplo]. O que será vendido no varejo em maio é o que já estava nos estoques”, conclui. A Associação Brasileira do Varejo Têxtil (Abvtex), por sua vez, também declara-se contra a alteração da data. “Os varejistas já estão com as suas campanhas em curso. Várias regiões estão com o comércio aberto”, diz Edmundo Lima, diretor executivo da entidade. “Entendemos que também é necessário criar outros eventos comerciais até o final do ano para promover uma retomada do consumo e fortalecer o mercado”, afirma. Ressalta-se que os estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, onde as medidas restritivas são mais severas (e onde há mais casos do vírus no país), são responsáveis por 26% da receita do mercado têxtil brasileiro.
A Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomercio-SP), o braço regional da CNC, também se diz contra a troca de data, em oposição à própria Confederação. Na visão da entidade, a alternativa seria “inútil” para recuperar o potencial de perda já estimado. “O resultado dessa eventual transferência de data será inócuo em termos de vendas para o varejo”, diz Altamiro Carvalho, assessor econômico da Fecomercio-SP. “Mesmo se adiado, o Dia das Mães vai encontrar uma população extremamente combalida em termos financeiros”. A entidade calcula que os cinco principais segmentos do varejo (farmácias, eletrodomésticos, móveis e decoração, supermercados e vestuário) do estado paulista registrarão uma perda de 3,7 bilhões de reais nos dez dias que antecedem a data comemorativa este ano — a queda será de 31% em relação ao ano anterior. Para o mês de maio inteiro, a Fecomercio-SP estima uma retração de 19,4 bilhões de reais em relação a igual período de 2019. “Esses são dados em que nós projetamos um cenário mais otimista, levando em consideração as vendas por e-commerce, delivery e o modo de cupons, que está sendo bastante utilizado por conta da pandemia”, afirma Carvalho. Outras entidades, como a Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo (Facesp); a Associação Comercial de São Paulo (ACSP) e a Associação de Lojistas de Shoppings (Alshop) também defendem a manutenção da data, mas exigem a flexibilização da abertura do comércio antes do Dia das Mães, que será celebrado em 10 de maio. O governo de São Paulo estuda uma retomada gradual do comércio varejista somente a partir do dia 11 de maio.