Fantasma da recessão assombra países ricos e traz oportunidade para Brasil
Ao fazer a lição de casa, o país pode se tornar um porto seguro para investimentos
![VÍTIMAS DA CRISE - Moradores de rua nos Estados Unidos: inflação alta penaliza principalmente os mais pobres](https://beta-develop.veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2023/07/efespphotos678776.jpg.jpg?quality=90&strip=info&w=1280&h=720&crop=1)
A história ensina que, de tempos em tempos, a economia global obrigatoriamente enfrentará algum tipo de solavanco. Nos últimos 150 anos, conforme estudo realizado pelo Banco Mundial, o planeta enfrentou catorze recessões que, em maior ou menor grau, provocaram estragos na vida de milhões de pessoas. A última delas ocorreu em 2020, quando a pandemia devastou os PIBs de quase todos os países. Em 2023, embora os sinais não sejam definitivos, o temor de uma nova crise ressurgiu. Indicadores recentes mostram a inquestionável contração da Zona do Euro — do ponto de vista técnico, o Velho Continente já está em recessão, com o PIB encolhendo no quarto trimestre de 2022 e no primeiro de 2023. Por sua vez, os Estados Unidos sofreram forte desaceleração nos primeiros meses do ano e não há indícios de que possa virar o jogo tão cedo. Na ex-pujante China, a atividade surpreendentemente fraca revela que o velho vigor não se repetirá, e não há nada muito inspirador vindo do restante da Ásia, que apresenta um crescimento anêmico de forma quase generalizada.
![000_32HX4XH.jpg MAIS APERTO - Lagarde, do Banco Central Europeu: novas altas de juros](https://beta-develop.veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2023/07/000_32HX4XH.jpg.jpg?quality=90&strip=info&w=1024&crop=1)
Diversos fatores podem levar ao enfraquecimento da economia global. Em geral, as grandes crises estão associadas a eventos de colossal dimensão — como foi o caso da Covid-19 — ou se manifestam em períodos marcados por guerras entre nações, desarranjos inflacionários ou o colapso de algum setor econômico. Em 2023, a maior parte desses complicadores está presente. A invasão da Ucrânia pela Rússia e a guerra em curso marcam o conflito militar mais mortífero na Europa desde a longínqua II Guerra Mundial. De seu lado, a inflação indomável, apesar das altas de juros pelos diversos bancos centrais, desajustou as cadeias produtivas, enquanto a crise bancária, que fez sucumbir uma instituição centenária como o suíço Credit Suisse, mostrou ser potencialmente perigosa para o sistema financeiro mundial. Não à toa, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) alerta para um modesto crescimento global de 2,7% em 2023, abaixo da média registrada na década que antecedeu a pandemia.
![GettyImages-1236920194.jpg CRISE A CAMINHO - Powell, do Fed: “Recessão certamente é possível”](https://beta-develop.veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2023/07/GettyImages-1236920194.jpg.jpg?quality=90&strip=info&w=1024&crop=1)
Entre todos os elementos que ameaçam a economia global, a inflação é, de longe, o mais problemático. Para contê-la, os bancos centrais recorrem à clássica fórmula de aumento de juros, o que inevitavelmente leva à contração econômica. Nesse contexto, a presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde, declarou, para surpresa de ninguém, que não tem intenções de interromper o ciclo de aperto monetário iniciado em 2022. “É improvável que, em um futuro próximo, o banco central possa afirmar com total confiança que as taxas de pico foram atingidas”, disse. Em outras palavras: as taxas seguirão elevadas e, portanto, a economia dificilmente destravará.
