Tirar dinheiro dos pobres para dar aos mais pobres. Paulo Guedes, o ministro da Economia de Jair Bolsonaro, repetiu esta frase e suas variações pelo menos uma dezena de vezes em 45 minutos que ficou discursando nesta terça-feira, 15, no evento Painel Telebrasil, que discute o setor de telecomunicações. Soou quase que um mantra para talvez se convencer de que não é boa ideia tirar dinheiro de programas sociais existentes para um novo projeto de transferência de renda. Pela manhã, Bolsonaro já havia dito a frase quando anunciou o fim do Renda Brasil, que estava em fase de estudos. A reação agressiva do presidente veio por causa das manchetes dos jornais produzidas com base em estudos apresentados pela própria equipe do Ministério da Economia. Em poucas palavras, se reproduziu a ideia de não se reajustar salário de aposentados e pensionistas. Com isso, sobraria dinheiro para programas como o Renda Brasil. Apesar de botar a culpa na imprensa, que deveria, segundo Guedes, ter focado na importância de desindexar a obrigação de despesas públicas, o ministro deixou muito claro o que pensa: “40 milhões de desempregados e você vai ficar dando aumento de salário mínimo?…. Governo está quebrado e no meio dessa crise se der aumento… Tem que botar a mão na cabeça e dar uma pensada”. A discussão é o reajuste ou não do salário mínimo, que, por lei, precisa ser ajustado anualmente pela inflação.
Resignado, o ministro disse que a decisão política foi tomada e não vai ter o Renda Brasil. “Daqui até o fim do governo não vai ter mais Renda Brasil”, disse Guedes que passou boa parte da manhã ao lado de Bolsonaro, chamado de urgência. O ministro participaria logo cedo do evento, e sua apresentação foi adiada para o meio do dia. O que Guedes tentou explicar a quem estava participando do evento é que também lamenta o impacto que o barulho da notícia de congelamento de salários de aposentados pode ter sobre a proposta que enviou ao Congresso Nacional, em dezembro, propondo a desindexação e desvinculação dos gastos públicos.
Para Guedes, a classe política precisa ser novamente autorizada a decidir o destino dos recursos, de acordo com o programa de governo. Hoje, com as despesas obrigatórias, sobra pouco espaço para o governo destinar recursos livremente, por conta do teto dos gastos. Desta forma, Guedes queria desindexar salário de aposentados, o que na prática seria não dar o reajuste anual, para poder usar esses recursos em outras áreas. Pela proposta do ministro, caberia aos políticos decidir que faixa de salário poderia continuar com reajuste. Hoje, segundo Guedes, 70% a 75% de quem está empregado recebe um a dois salários mínimos. “O Brasil é rico em recursos e pobre em renda. 70% a 75% do trabalhador CLT recebe de um a dois salários mínimos. Essa é a turma que tem dinheiro, que você tem para focalizar esses gastos.”
Sobre os números de desemprego, Guedes vai variando um pouco na amostra usada de acordo com o argumento que precisa ser reforçado. Primeiro, ele diz que foi um sucesso o programa do combate à pandemia que preservou um milhão de empregos, e manteve a faixa em 13 milhões de desempregados. Mas na sequência ele usa o número mais amplo de 51 milhões de desempregados para reforçar a ideia de que não se pode dar aumento salarial em meio à pandemia. Neste número, estariam além dos desempregados formais, os 38 milhões de informais que foram atrás do auxílio emergencial. Depois ele usa o número de 40 milhões. E assim ele vai oscilando.
Guedes também estava indignado com algumas expressões como “inflação dos pobres”, já que o Brasil está vendo um aumento de preços de alimentos e materiais de construção civil. Segundo Guedes, isso não é inflação dos pobres. É que os pobres receberam auxílio emergencial e gastaram com comida e reforma da casa, o que levou ao aumento dos preços. Mas Guedes até acrescentou que a exportação e o dólar alto também contribuíram.