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Governo Lula insiste nas taxas, enquanto corte de gastos segue fora da pauta

Corrigir distorções e tornar o sistema mais justo é necessário — mas não haverá solução sem conter o voraz apetite arrecadatório do Estado

Por Márcio Juliboni Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Juliana Elias Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 20 jul 2025, 16h53 - Publicado em 20 jul 2025, 08h00

Após uma sucessão de embates entre os poderes da República — foram dois decretos presidenciais (o 12 466, editado em maio, e o 12 499, publicado em junho, substituindo o anterior), um decreto legislativo que os derrubou, três ações judiciais, uma liminar suspendendo os efeitos das medidas e uma frustrada audiência de conciliação entre Executivo e Legislativo —, a novela do aumento do imposto sobre operações financeiras (IOF) ganhou um novo capítulo na quarta-feira 16. O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), restabeleceu parte da proposta assinada pelo presidente Lula no mês passado. Na sua decisão, Moraes rejeitou a tese apresentada pelos líderes do Congresso em uma das ações protocoladas no STF, segundo a qual o governo teria desvirtuado a função regulatória do IOF ao usar o tributo exclusivamente para elevar a arrecadação e cobrir o rombo fiscal. “Não restou comprovado qualquer desvio de finalidade na alteração das alíquotas pelo ato do presidente da República, pois o decreto 12 499/2025 respeitou os limites legais”, afirmou o ministro em uma sentença de vinte páginas. Ele ressaltou, no entanto, que o veredicto ainda precisa ser confirmado pelo plenário da Corte, em data a ser definida.

Ministro do STF, Alexandre de Moraes
APOIO – Alexandre de Moraes: ministro validou projeto de Lula (Ton Molina/STF)

Até que isso ocorra ou até que outra reviravolta embaralhe de novo a situação, volta a vigorar a alíquota de 3,5% do IOF em uma série de transações, como as compras internacionais com cartão de crédito — hoje taxadas em 3,38% —, as compras de moeda estrangeira em espécie, cujo imposto era de 1,1%, e os empréstimos de curto prazo, antes isentos de IOF. Já os planos de previdência privada do tipo VGBL pagarão 5% sobre aportes que excederem 600 000 reais a partir de 2026. O único ponto rejeitado por Moraes foi a cobrança de IOF sobre operações chamadas de “risco sacado”, uma modalidade que consiste na antecipação de recebíveis muito usada por varejistas. Para ele, a medida não tem amparo legal, pois compete ao Legislativo criar impostos.

Como era de esperar, em vez de serenar os ânimos em Brasília, a decisão reavivou a polêmica. De um lado, o Ministério da Fazenda, liderado por Fernando Haddad, declarou em nota que Moraes “formou sobriamente seu juízo” para reafirmar “adequadamente as prerrogativas constitucionais” e, com isso, contribuiu para a “harmonização entre os poderes”. Responsável por uma das ações julgadas por Moraes, o principal partido de oposição, o PL do ex-presidente Jair Bolsonaro, partiu para o ataque. Altineu Côrtes (PL-RJ), vice-presidente da Câmara dos Deputados, tachou o caso como “uma desmoralização” do Congresso, enquanto o líder da legenda na Casa, Sóstenes Cavalcante (PL­-RJ), defendeu a ideia de que os parlamentares não votem mais nada em prol do Judiciário até que os magistrados deixem de tratá-­los como “capachos”.