![efespphotos686019.jpg PROTESTO - Balão com a cara do chanceler alemão, Olaf Scholz: PIB da zona do euro caiu em dois trimestres consecutivos](https://beta-develop.veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2023/07/efespphotos686019.jpg.jpg?quality=90&strip=info&w=1024&crop=1)
Por sua vez, os Estados Unidos optaram por uma “pausa estratégica” no aumento dos juros após uma série de quebras de instituições bancárias no país, mas ela será apenas temporária. O Fed, o banco central americano, anunciou que ao menos duas altas deverão ocorrer até o fim do ano, e seu presidente, Jerome Powell, não despreza a chance de uma recessão. “Não é provável, mas é certamente possível”, disse ele. Seja como for, a verdade é que as perspectivas de um afrouxamento monetário em larga escala são remotas. “A era das taxas muito baixas chegou ao fim, e taxas mais altas já resultaram em uma série de colapsos”, constatou o Fórum Econômico Mundial em recente relatório.
Do outro lado do globo, a China tem frustrado as expectativas. Apesar de não enfrentar problemas inflacionários nem taxas de juros elevadas, o país testemunha a desaceleração da atividade econômica desde o ano passado. Em 2022, o PIB chinês cresceu 3%, o segundo pior resultado em quase cinquenta anos. Os lockdowns definidos pela política de Covid Zero, o declínio do mercado de imóveis residenciais, as secas prolongadas e o consumo interno modesto explicaram o resultado. Em 2023, as expectativas de uma rápida retomada não se concretizaram. Recentemente, a agência de classificação de risco S&P Global reajustou para baixo a projeção de crescimento do PIB chinês, que agora está em 5,4% — nada muito extraordinário, reconheça-se, perto do que o país já foi capaz de fazer no passado recente. “Embora o ambiente geopolítico tenha mudado, os fatores internos são os principais impulsionadores da desaceleração da China”, afirma Fabiana D’Atri, economista do Bradesco Asset Management e especializada no mercado asiático.
![efespfifteen630651.jpg GEOPOLÍTICA - Xi Jinping e Vladimir Putin: fraqueza da economia chinesa e guerra na Ucrânia freiam o crescimento global](https://beta-develop.veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2023/07/efespfifteen630651.jpg.jpg?quality=90&strip=info&w=1024&crop=1)
Não há consenso sobre a intensidade ou duração da crise. “Provavelmente, estamos enfrentando uma recessão global”, afirma o especialista no sistema monetário global James Rickards, autor de celebrados best-sellers na área. De acordo com uma pesquisa global realizada pelo Fórum Econômico Mundial, 45% dos entrevistados consideram a recessão provável, enquanto exatamente o mesmo número de respondentes acha que ela não se manifestará em 2023 ou 2024. A verdade é que o cenário atual é marcado por muitas incertezas, o que muitas vezes confunde os próprios especialistas. Até elas se dissiparem, haverá dúvidas sobre os rumos que a economia global tomará nos próximos meses.
![000_32CP7YB.jpg EM ALTA - Oportunidade: estrangeiros injetaram 17 bilhões de reais na bolsa brasileira](https://beta-develop.veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2023/07/000_32CP7YB.jpg.jpg?quality=90&strip=info&w=1024&crop=1)
Uma das poucas certezas dos especialistas diz respeito ao desempenho da economia brasileira. Por mais surpreendente que possa parecer, o Brasil está na contramão do processo de encolhimento econômico mundial. Por aqui, o ciclo de alta de juros provavelmente chegou ao fim e importantes iniciativas como a aprovação do arcabouço fiscal e da reforma tributária deverão criar as condições necessárias para o país crescer com mais força. Também é preciso dizer que os problemas disseminadas pelo mundo reduziram as opções de investimentos — é sempre mais arriscado injetar dinheiro onde há crise — e o Brasil, nesse cenário, tornou-se um porto seguro para a destinação de recursos. Não à toa, no primeiro semestre de 2023 os investidores estrangeiros aportaram 17 bilhões de reais na B3, a bolsa brasileira. Uma velha máxima econômica diz que crises sempre trazem oportunidades. Talvez tenha chegado a hora de o Brasil capturá-las.
Publicado em VEJA de 12 de julho de 2023, edição nº 2849