‘Hospitais maiores são melhores e mais eficientes’, diz Paulo Moll, da Rede D’Or
Maior grupo hospitalar do Brasil defende o modelo em rede em detrimento de estruturas verticalizadas, para melhor controle de custos e alocação de capital

Paulo Moll, de 44 anos, cresceu em um ambiente hospitalar. Não entre médicos ou macas, mas entre faturas e recibos de serviços de saúde. Ele vivia num apartamento de três quartos no bairro do Flamengo, no Rio de Janeiro, com os pais Alice e Jorge Moll e quatro irmãos. Nos primeiros anos da década de 1980, ali funcionava a parte administrativa do Grupo Labs, então um ainda discreto laboratório de análises clínicas. Eram doze funcionários entrando e saindo da residência todos os dias. Enquanto o pai lutava para colocar o negócio de pé, o pequeno Paulo passava os fins de semana ajudando como podia: carimbando guias de convênios. “É a primeira lembrança que eu tenho. A gente viveu muito o início da empresa”, disse o empresário a VEJA NEGÓCIOS. Naquele ambiente onde ele deu seus primeiros passos, nasceu também o que viria a ser a Rede D’Or: um império com 79 hospitais, uma seguradora de saúde (a SulAmérica) e mais de 55 bilhões de reais de faturamento. Saiba mais na entrevista a seguir.
A Rede D’Or surgiu a partir de pequenos laboratórios de análises clínicas fundados por seu pai no fim da década de 1970. Como foi o começo? A família sempre acreditou muito no negócio. A primeira lembrança que eu tenho é da área administrativa do Grupo Labs, então um negócio de médio porte, dentro do nosso apartamento. Foi a forma que meu pai encontrou de controlar custos. Nos fins de semana, ainda muito pequeno, lembro que eu ficava carimbando guias de convênio, ajudando no faturamento. Na época, o meu pai já tinha a visão de que o Rio de Janeiro precisava de grandes hospitais privados. Era uma carência da cidade, mas ele só conseguiu construí-los no fim dos anos 1990. Foi um movimento muito ousado, mas que deu certo.
Oficialmente, você começou a trabalhar na operação em 2002. Foi difícil assumir um negócio de família? Foi um período muito duro e de altos investimentos — apesar da dificuldade de acesso ao mercado de capitais. A gente captava recursos com prazos curtos e juros altos. Era sempre um estica e puxa para pagar a folha no fim do mês. Na minha primeira semana, conseguimos captar uma linha de crédito num banco médio de Minas Gerais. Voltamos superfelizes. Mas não tínhamos ainda a taxa — que seria altíssima. Só de conseguir o recurso já era motivo de comemoração. Enfrentávamos muitos desafios financeiros.
Quando a Rede D’Or deu um salto em sua operação? Atingimos um nível de maturidade em 2010 e fizemos uma operação de debêntures conversíveis com o BTG Pactual. Efetivamos a compra da Rede São Luiz e entramos em São Paulo. Depois, tivemos fôlego com a entrada do Fundo Soberano de Singapura (GIC), em 2015, e do fundo Carlyle, em 2018, até o IPO (oferta pública de ações), em 2020. Sempre mantendo as nossas convicções e não tendo receio de tomar decisões diferentes daquelas que a maioria das outras empresas ou que o mercado estavam adotando.
Quais foram essas decisões do mercado que vocês não acompanharam? De 2020 em diante, aconteceram aquisições bilionárias dentro do setor, das quais a gente não participou, entendendo que não ofereciam o retorno adequado. Redirecionamos o nosso foco para um crescimento orgânico.
“Não vamos nos internacionalizar. Nossa energia está focada na expansão dentro do Brasil”
O setor viveu esse boom de aquisições e agora está mais parado. A que se deve isso? Há alguns anos, o custo de capital no Brasil estava muito baixo, acompanhando a taxa de juros. Como consequência, muitas empresas foram precificadas com valuations esticados. Abrimos o capital em bolsa mais valorizados do que se fosse hoje. Quando os retornos comprimiram, porque existia uma competição maior pelos ativos devido à concorrência, voltamos a nossa energia para a expansão orgânica. Mas fizemos algumas aquisições, sim, de hospitais de tamanho médio onde não enfrentamos competição.
A Rede D’Or avalia novas aquisições? Não temos problema nenhum em enfrentar pressão e questionamentos pelo fato de não estarmos tão ativos no mercado quanto sugere nosso histórico, mas as aquisições estão a preços que não permitem retornos adequados. Temos disciplina de capital, porque estamos sempre sujeitos a choques na taxa de juros, como vimos recentemente. Muitas empresas que estavam expostas, altamente alavancadas, acabaram tendo uma dificuldade bastante grande. No momento em que os preços caírem, não teremos problemas em acelerar o crescimento inorgânico.
