Quando o Banco Central anunciou em coletiva de imprensa no final da tarde desta terça-feira, 03, que 1.570 operações tinham sido feitas no primeiro dia da fase de testes do PIX, eu pensei: “jura? Só isso? Mas até eu recebi um PIX.” Então caiu a ficha. “Uau, eu recebi um PIX”. E comecei a me sentir importante. Afinal, lá estava eu no primeiro dia de testes do que promete ser um sistema revolucionário de pagamentos instantâneos. E também tem o fato de que já são 25 milhões de pessoas com chaves cadastradas aptas a receber um PIX. E eu fui uma das primeiras. Desculpem, 25 milhões de pessoas que ainda não receberam um PIX! Mas eu recebi! Só precisei informar o número do meu telefone e, a partir do momento em que a pessoa clicou no enviar de seu aplicativo, em apenas 6 segundos, o dinheiro já estava na minha conta. Falei com entusiasmo ao meu chefe e a primeira pergunta dele foi: e como é fazer um PIX? Ops? OK, 25 milhões de pessoas! Eu não sou tão especial assim. Nenhum dos dois bancos em que cadastrei minhas chaves PIX quis me incluir na lista VIP dos clientes que poderiam começar a fazer transferências. Eles também não correriam o risco de botar jornalista fazendo teste de sistema de pagamento, não é mesmo? E se algo dá errado?
Os diretores do Banco Central garantem que nada deu muito errado, ou que eles já não esperavam, no primeiro dia da fase restrita. Ou “soft opening”, como algumas fintechs estão chamando esta fase que vai até o dia 15 de novembro. Os diretores do BC reportaram algumas instabilidades no início da manhã. Disseram que era normal. OK, é uma fase de testes justamente para ver se está tudo funcionado. Informaram que algumas instituições não operaram o PIX. Disseram que é normal já que os clientes é que tomam a decisão de fazer ou não transferência. OK, mas o dono do banco não quis testar? OK, o dono do banco tem mais o que fazer. Mas e o responsável pelo sistema não quis ver como era? Antes de ser pego na pergunta de quantas das 762 instituições que estão cadastradas nesta primeira fase do PIX que tinham efetivamente feito uma operação, o diretor Angelo Duarte já se antecipou e disse que o BC está pensando na segurança, agindo com parcimônia, que afinal o regulador sabe que as instituições estão fazendo ajustes. Não respondeu quantas não fizeram nenhuma operação neste primeiro dia. “Os sistemas tecnológicos são complexos”, explicou um deles em algum momentos. Em outros palavras, suavizaram a decolagem. Todas as instituições participantes deveriam autorizar, já a partir desta terça, que de 1% a 5% de seus clientes pudessem usar o PIX. Os diretores do BC disseram que as instituições estavam mais para a faixa de 1% dos clientes. Dos 25 milhões que já possuem chaves cadastradas, este 1% corresponde a cerca de 250 mil pessoas. Claro que nem todo mundo ficaria curioso de fazer um PIX assim logo no primeiro dia. Mas 1.570, que foi o número das operações registradas, não é nem 1% do 1% dos que já têm chaves.
Perguntei, então, aos entendidos se era um indicador de problemas um número tão pequeno de operações no primeiro dia. O consultor João Bragança, da Roland Berger, que vem estudando e acompanhando esse assunto para seus clientes há algum tempo, não chegou a ficar surpreso e disse que não sabe qual foi a escolha dos bancos, se, por exemplo, escolheram testar com os clientes de alta renda. Das 1.570 operações feitas hoje, a que teve o maior valor foi de R$ 35 mil, mas, na média, foi de 90 reais, o que é justificável já que muitas das transferências foram feitas de maneira simbólica, como teste. Na opinião de Bragança, vai ser um processo progressivo de uso do PIX nos dois primeiros meses, focados em determinados segmentos. E ele aposta que serão os clientes de baixa renda os que mais vão fazer mais uso da ferramenta, para fugir das altas tarifas da TED. No PIX, as pessoas físicas não vão pagar nada.
Ao longo do dia, procurei várias instituições para saber como estavam sendo os testes, quantos clientes tinham sido autorizados. Nenhuma resposta significativa. A Associação Brasileira de Bancos (ABBC), que representa as instituições de médio porte, já no começo da tarde jogou a bola para o campo do BC. Foi uma pena o presidente associação não fazer uma declaração, afinal ele presenciou a mudança do sistema de pagamentos brasileiro, no início dos anos 2000, quando começou a TED.
Das poucas fontes que falaram sobre o assunto, houve um presidente de uma indústria do setor de saúde. Ele disse que nem conseguiu cadastrar as chaves ainda no seu banco, um grande banco, diga-se de passagem, e que recebeu a informação de que é melhor fazer o cadastro só daqui alguns dias porque o sistema está instável. Também perguntei a um banqueiro se ele usou o PIX hoje. Ele me respondeu que nem tem conta corrente, só conta investimento, então não pode fazer PIX. E por fim, o responsável pelo sistema de um banco de médio porte paulista me contou que eles perceberam alguma instabilidade no início da manhã, mas no início da tarde já estava funcionando tudo “incrivelmente”. Foi ele inclusive que me transferiu 1 real para provar que o PIX já era uma realidade. Mas 25 milhões de pessoas que ainda não receberam um PIX não se preocupem que, a partir do dia 16 de novembro, não poderá ter desculpas ou parcimônia. O BC garante que estará tudo funcionando a todo vapor, 24 horas por dia, 7 dias por semana.