“Faremos cinquenta anos em cinco”, diz Carlos Piani, presidente da Sabesp
Empossado em 2024, Piani acelerou as obras para universalizar os serviços até 2029, enquanto avalia a possibilidade de investir em novos negócios
Após meio século controlada pelo governo do estado de São Paulo, a Sabesp completou em julho o primeiro ano como empresa privada, tendo a Equatorial Energia como a acionista de referência com 15% das ações. Fundada em 1973, a Sabesp se tornou uma das maiores concessionárias de saneamento do mundo e atende mais de 28 milhões de pessoas em 377 municípios paulistas, incluindo a capital. Eleita a Empresa do Ano na primeira edição do ranking TOP30 — As Melhores Empresas do Brasil, seu desafio agora é universalizar os serviços de água e esgoto no estado até 2029. A tarefa exigirá investimentos de 70 bilhões de reais. O montante se aproxima do total que ela investiu em toda sua existência como estatal. Livre das amarras da burocracia pública, a Sabesp acelerou obras, revisou processos, avalia novos negócios e prepara uma ida às compras. “Temos condições de fazer isso não só no Brasil, mas também no exterior”, afirma Carlos Piani, seu presidente. Leia os principais trechos da entrevista com ele.
O senhor assumiu a Sabesp há um ano. Qual foi sua primeira impressão? A grandiosidade da operação. Mesmo quando era estatal, a Sabesp já estava entre as três maiores empresas de saneamento do mundo. Isso foi um choque para mim, porque já trabalhei em outras concessionárias que também são grandes, mas são grandes porque controlam muitas empresas. Aqui, é uma empresa só atuando em centenas de cidades. Na maioria dos casos, o saneamento é um serviço municipal, porque o poder concedente é o município. Apenas em situações em que a infraestrutura é compartilhada, o poder concedente é repartido entre estados e municípios. A Sabesp é desse tamanho porque São Paulo é a maior cidade do país e seus serviços de saneamento dependem dos outros municípios. Seu esgoto é tratado em Barueri.
Qual foi sua primeira decisão como presidente da empresa? O maior desafio é universalizar os serviços até 2029. O contrato prevê punições, caso não cumpramos as metas anuais. Então, a primeira decisão foi acelerar os investimentos e contratar as obras necessárias. A companhia investia em média 5 bilhões de reais por ano. A Sabesp foi privatizada em julho, mas eu cheguei em 1º de outubro. Em apenas sessenta dias, contratamos 15 bilhões de reais em obras. Em abril, 100% dos projetos estavam em execução. São mais de 500 obras e mais de 7 000 pessoas para executá-las. É um desafio hercúleo. Mexemos na forma de contratar serviços, dividimos pacotes de obras. Essa foi a prioridade número zero, porque entregar as metas é um ponto crítico.
“Investíamos 5 bilhões de reais por ano. Agora, em apenas dois meses, foram 15 bilhões”
Como foi a transição da cultura estatal para a privada? Toda transformação envolve estratégia, estrutura e pessoas. Não se cria uma cultura corporativa com o estalar dos dedos, porque cultura significa adotar o mesmo comportamento em grande escala. Todo mundo fazendo as coisas do mesmo jeito e pensando da mesma forma. Isso leva tempo. Eu diria que é preciso misturar o que já havia de bom na Sabesp com o que há de bom no mercado. Quatro dos dez diretores que se reportam a mim já eram da casa. A orientação geral foi a de que os recém-chegados deveriam ter alguém que já era da casa na equipe, e vice-versa. Isso permite uma maior diversidade de visões.
Quando a Sabesp disputará leilões de saneamento? Isso é algo que a gente não escolhe, porque depende de alguém querer vender um ativo, seja um estado que vai privatizar o serviço de saneamento, seja uma empresa privada que vai se desfazer de alguma operação. Neste início de trabalho, é menos provável que participemos. Quando o risco de não batermos as metas, sobretudo neste primeiro ano, for menor, teremos mais liberdade de olhar oportunidades. Não temos restrições de fazer isso agora, mas somos responsáveis e temos uma grande obrigação para cumprir até o fim do ano.
Com o compromisso de universalização dos serviços até 2029, comprar outras concessões não seria arriscado? Pode ser, mas não quer dizer que seja impossível fazer ambos ao mesmo tempo. Em cada situação, você precisa ver a mesma coisa: como dividir os esforços e os recursos? Como cobrir eventuais lacunas? Então, se tivermos um bom plano, podemos seguir em frente. Se o risco não compensar, não faz sentido entrar na disputa. Mas temos todo o interesse em crescer inorganicamente. Sendo uma das maiores empresas do mundo no setor, a Sabesp tem todas as condições de fazer isso não só no Brasil, mas também no mercado internacional. Só que acho que cada coisa deve vir em seu devido tempo.
