Em mais de seis horas de audiência na comissão especial da reforma da Previdência na Câmara – a reunião começou às 14h40 -, o ministro da Economia, Paulo Guedes, trocou farpas com a oposição, prometeu outras reformas, como a tributária, e disse que o governo, com a proposta apresentada, está “recalibrando privilégios”.
O ministro afirmou, ainda que está pedindo uma “licença” para criar o regime de capitalização – no qual o próprio trabalhador guarda os recursos para a sua aposentadoria -, mas ressaltou que isso depende da reforma que for aprovada pelo Congresso.
Segundo ele, se os parlamentares aprovarem uma reforma com impacto menor, de “R$ 600 bilhões ou R$ 700 bilhões” – em vez da economia de R$ 1 trilhão em dez anos, que vem sendo defendida por ele -, não vai dar para implantar o novo modelo – o atual é o de repartição, no qual todos os trabalhadores contribuem para a aposentadoria de todos.
“Temos total consciência de que capitalização não pode ser aventura. A resposta está aqui dentro. Se a reforma for de economia de R$ 1 trilhão, temos confiança em lançamento de novo regime sem derrubar o antigo”, afirmou. O ministro disse ainda que a proposta de reforma não traz os detalhes da capitalização justamente porque ela só será lançada “se houver combustível” e defendeu que, quanto mais demorada for a criação do regime, mais difícil será a transição. Ele afirmou ter “atração” pelo modelo de poupança garantida – em que o governo bancará o salário mínimo para quem não tiver poupado o suficiente. “O Brasil é solidário, nenhum regime substituirá isso”, completou.
Segundo Guedes, a ideia é reduzir o custo dos empregos para que os mais jovens entrem no mercado de trabalho. “É ilusão achar que os jovens entram no sistema e sangram a velha Previdência. Eles não vão entrar, eles ficarão desempregados”, afirmou. “Todo o esforço é para garantir sistema atual, não para eliminá-lo.” Ele rebateu ainda declarações de deputados oposicionistas de que o sistema de capitalização não deu certo. “O que não deu certo foi o sistema de repartição. Quebrou na Grécia, em Portugal, em todo lugar”, completou.
Teto dos gastos
Guedes disse ainda que, sem a reforma da Previdência o teto de gastos não será cumprido. “O teto é intenção. Se não fizermos a reforma da Previdência, é um teto sem parede, cai”.
O ministro defendeu a necessidade de aprovação da reforma para que o Brasil volte a crescer e falou nunca ter tido a ilusão de que o país iria crescer “3% a 4%” por agora. “O Brasil é prisioneiro de armadilha do baixo crescimento por incapacidade de fazer reforma”, completou, reforçando que não há espaço para criar novos impostos.
O ministro frisou que direitos básicos não estão sendo atingidos pela reforma e disse que a antecipação do pagamento do Benefício de Prestação Continuada (BPC), em valores menores que um salário mínimo, é uma opção do beneficiário. “Isso está aberto para os senhores, confio que bom senso prevalecerá.” O ministro disse ainda entender que o tema da aposentadoria rural é importante para a bancada nordestina e afirmou que a aprovação ou não das mudanças está com os deputados.
Oposição
O líder da oposição, Alessandro Molon (PSB-RJ), disse que os deputados contrários ao governo combaterão “com todas as forças” o modelo de capitalização. Ele afirmou que concorda em discutir pontos como a criação de alíquotas progressivas para quem ganha mais, mas criticou mudanças como as alterações nas regras do Benefício de Prestação Continuada (BPC) para trabalhadores rurais e para professores.
Segundo o deputado, mesmo países que optaram pelo regime de capitalização, como o Chile, já fizeram mudanças no modelo. “Não somos contra por razão filosófica apenas, é porque não dá certo. Não deu certo em lugar nenhum”, afirmou. Como ocorreu na primeira ida de Guedes à Câmara para falar sobre a reforma, houve vários momentos de tensão com deputados oposicionistas.
Depois de mais de quase cinco horas de um debate morno, o ministro se irritou com perguntas feitas pelos parlamentares, entre elas um pedido de explicações pela deputada Perpétua de Almeida (PcdoB-AC) sobre investigação contra ele relacionada a fraudes em fundos de pensão. “O padrão da Casa é baixaria depois das 18 horas, já estou entendendo”, afirmou. “Não posso ser acusado do que vários companheiros da deputada estão sendo acusados.”
O ministro reclamou que os parlamentares estavam fazendo buscas sobre ele no Google e chegou a dizer que não reagiria a “ameaças e ofensas”, mas emendou logo em seguida: “O deputado José Guimarães [PT-CE], se ‘googlar’ dinheiro na cueca, vai aparecer alguma coisa”, numa referência a um episódio em que um assessor do deputado foi detido com dólares na peça íntima. Em sua fala, Guimarães, que é vice-líder da minoria, tinha dito que o governo não possui autoridade para falar em ajuste fiscal porque o déficit primário aumentou desde o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
Bate-boca
As respostas de Guedes irritaram a oposição, que chegou a exigir um pedido de desculpas, e desencadeou um bate-boca entre os parlamentares. Vários chegaram a se levantar e o presidente da comissão, Marcelo Ramos (PR-AM), teve que intervir quase aos gritos, pedindo calma aos deputados e ao ministro. “Vossa excelência, Paulo Guedes, sai maior daqui quanto mais enfrentar o problema da reforma da Previdência”, afirmou.
Ao criticar a proposta do governo para criar um regime de capitalização, o líder do PSOL na Câmara, Ivan Valente (SP), ergueu um grande cartaz que estampava um cheque sem valor definido. O cheque dizia “aos bancos, de Paulo Guedes” e tinha data de 1º de abril de 1964 – quando começou a ditadura regime militar. Ele ainda acusou o ministro de prestar informações falsas ao responder a um requerimento de sua autoria sobre a reforma da Previdência.
Questionado pela deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) sobre o corte de recursos nas universidades, o nível de desemprego e o ritmo lento da economia brasileira, Guedes lembrou que o partido dela apoiou os governos do PT.
“Quem fica 16 anos no poder não tem o direito de virar agora, com quatro ou cinco meses, e dizer que há milhões e desempregados, falta de crescimento”, rebateu. Ele citou ainda os rombos na Petrobras, nos Correios e nos fundos de pensão dessas estatais. “Quebraram mesmo muita coisa”, exclamou. A resposta veio acompanhada da indireta aos parlamentares cujos partidos apoiam o regime atual da Venezuela.
Por fim, acabou pedindo desculpas a Guimarães pela farpa relacionada aos dólares na cueca. O deputado disse que talvez fosse um dos poucos no plenário que não tem nenhum processo em curso no Supremo Tribunal Federal (STF) e lembrou que foi inocentado no caso. “O senhor deveria ter mais zelo pelo cargo de ministro. Reflita sobre isso, o senhor é ministro”, disse.
O ministro, então, afirmou que fazia questão de pedir publicamente desculpas ao parlamentar. Ele reconheceu que acabou desrespeitando Guimarães ao reagir a outra deputada. “Respeito quem é respeitoso. Fui desrespeitado por outra pessoa, não foi o senhor. Peço desculpas”, comentou.
(Com Estadão Conteúdo)