Cercado de expectativas e também de considerável apreensão, o presidente Jair Bolsonaro assumiu o cargo máximo do país prometendo avançar na consolidação de um programa econômico liberal e de uma série de medidas que estimulariam o desenvolvimento. Passados pouco mais de dois anos, o que entregou até agora foi uma gestão solapada por crises múltiplas e acuada pela hecatombe da pandemia de Covid-19. Transformada em uma usina de polêmicas vazias e falta de avanços práticos, acumula derrapagens mesmo em áreas que teriam chances de funcionar melhor, com o próprio presidente fazendo estragos, como aconteceu na crise envolvendo a intervenção na Petrobras e em sua atuação destrambelhada no processo de aprovação da PEC Emergencial, no início do mês.
Combate à pandemia
No recente esforço para se livrar das críticas pela péssima condução do combate à pandemia e aos impactos que o coronavírus tem provocado na economia, o governo se prepara para agregar novos elementos que gerem uma agenda positiva. E nesse cenário, de caráter nitidamente desenvolvimentista, ganha destaque o Ministério da Infraestrutura e seu titular, Tarcísio Gomes de Freitas. Egresso dos governos de Dilma Rousseff e Michel Temer, o ministro tornou-se um dos auxiliares favoritos do chefe. Nas últimas semanas, participou de quatro das lives semanais de Bolsonaro e o acompanhou em visitas a canteiros de obras Brasil afora. Tamanha proximidade alimenta rumores de que pode até se tornar vice-presidente na candidatura à reeleição, algo que nega peremptoriamente. A interlocutores que abordam o assunto, diz que seu interesse recai estritamente sobre os projetos que pretende implantar no país.
Nesse sentido, o governo se prepara para um movimento que dará a Freitas o maior desafio que já enfrentou, previsto para acontecer no início de abril. Entre os dias 7 e 9, no que vem sendo chamada nos corredores do ministério de Infra Week (uma associação às bombásticas liquidações do varejo), será realizada na B3, a bolsa de valores em São Paulo, a concessão de 28 ativos de infraestrutura para a iniciativa privada. Com a ação, espera-se injetar mais de 10 bilhões de reais em investimentos no país e criar cerca de 200 000 empregos. É um volume de recursos tão significativo que supera até mesmo o orçamento anual da pasta, de cerca de 7 bilhões de reais. “O Ministério da Infraestrutura, sem muito estardalhaço, tem se tornado presente com ações em todos os estados”, elogia o senador Eduardo Gomes (MDB-TO), líder do governo no Congresso. “E ajuda muito o fato de termos em seu comando um ministro formulador, que dialoga com investidores.”
Leilões e Concessões
Leilões e concessões de aeroportos, terminais portuários e ferrovias se caracterizam pela oportunidade de atrair capital internacional por meio de investimentos de longo prazo. A expectativa é que participem da rodada de abril empresas estrangeiras, como Zurich Airport, Fraport e Inframerica, e nacionais, como CCR e o fundo Pátria. Nesse pacote, apenas a privatização de aeroportos tem potencial de atrair 6,6 bilhões de reais em investimentos, sendo que metade desse valor diz respeito a nove instalações da Região Sul, entre elas os terminais de Curitiba, Londrina (PR), Navegantes (SC), Joinville (SC) e Pelotas (RS). Em outra frente, o programa prevê o leilão do primeiro trecho da Ferrovia de Integração Oeste-Leste, na Bahia. São 537 quilômetros de trilhos que exigirão 3,3 bilhões de reais de investimentos e permitirão o escoamento do minério de ferro e da produção de grãos do oeste baiano até o Porto Sul, um complexo marítimo a ser construído nas imediações da cidade de Ilhéus, no litoral sul do estado.
A concessão dos cinco terminais portuários — quatro deles no Porto de Itaqui, no Maranhão — tem objetivos mais ambiciosos e servirá como ensaio para iniciativas previstas pelo governo para os próximos doze meses. A consulta pública para a primeira privatização portuária do governo, da Codesa (Companhia Docas do Espírito Santo), foi concluída, e agora se aguarda o sinal verde do Tribunal de Contas da União para que avance. Depois, o alvo será o Porto de Santos, o maior da América Latina. “O governo já aprovou duas reformas microeconômicas importantes, como a Lei do Gás e o novo marco do saneamento básico. Se tudo sair como o planejado, o país vai virar um canteiro de obras entre 2022 e 2023, o que é uma excelente oportunidade para Bolsonaro pavimentar sua reeleição”, diz Alexandre Manoel, ex-secretário do governo e economista-chefe da MZK Investimentos. Evidentemente, outros fatores entrarão nessa conta eleitoral.
De todo modo, a expectativa do Ministério da Infraestrutura é chegar ao fim de 2022 garantindo a aplicação de 250 bilhões de reais em infraestrutura, mais de quarenta vezes o orçamento público anual para investimento no setor. Esse valor não vai resolver o gargalo histórico no Brasil, mas pode ajudar a reverter os seguidos anos de investimentos minguantes e atuação pífia do poder público. Dados reunidos no relatório Infra2038, elaborado em encontro anual da Fundação Lemann, apontam que o país precisaria investir 8,7 trilhões de reais em duas décadas para completar a rede de infraestrutura que necessita.
Em um momento de instabilidade e dúvidas a respeito do ambiente de investimentos no país, o objetivo da Infra Week é tentar repetir o sucesso dos leilões e concessões realizados no início do governo Bolsonaro. Em março de 2019, foram concedidos doze aeroportos, quatro terminais portuários e a Ferrovia Norte-Sul, resultando em um aporte de 8 bilhões de reais ao Tesouro, em uma iniciativa recebida com otimismo pelo mercado financeiro. Apesar de os avanços no setor de infraestrutura encherem os olhos do presidente por seu notório apelo eleitoral, é importante ter em conta que, sozinhos, não são solução. Nunca é demais lembrar que, sem as reformas estruturais propostas pelo ministro Paulo Guedes (aquelas a que Bolsonaro inexplicavelmente resiste), a economia do país não vai a lugar nenhum.
Publicado em VEJA de 31 de março de 2021, edição nº 2731