CONTRASTE - Escolas no Brasil (acima) e na Austrália: estrangeiros têm ensino público de qualidade mesmo pagando menos impostos
CONTRASTE – Escolas no Brasil (acima) e na Austrália: estrangeiros têm ensino público de qualidade mesmo pagando menos impostos (Antonio Scorza/Agência O Globo; NSW Department of Education/.)
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Arroubos retóricos à parte, o fato é que o imbróglio do IOF só ganhou tal dimensão porque a maioria do Congresso percebeu que se esgotou a paciência dos brasileiros com os pesados tributos que drenam boa parte da riqueza produzida no trabalho do dia a dia. No ano passado, os contribuintes pagaram 4 trilhões de reais em impostos, o equivalente a uma carga tributária igual a 34,2% do produto interno bruto (PIB) — é a maior da história, segundo levantamento realizado pelo Observatório de Política Fiscal da Fundação Getulio Vargas. O recorde, no entanto, ainda pode ser quebrado até o fim do governo Lula, diante de sua inegável sanha arrecadatória. O aumento do IOF, por exemplo, renderá cerca de 11,5 bilhões de reais ainda neste ano, já descontada a perda de 450 milhões causada pela exclusão da cobrança sobre operações de risco sacado. Em 2026, tal restrição reduzirá em 3,5 bilhões o potencial de arrecadação. Ainda assim, o Tesouro poderá amealhar perto de 28 bilhões de reais com as novas alíquotas. O fardo tributário, mais pesado agora com o novo IOF, torna-se a cada dia um problema maior ao desenvolvimento do país. “A carga tributária virou um obstáculo”, afirma Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal.

arte carga tributária

A situação também cria um paradoxo: nossa carga tributária é uma das quinze maiores do mundo e supera a de países ricos como a Austrália, onde o total de impostos está em 29,5% do PIB, mas o que os brasileiros recebem em troca são serviços públicos de baixa qualidade que não justificam o peso insustentável dos impostos. Há catorze anos, o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) compara os índices de desenvolvimento humano dos trinta países que mais taxam seus contribuintes. Em todos os levantamentos, inclusive o realizado em 2025, o Brasil ficou na última posição quando se cruza sua carga tributária com a qualidade de vida da população. “Esse é o retorno que o governo oferece pelos recursos que arrecada”, afirma João Eloi Olenike, presidente do IBPT.

ATO FALHO - Constituintes em 1988: pouca atenção ao equilíbrio fiscal do país
ATO FALHO - Constituintes em 1988: pouca atenção ao equilíbrio fiscal do país (Lula Marques/Folhapress/.)
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Não é possível explicar a escalada dos impostos sem mencionar a questão central que a impulsiona: a insustentável explosão dos gastos públicos. “O que define a carga tributária de um país é o tamanho de suas despesas”, afirma Everardo Maciel. Por isso, a Constituição de 1988 costuma ser vista como a fonte dos problemas que reverberam até os dias atuais. Sob o impacto da grave crise econômica que flagelou o país nos anos 1980 — a chamada “década perdida” — e do fim da ditadura militar, a Carta incorporou inúmeros direitos sociais bancados pelo Tesouro e estabeleceu os gastos mínimos com saúde e educação, entre muitos outros. Tudo sem prever de onde viria o dinheiro para o custeio.

CANSAÇO - Impostômetro: os brasileiros vão trabalhar 149 dias em 2025 apenas para pagar tributos
CANSAÇO - Impostômetro: os brasileiros vão trabalhar 149 dias em 2025 apenas para pagar tributos (Marina Uezima/Brazil Photo Press/Folhapress/.)

Para completar, a União deveria dividir a arrecadação com estados e municípios. “A Constituição gerou uma quantidade imensa de gastos obrigatórios”, afirma Maílson da Nóbrega, colunista de VEJA. Como ministro da Fazenda na época da promulgação da nova Carta, Maílson testemunhou em primeira mão os seus impactos. “Antes dela, os gastos obrigatórios somavam 37% do Orçamento, e hoje já passam dos 90%.” Para bancá-los, os sucessivos ocupantes do Planalto compensaram o dinheiro transferido aos entes federados com a criação de contribuições, um tipo de tributo cujos recursos, conforme estabelecido pela Constituição, pertencem apenas à União. O próprio Maílson recorda que, como ministro, lançou a contribuição social sobre o lucro líquido, a primeira de uma família que só cresceria nos anos seguintes.

