Especialistas temem que reforma do IR reduza arrecadação do governo
Governo diz que tributação dos super-ricos será suficiente para cobrir isenção aos demais, mas cálculo não é claro e pode ser desidratado no Congresso

Uma dos temores de economistas, tributaristas e outros especialistas em relação ao projeto de isenção do Imposto de Renda do presidente Luiz Inácio Lula da Silva é de que, entre os descontos e as ampliações de tributação previstos, a conta acabe ficando no vermelho para o governo. Isto é: a renúncia pode acabar maior do que as compensações planejadas, e, ao fim, o projeto apenas pioraria a já delicada situação fiscal do governo federal, que está há anos com as contas no negativo.
Anunciada nesta semana, a “microrreforma do IR” apresentada por Lula isenta ou reduz o IR cobrado de todos que ganham até 7.000 reais, enquanto aumenta a mordida a ser descontada dos ganhos do 0,6% mais rico da população – aqueles que têm renda mensal de 50.000 reais para mais. Esta ponta do topo paga hoje, em média, 2,6% de imposto sobre tudo o que ganha, enquanto aqueles que recebem até os 7.000 chegam a pagar 10%. Isto acontece porque, no extrato dos super-ricos, 80% da renda vem de dividendos e outras fontes de renda isentas de impostoenquanto, no restante, o grosso vêm dos salários, que são descontados na fonte e pagam de 7,5% a 27,5% de impostos de renda. Os dados são da Receita Federal e foram apresentados pelo Ministério da Fazendo junto ao projeto do IR.
As contas do governo são que a redução do imposto para aqueles da base, que aliviará a cobrança do Leão para mais de 10 milhões de pessoas, custará uma perda de cerca de 26 bilhões de reais em arrecadação ao ano. Do outro lado, aumentar a taxação do 0,6% que está no topo, um grupo de 140 mil pessoas, deve levantar 34 bilhões de reais. Ou seja, mais do que o suficiente para pagar a conta dos demais.
Especialistas, entretanto, ainda duvidam dessa conta: seja porque ela não foi bem explicada, seja porque pode estar otimista demais, seja, simplesmente, porque o Congresso não deve aprová-la como está. “A conta do governo de quanto irá ganhar com a tributação adicional está superestimada e é muito pouco transparente”, diz o presidente-executivo do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação, João Eloi Olenike.
O economista Murilo Viana, especializado em contas pública, destaca os riscos dos desdobramentos das medidas a partir do momento em que começarem a tramitar no Congresso, onde podem repetir novelas já vistas muitas vezes de desidratação ou de listas inacabáveis de exceções. “É uma proposta difícil de os parlamentares votarem contra. O risco está em os parlamentares tentarem aumentar a base de isenção ou de abrir o leque das possibilidades para fugir da tributação maior”, diz ele. “Não tenho a menor dúvida de que, nos próximos dias, diversas associações vão se movimentar para criar excepcionalizações, deduções e, com isso, reduzir o potencial de arrecadação.”
Os profissionais liberais de alta renda, por exemplo, que ganhem mais do que os 50.000 reais do recorte criado, estão entre os que devem sentir diferença no bolso caso o projeto seja aprovado. É um grupo em que entram médicos, advogados ou engenheiros, que prestam serviços por meio de empresas de consultoria de pequeno e médio porte inscritas no Simples ou no regime de lucro presumido e que, com isso, acabam pagando menos imposto do que assalariados com a mesma renda ou até menor pagam hoje. Foi este mesmo grupo que, na reforma tributária do consumo, regulamentada e aprovada no ano passado, conseguiu o direito de entrar nas exceções que pagarão uma alíquota menor do imposto único criado.
Viana lembra que, pela Lei de Responsabilidade Fiscal, é crime que tanto o Executivo quanto o Legislativo apresentem um aumento de despesa ou uma renúncia fiscal permanente sem que seja apresentada a contrapartida que irá gerar novas receitas para cobrirem o buraco. “Mas isso, historicamente, é ignorado no Brasil, e em especial no Legislativo, que não sofre as mesmas cobranças que o Tribunal de Contas faz sobre o Executivo e não está acostumado a ser responsabilidade por descumprir essa regra”, diz o economista.