Presente em treze estados, além do Distrito Federal, qual é a próxima fronteira de expansão? Não queremos nos internacionalizar. Nossa energia para os próximos anos está focada em executar um plano de expansão expressivo no Brasil. Eventualmente, podemos ter oportunidades em estados onde não atuamos, mas nosso foco é em locais onde já temos presença.
A Rede D’Or cresce com pouco dinheiro emprestado, ao contrário dos principais concorrentes. Qual é o segredo? Não tem segredo. A nossa posição hoje é fruto de um trabalho consistente de décadas. Meus pais foram ter alguma reserva fora da operação só em 2010. Até então, tiravam o suficiente para pagar as contas e o resto era tudo reinvestido no negócio. Tínhamos pouco acesso a capital, então eles avalizavam tudo na pessoa física. Até o apartamento onde minha mãe vive hoje, na Lagoa Rodrigo de Freitas, esteve em risco em algum momento, dado como garantia a empréstimos para a empresa. Eles colocaram tudo em risco e mais um pouco. Isso nos deu muita disciplina na nossa atual alocação de capital e no compromisso com o longo prazo da companhia.
No setor, muito se fala em hospitais verticalizados, vinculados a uma operadora de saúde, para otimização de custos, o que não é o caso de vocês. Por que não foram por esse caminho? É muito importante que redes verticalizadas, que atuam no mercado de baixo ticket, consigam ter um absoluto controle de tudo o que está sendo ofertado aos clientes para que possam oferecer produtos na casa de 200 ou 300 reais, mas não estamos competindo por esse mercado de preço baixo. A gente quer ter preferência pela qualidade.
Ao recusar o modelo de verticalização, o grupo optou por atuar em rede. Quais as vantagens disso? No Brasil, o tamanho médio de um hospital é de sessenta leitos, o que torna muito difícil ter eficiência, capacidade de investimento, equilíbrio financeiro e qualidade. Muitos estão, infelizmente, fechando as portas. Nos últimos dez anos, o país perdeu cerca de 500 hospitais privados. Por isso, precisamos de hospitais maiores e mais modernos. Ao operar em rede, temos uma redução de custo muito importante nas áreas administrativas e na aquisição de insumos, em função da escala. Assim, a gente libera recursos para investir em outras frentes. Temos capacidade de fazer hospitais mais eficientes porque são maiores.
Por que é mais difícil operar um hospital pequeno? Na Rede D’Or, só 4% da nossa receita vai para o pagamento do centro de serviço compartilhado. Um hospital individual, com sessenta leitos, chega a gastar 15% nessa frente. Quando você libera esse gasto, consegue investir em melhores experiências para médicos e pacientes. O país precisa disso.
O presidente americano, Donald Trump, anunciou uma tarifa de 50% sobre as exportações brasileiras. Em caso de reciprocidade, a taxação de produtos americanos afetaria a Rede D’Or? Nossos contratos de insumos são de longo prazo e determinados em reais, com multinacionais que atuam no Brasil. Então (uma reciprocidade) não deve impactar. Já para importação de grandes equipamentos, renovação de parque tecnológico, com uma mudança de alíquota, obviamente aumentaria o custo do meu investimento. Mas temos fornecedores no mundo inteiro. Há alternativas no Japão ou na Europa.
“No Brasil, o tamanho médio de um hospital é de sessenta leitos, o que torna difícil ter eficiência e qualidade”
Em 2022, a Rede D’Or adquiriu a seguradora SulAmérica. Ainda há sinergias a explorar? Temos oportunidades. Estamos no início de uma revolução tecnológica com a ascensão da inteligência artificial. Isso vai permitir que a gente ganhe eficiência, principalmente em tarefas administrativas. Na seguradora, a gente fez um esforço bastante grande de redução de custos e redesenho de produtos. Incentivamos a venda de planos com coparticipação. Isso nos dá a possibilidade de oferecer planos mais competitivos.
A relação entre hospitais e operadoras de saúde nem sempre é harmoniosa. Como lidam com isso? No Brasil e no mundo, essa é uma fricção histórica. As negociações de pagamento, reajustes e glosas são sempre muito duras. Mas estamos caminhando para uma relação mais equilibrada. O fato de atuarmos nas duas pontas nos dá tranquilidade: quando um lado está pressionado, o outro está melhor. É uma relação espelhada.
O grupo reduziu em 21% sua projeção de entrega de novos leitos hospitalares de 2025 a 2028, passando de 4 036 para 3 203 leitos. A que se deve esse movimento? A gente espera um ciclo de queda da taxa de juros, mas esse movimento não teve nada a ver com custo de capital. Na realidade, tivemos que fazer adequações de contratos comerciais. No pós-pandemia, algumas operadoras que não tinham reservas enfrentaram dificuldades. Por isso, a gente acabou reduzindo parcerias e até descontinuando algumas. Isso adiou o nosso plano de expansão.
Publicado em VEJA, julho de 2025, edição VEJA Negócios nº 16