CUSTO - Medidores de energia: impostos equivalem a 46% das receitas do setor elétrico
CUSTO - Medidores de energia: impostos equivalem a 46% das receitas do setor elétrico (Ronny Santos/Folhapress/.)
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Embora tenha um peso considerável, a Constituição de 1988 está longe de ser a única responsável pela escalada da carga tributária. “O Executivo, o Legislativo e o Judiciário são muito criativos ao interpretar as leis, conceder benefícios e aumentar a arrecadação”, diz o economista Marcos Lisboa. “Virou uma corrida de cavalos.” Estados e municípios também contribuíram ao elevar alíquotas de impostos como o ICMS e o IPTU, em parte para compensar a guerra fiscal travada entre eles para atrair investimentos de empresas. Uma das áreas mais penalizadas é a conta de luz: em alguns estados, segundo estudo do Instituto de Defesa do Consumidor, o ICMS chega a representar até 30% da fatura. O novo arcabouço fiscal, implementado no fim de 2023 pelo governo Lula, agravou o cenário ao flexibilizar os limites de gastos obrigatórios. Em vez de promover um ajuste fiscal robusto para conter o avanço das despesas, Lula e o ministro Fernando Haddad optaram por repassar a conta aos contribuintes.

Não por acaso, a carga tributária bateu recorde em 2024, primeiro ano de vigência do arcabouço fiscal. O resultado, porém, tende apenas a aumentar a insatisfação dos brasileiros. “Como o arcabouço é inconsistente, o governo pode elevar impostos quanto quiser e ainda assim não cobrirá o rombo”, diz Lisboa. Corrigir distorções e tornar o sistema mais justo é necessário — mas não haverá solução sem conter o voraz apetite arrecadatório do Estado.

Publicado em VEJA de 18 de julho de 2025, edição nº 2953

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(Atualização: em nota à VEJA, o Ministério da Fazenda afirma que “as medidas em curso não representam um aumento generalizado da carga tributária, mas sim um esforço de recomposição da base de arrecadação, com foco na justiça fiscal e na correção de distorções históricas. O objetivo é redistribuir o peso do sistema, alcançando camadas de altíssima renda que, até recentemente, não contribuíam de forma proporcional.

A tributação sobre fundos exclusivos e aplicações no exterior, como offshores em paraísos fiscais, passou a ser aplicada a partir do ano passado e já resultou em cerca de R$ 20 bilhões em arrecadação em 2024. Em 2025, a expectativa é que apenas a tributação de offshores ultrapasse R$ 7 bilhões. As empresas de bet, que tinham no Brasil um paraíso fiscal nos governos anteriores, passaram a recolher tributos no Brasil, estimados em R$ 10 bilhões anuais. No caso das subvenções de custeio, em que gastos tributários estaduais tinham efeito multiplicador sobre os federais, os dados ainda estão em apuração, mas a nova normatização evitou impacto negativo superior a R$ 20 bilhões anuais. Esses recursos decorrem da aplicação de regras que garantem que os super-ricos passem a pagar impostos, muitos deles pela primeira vez, e redução de benefícios fiscais que não se refletiam em benefícios para os brasileiros.

Essas medidas alinham o Brasil, hoje à nona maior economia do mundo, a padrões internacionais de equidade fiscal. Também é importante destacar que a despesa primária do governo federal, como proporção do PIB, está hoje em um dos menores patamares dos últimos anos — abaixo da média observada nas gestões anteriores. Isso desmonta a narrativa de que o governo estaria gastando excessivamente.

Paralelamente, o governo tem atuado para enfrentar pressões orçamentárias decorrentes do crescimento dos gastos obrigatórios. Entre as ações já adotadas estão o bloqueio e contingenciamento de R$ 31 bilhões no Orçamento, a extinção de benefícios como o Perse e a desoneração da folha, além da reestruturação de auxílios e benefícios como o BPC. Parte das medidas propostas aguarda aprovação no Congresso Nacional.”)

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