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Florestas precisam virar um bom negócio, diz diretora-geral da FSC

Sistema internacional já certificou 160 milhões de hectares no mundo

Por Camila Barros Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 22 abr 2025, 07h05

Olhe para a embalagem de um sanduíche do McDonald’s ou para uma caixinha de leite da Tetra Pak. Você verá o contorno de uma árvore e a sigla FSC. Significa que os fornecedores daquela matéria-prima seguem os critérios do Forest Stewardship Council, sistema internacional de certificação florestal. A ideia é simples: usar os recursos da floresta sem esgotá-los.

Criado em 1994, o FSC reúne três grupos: a Câmara Econômica (empresas com interesse comercial), a Câmara Social e a Câmara Ambiental (ONGs, sindicatos, pesquisadores). Juntos, eles definem o que é manejo florestal responsável – regras que depois são adaptadas à realidade de cada país.

Hoje, mais de 160 milhões de hectares no mundo são certificados pela FSC. No Brasil, são 9 milhões. Mas o sistema está longe de ser consenso: em 2018, a ONG Greenpeace Internacional, uma das fundadoras do grupo, rompeu com a entidade, afirmando “já não confiar que o FSC, sozinho, consiga garantir proteção suficiente às florestas”.

Subhra Bhattacharjee, diretora-geral da FSC desde 2024, fala sobre este e outros desafios nesta entrevista a VEJA.

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Subhra Bhattacharjee, diretora-geral do Forest Stewardship Council (FSC). (//Divulgação)

VEJA: Quando o FSC foi fundado, há 30 anos, o combate às mudanças climáticas ainda não era uma prioridade global. Agora é. Na prática, o que isso muda para a certificação de manejo florestal?

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Subhra Bhattacharjee: E as florestas são uma linha de defesa importante contra os impactos das mudanças climáticas: desaceleram enchentes, resfriam o ambiente, regulam o ciclo da água. Por isso, a certificação florestal – ou seja, a garantia de um manejo florestal responsável – é mais necessária do que nunca, já que é a melhor forma de manter as florestas em pé. Os governos costumam ter recursos limitados, departamentos florestais pequenos e muitas outras prioridades. É aí que entra a parceria público-privada. A certificação feita por empresas é uma forma eficaz de manter as florestas em pé.

VEJA: Um grande desafio envolvendo certificadores ambientais é o greenwashing. Como o FSC tenta combatê-lo?

SB: O FSC define os padrões internacionais, mas a certificação é feita por organismos independentes. Para garantir que esses organismos sigam os parâmetros, existe o Assurance Services International (ASI), que realiza verificações periódicas. É um processo descentralizado, com checagens e contrapesos.

VEJA: Em 2018, o Greenpeace rompeu relações com o FSC, alegando que a organização falha em prevenir o desmatamento. Como o FSC respondeu a essa crítica?

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SB: Greenpeace e FSC têm o mesmo objetivo: prevenir o desmatamento. Esse desafio é multidimensional. É preciso das ONGs, que pressionam as autoridades e chamam atenção para o problema. Do FSC, que reúne atores para dialogar e agir. E dos governos, que regulam e definem padrões em larga escala. No nosso caso, a maior força é também a maior fraqueza: somos uma plataforma de diálogo. Não vamos gritar slogans na rua – respeitamos quem faz isso, mas esse não é o nosso papel. Isso significa que as decisões serão mais lentas, mas também mais duradouras. Claro que isso pode frustrar alguns membros: demora, exige concessões, cobra paciência.

VEJA: Falando em diálogos e consensos lentos: quais são suas expectativas para a COP30 no Brasil?

SB: A COP30 em Belém acontece num momento crítico. Tem sido chamada de ‘COP das florestas’ – e precisamos sair dela com um compromisso real, amplo. Minha esperança é ver um pacto entre países, setor privado e comunidades pelas florestas, mas também por quem vive delas. Povos indígenas, por exemplo, precisam ter acesso, proteção, apoio, voz e direitos. O Brasil está liderando essa conversa. A ministra Marina Silva propôs o Fundo Florestas para Sempre, que busca doações para conservar florestas tropicais na América Latina, África e outros países. A iniciativa é excelente – torço para que atraia muitos recursos.

VEJA: No Brasil, temos uma situação muito particular: mais de 50% das nossas emissões vêm do desmatamento. Como podemos combater isso?

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SB: Quando o FSC surgiu, há 30 anos, o principal motor do desmatamento era a extração de madeira. Hoje, a atividade responde por apenas 18%, enquanto o agronegócio e a pecuária são responsáveis por 49,6%, segundo a FAO [agência da ONU para Alimentação e Agricultura]. Sabemos que o agro é base da economia brasileira, mas também é o maior vetor de desmatamento. Nossa resposta é a certificação florestal – e não só porque somos o FSC.

Quando comparamos duas áreas – uma sob proteção estatal, mas com extração ilegal, e outra sob concessão com certificação FSC – o contraste é evidente. Apesar de haver mais corte de madeira na área certificada, a copa das árvores continua fechada e densa. Ou seja: o que precisamos é tornar essas florestas viáveis economicamente, criando um incentivo para mantê-las em pé. Caso contrário, o desmatamento do agronegócio avança. 

VEJA: No Brasil, a lei anti desmatamento da União Europeia (EUDR) virou um tema quente, com produtores e governo afirmando que ela desrespeita a legislação interna brasileira. Qual a sua visão sobre o texto?

SB: Entendo esse argumento. Mas, globalmente, a posição do FSC é que estamos investidos no sucesso da EUDR. Não nos declaramos apoiadores, mas interessados no seu sucesso – que, para nós, significa reduzir o desmatamento sem esquecer os benefícios sociais e econômicos. 

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Um estudo recente apontou que o custo para as empresas se adequarem à lei gira em torno de 3% do faturamento – mas muitas discordam, e entendo esse ponto. No Brasil, com sistemas de rastreabilidade mais robustos, esse custo tende a ser menor. O maior desafio talvez seja encontrar os fornecedores certos, que se encaixam nos requisitos da lei. Muitas relações comerciais são de longo prazo, e as empresas vão precisar reavaliá-las. É incômodo, sim.

VEJA: Já nos EUA, vemos um movimento contrário à agenda climática. Quais as consequências dessa postura dos EUA para o cenário global, considerando que é a maior economia do mundo?

SB: Vivemos um período de turbulência global, com mudanças climáticas, políticas e sociais. Em tempos assim, a moeda da confiança se valoriza. É hora de reafirmar que a solidariedade importa, que os direitos dos trabalhadores, das comunidades e dos povos indígenas importam, que os benefícios ambientais importam. É hora de mostrar que existe outra forma de viver, de se relacionar com as pessoas, com a comunidade, com as florestas. Estamos dobrando a aposta nesses valores – e o Brasil também pode se afirmar agora.

VEJA: Então você acha que a postura dos EUA não será um desafio para a COP30?

SB: Claro que será um desafio. Mas isso não quer dizer que vamos desistir. A humanidade já enfrentou grandes dificuldades – e muitas outras virão. Justamente por isso, temos que reafirmar os valores que defendemos: responsabilidade, cuidado e solidariedade.

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