Grandes empresas começam a abandonar as políticas de diversidade
Elas cortam seus programas de inclusão e reforçam uma tendência que ganha força dos Estados Unidos: o abandono da fundamental agenda ESG
Em um de seus discursos inspiradores, o indiano Satya Nadella, presidente mundial da americana Microsoft, celebrou o valor da multiplicidade humana. “Nossa cultura precisa ser um microcosmo do mundo, um lugar onde cada indivíduo possa dar o melhor de si, onde a diversidade de cor de pele, gênero, religião e orientação sexual seja compreendida e celebrada.” Trata-se, acima de tudo, de um manifesto a favor da inclusão, que ganha ainda mais força considerando quem o defendeu — um imigrante que, com enorme talento, chegou ao posto mais alto de uma das maiores companhias do mundo.
Há alguns dias, contudo, a Microsoft fez o oposto do que pregou seu líder máximo. Segundo informações do site americano Business Insider, a big tech fechou sua diretoria de diversidade e demitiu funcionários que nela trabalhavam. Eles foram informados de que a política de inclusão “não é mais crítica para os negócios”. Procurada por VEJA, a Microsoft respondeu por meio do porta-voz Jeff Jones: “À medida que avançamos, nossos compromissos com diversidade e inclusão permanecem inalterados. Nosso foco em D&I é inabalável e estamos mantendo firmes nossas expectativas, priorizando a responsabilidade e continuando a focar nesse trabalho”.
Há sinais inequívocos de que a agenda de inclusão está perdendo força nos Estados Unidos. Outros gigantes, como Google e Meta, dona do Facebook, Instagram e WhatsApp, também cortaram seus programas de diversidade. O X, ex-Twitter, aderiu ao movimento, e de forma mais escancarada. Elon Musk, o dono da rede social, referiu-se a políticas de inclusão como “uma distração e uma forma de socialismo corporativo”. Até estratégias lançadas há pouco tempo estão sendo revistas. A empresa de videoconferências Zoom criou o cargo de diretor de diversidade em 2020. Menos de dois anos depois, a posição foi extinta e a equipe que trabalhava nessa área, demitida. Segundo levantamento da plataforma de empregos Indeed, em 2023 as ofertas de vagas nos Estados Unidos na área de diversidade, equidade e inclusão caíram 44% em relação a 2022.
O enfraquecimento dessa agenda causa incômodo. “O que está acontecendo nos Estados Unidos é um retrocesso”, diz Laura Salles, criadora da Plurie, plataforma de streaming voltada para equidade e inclusão. “Muitas empresas usaram o discurso da diversidade porque era moda”, diz Fabio Alperowitch, fundador da Fama, gestora especializada em investimentos sustentáveis. “Agora, estamos estacionados na questão de gênero e retrocedendo na questão de raça.” Afinal, o que explica a volta ao passado?
Uma razão possível é o fato de as big techs terem ajustado as operações após as contratações em massa na pandemia. Desde 2022, ao menos 300 000 empregos foram ceifados por empresas como Amazon, Alphabet, Microsoft e Meta, aponta a consultoria Crunchbase. No afã de cortar gastos, as empresas eliminaram quem foi considerado pouco efetivo para o retorno financeiro — não é simples mensurar os ganhos monetários que a agenda de diversidade traz. Mesmo benefícios relativos à reputação estão sendo questionados.
Em junho do ano passado, a Suprema Corte dos Estados Unidos tomou uma decisão que abalou os alicerces da luta contra as desigualdades raciais. Determinou que as universidades americanas não podem mais considerar a raça dos candidatos em seus processos de admissão, revertendo uma conquista de meio século na busca por equidade. Os movimentos políticos contra a agenda ESG (sigla em inglês para boas práticas ambientais, sociais e de governança) estão em ascensão. Para uma ala de radicais, a preservação da natureza e o respeito às diferenças entre indivíduos são pautas sem relevância. As redes sociais amplificaram essa lógica enviesada, e o que se vê agora são empresas que começam a dar as costas à diversidade. Os sinais estão por toda a parte. Em 2023, os fundos de investimento da categoria ESG tiveram mais saídas do que entradas de capital nos Estados Unidos — o saldo ficou negativo em 13 bilhões de dólares, o que expressa a debandada de investidores.
Os defensores do abandono da agenda da diversidade têm seus argumentos. Para Dan Lennington, jurista americano e vice-conselheiro do Wisconsin Institute for Law and Liberty, o medo de repercussões jurídicas é uma das principais preocupações das companhias. “Essas empresas estão descontinuando seus programas devido a responsabilidades legais”, afirma Lennington. “Ao eliminar um risco significativo — como ações coletivas por discriminação racial —, a empresa pode melhorar suas previsões financeiras.” O Wisconsin Institute for Law and Liberty já processou centenas de empresas por seus programas de ações afirmativas, alegando que elas promovem práticas discriminatórias ao contratar ou promover pessoas por questões de raça ou gênero. Vale um lembrete para o jurista: como o próprio Satya Nadella afirmou, a diversidade é para ser celebrada.
Publicado em VEJA de 23 de agosto de 2024, edição nº 2907