Há planos de entrar em outros nichos de negócio? A água de reúso pode ser um importante negócio. Temos a Aquapolo, que opera a maior planta de produção de água de reúso da América do Sul e é uma das maiores do mundo. Com ela, atendemos o polo petroquímico de Capuava e empresas da região do ABC Paulista. É um negócio que pode crescer muito, não apenas com clientes da indústria, mas também do comércio. O tratamento de esgoto gera um lodo que é rico em materiais orgânicos. Por meio do projeto Sabesfértil, em parceria com a Unesp, secamos esse lodo e o transformamos em fertilizante orgânico rico em nitrogênio e potássio. Vemos oportunidades na geração de gás, o biometano. Somos um setor que consome muita energia elétrica e podemos usar o gás para abastecer nossas próprias estações de tratamento. Até o fim do ano, lançaremos os projetos de ampliação de nossas maiores estações, as de Barueri e São Miguel (bairro paulistano). Ainda estamos definindo que tecnologia adotaremos nessas unidades. Cada opção tecnológica favorece um tipo de subproduto. Com base nessa escolha, saberemos em quais nichos vamos apostar mais.
Tudo isso exige dinheiro e, com os juros altos, o capital está caro. Quanto isso atrapalha? Não acho que seja difícil para a Sabesp captar recursos no mercado. Isso não quer dizer que o dinheiro esteja barato, mas neste ano já captamos 13 bilhões de reais. Dando um passo atrás, o novo marco regulatório permite que nos alavanquemos um pouco mais. Planejamos usar o mercado de crédito, sobretudo neste início dos trabalhos. O cenário global está mais complexo e os grandes investidores estrangeiros buscam ativos que sejam protegidos contra a inflação. É o caso do saneamento.
“A Sabesp tem todas as condições de crescer também no mercado internacional”
Como conciliar a importância social do saneamento com a geração de lucros esperada de uma empresa privada? Em todo o mundo, o saneamento enfrenta esse dilema. No caso da Sabesp, temos um instrumento tradicional e uma inovação. O mecanismo que já existe é o subsídio cruzado. Os clientes de maior renda custeiam parte da tarifa dos mais pobres. A inovação foi a criação de um fundo para amortecer o impacto dos investimentos sobre as tarifas. É comum dizerem que as tarifas sobem quando um serviço é privatizado. Elas sobem porque refletem o aumento dos investimentos. Investiremos 70 bilhões de reais até 2029. O governo de São Paulo destinou 30% do que obteve com a venda da Sabesp a um fundo que também será abastecido com 100% dos dividendos a que o estado tem direito.
Como convencer os críticos de que a privatização do saneamento pode ser positiva? Basta ver o que está acontecendo. A Sabesp está investindo o triplo do que investia quando era estatal. Nos últimos cinquenta e dois anos, a Sabesp investiu cerca de 70 bilhões de reais. É quase o mesmo que investiremos até 2029. Por isso, dizemos que vamos acelerar cinquenta anos em cinco. Levaremos água para palafitas em Santos. Estenderemos a rede em áreas rurais. Como estatal, nosso contrato não nos obrigava a investir na área rural, apenas no perímetro urbano das cidades. No novo contrato, temos também essa obrigação de conectar as propriedades rurais. As favelas e outras áreas em que as propriedades não são legalizadas estavam fora do escopo da estatal. Agora, estão dentro. Tudo isso demanda investimentos caros e complexos que a Sabesp, em sua fase estatal, não tinha condições de fazer nem eram exigidos pela regulação.
Estamos perto da COP30. Qual é a importância do saneamento para o meio ambiente? Entre todos os setores de infraestrutura, o saneamento é provavelmente o que mais contribui para a conservação ambiental, sobretudo pelo tratamento de esgoto. Isso evita a degradação do meio ambiente. O Brasil já conseguiu universalizar a energia elétrica e até o uso de aparelhos celulares, mas a falta de coleta e tratamento dos dejetos ainda é um problema grave no Brasil, onde 90 milhões de pessoas não têm acesso a esses serviços.
O Sistema Cantareira chegou ao fim da época de estiagem no nível mais baixo em muitos anos. Como as mudanças climáticas afetam a Sabesp? Num setor em que as concessões são de trinta ou quarenta anos, teremos que lidar com essas mudanças. No geral, o histórico de chuvas do passado não será tão representativo para o futuro. O clima será mais volátil e mais extremo. Isso criará dificuldades para as empresas de saneamento. Nosso setor tem um agravante: sofre mais com a urbanização, que torna o solo impermeável. Nosso desafio é não contar tanto com o que era válido no passado e inferir como teremos de agir daqui para a frente. É um processo de tentativa e erro, porque antes tudo era estável, previsível, e agora o mundo será cada vez menos assim. Será um processo de interações contínuas com as mudanças climáticas para melhorar o nível de nossos serviços.
Publicado em VEJA, outubro de 2025, edição VEJA Negócios nº 19
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