EUA e China travam guerra comercial, e Brasil só tem a perder com ela
Aliança Agro Ásia-Brasil teme que o confronto resulte em acordo prejudicial às exportações do agronegócio brasileiro para a China
O governo Donald Trump desferiu nesta sexta-feira o ataque inicial da guerra comercial entre as duas maiores economias do mundo, ao anunciar a imposição de tarifas sobre importações da China no valor de 50 bilhões de dólares. Horas depois, o governo chinês anunciou uma retaliação na mesma proporção, apesar da ameaça do presidente americano de impor barreiras adicionais caso isso ocorresse.
O risco de uma escalada protecionista derrubou Bolsas de Valores em todo o mundo, em razão de seu potencial impacto negativo sobre o crescimento da economia e do comércio globais. O conflito com a China é o mais novo front de uma ofensiva que já opõe os EUA a seus mais próximos aliados, em razão de tarifas sobre aço e alumínio. E o conflito terá em breve mais um capítulo: o governo Trump deve anunciar dentro de duas semanas restrições a investimentos chineses no setor de tecnologia dos EUA.
“Os Estados Unidos não podem mais tolerar a perda de tecnologia e propriedade intelectual por meio de práticas econômicas desleais”, afirmou Trump na nota em que anunciou a medida, na qual acusa a China de “roubo”.
Para o Brasil, acreditam especialistas, esse jogo de xadrez não é nada promissor. O país não apenas não tem nada a ganhar com a guerra comercial entre Estados Unidos e a China como corre o risco de pagar parte da conta caso as duas maiores economias do mundo cheguem a um acordo para ampliar as exportações americanas para o país asiático, avalia Marcos Jank, presidente da Aliança Agro Ásia-Brasil, entidade criada no ano passado para promover a imagem do agronegócio brasileiro na Ásia. Jank teme, especialmente, que o confronto acabe em um acordo prejudicial às exportações do agronegócio brasileiro para a China.
Jank acredita que Washington e Pequim estão medindo forças com o anúncio de tarifas e de retaliações. Em sua opinião, os dois lados acabarão chegando a um entendimento, que envolverá o aumento das compras chinesas de produtos agroindustriais dos EUA, em detrimento de competidores diretos, como o Brasil. O movimento nessa direção já começou a ocorrer, ressaltou, com a imposição de medidas antidumping pela China contra a importação de frango brasileiro, na semana passada.
O produto nacional havia conquistado espaço no país asiático depois da suspensão de embarques de frango dos EUA, em 2010, e da adoção de medidas antidumping em 2015, lembra Jank. Segundo ele, ao impor a barreira ao Brasil, a China abre espaço para ampliar as compras de frango dos EUA. “A estratégia de Trump é apertar para forçar uma negociação. O meu temor é o que pode sair dessa negociação”, diz Jank.
O executivo lembra que o Brasil é o principal concorrente dos EUA em vários segmentos do agronegócio, entre os quais mencionou soja, carne bovina, frango e suco de laranja. “Se houver um grande acerto, isso terá impacto em vários setores, mas para o agronegócio brasileiro ele pode ser muito ruim”, observa Jank, que vive em Cingapura. “O Brasil é o terceiro maior exportador agrícola do mundo e é um forte concorrente dos Estados Unidos.”
Como reflexo das barreiras impostas por Trump, o preço da soja recuou nesta sexta no mercado global, mas os prêmios pela soja brasileira continuam subindo, com a expectativa de que a China imponha tarifas contra o produto americano. O mercado chinês abocanha 50% do que os EUA produzem.
A tentativa de aplacar Trump com possíveis concessões no setor vai além da China, diz Jank. Em abril, o Japão flexibilizou exigências de emissões de combustível à base de etanol, o que beneficiou os produtores americanos em detrimento dos brasileiros.
Já a economista Monica de Bolle, do Peterson Institute for International Economics, diz que as tarifas sobre aço e alumínio já provocaram elevação de preços, movimento que deve se acentuar depois do anúncio desta sexta-feira. E afirma que, se houver pressão inflacionária, ela deverá acelerar o ritmo de elevação de juros nos EUA, com impactos negativos sobre o Brasil.
A guerra comercial EUA x China
As tarifas anunciadas por Donald Trump nesta sexta serão de 25%, impostas principalmente sobre bens que utilizam tecnologias “significativas” do ponto de vista industrial ou relacionadas ao Made in China 2025 — a política industrial que impulsiona o desenvolvimento de tecnologias que, aos olhos chineses, serão centrais para a economia do futuro, entre as quais robótica, tecnologia da informação, carros elétricos e equipamentos aeroespaciais. Celulares, TVs e outros bens de consumo foram excluídos por Trump.
Os EUA acusam a China de usar subsídios e empresas estatais para estimular esses setores e de exigir transferência de tecnologia de empresas americanas que buscam acessar o seu mercado consumidor. “Os Estados Unidos não podem mais tolerar a perda de tecnologia e propriedade intelectual por meio de práticas econômicas desleais”, afirmou Trump na nota em que anunciou a medida, na qual acusa a China de “roubo”.
As tarifas serão aplicadas em duas etapas. A primeira atingirá importações de 34 bilhões de dólares e entrarão em vigor no dia 6 de julho. Ainda não está definido quando a barreira sobre os restantes 16 bilhões de dólares será adotada.
Neste sábado, o governo da China anunciou que imporá novas medidas tarifárias no valor de cerca de 50 bilhões de dólares a produtos americanos. O Conselho de Estado decidiu impor tarifas adicionais de 25% sobre 659 produtos dos EUA, entre eles veículos e produtos agrícolas, dois dos setores mais sensíveis para o país.