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Igreja queria lucrar R$ 1 bi com Netflix e ficou no prejuízo na Justiça

Igreja Templo Planeta do Senhor pediu indenização por causa do especial de Natal do Porta dos Fundos, mas desistiu do processo pelo valor das custas

Por Josette Goulart Atualizado em 27 jul 2020, 12h49 - Publicado em 27 jul 2020, 09h58

Se processar, não peça um bilhão de reais. O dirigente da igreja Templo Planeta do Senhor aprendeu da pior forma que não se pode ir à Justiça pedir uma indenização bilionária, sem estar disposto a correr o risco das decisões judiciais e a desembolsar alguns milhares de reais. A igreja, certa de que teria o benefício da Justiça gratuita, pleiteava uma indenização de nada mais, nada menos do que 1 bilhão de reais da Netflix e da produtora Porta dos Fundos por causa do polêmico especial de Natal da produtora, A Primeira Tentação de Cristo, que foi ao ar no fim do ano passado. Anselmo Ferreira de Melo da Costa, presidente do Templo e advogado do processo, diz na ação que se sentiu desrespeitado na sua fé cristã quando o filme fez uma representação de um Jesus Cristo homossexual. Seis meses depois, o processo já chegou ao fim, antes mesmo que a Netflix e o Porta terem sido notificados oficialmente de sua existência. O Templo desistiu porque a juíza do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Patrícia Conceição, não deu o direito da Justiça gratuita. Como almejava o bilhão, a conta das custas do processo ficou cara e a igreja tomou um prejuízo de 82 mil reais. E se quiser recorrer, vai dobrar o prejuízo. Como diz a Bíblia em Provérbios 28:20, quem tenta enriquecer-se depressa não ficará sem castigo.

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Pode-se dizer que a conta ainda saiu barata para a igreja porque se a Netflix ou o Porta dos Fundos tivessem sido notificados, o Templo teria ainda que pagar os honorários dos advogados das empresas. E esses custos é que são caros de verdade. Quem vai até o fim de um processo e perde, pode ter que pagar até 10% do valor da causa a título de honorário. As altas custas são um dos motivos que levam as pessoas a desistirem de processos bilionários, para o alívio das empresas que são acionadas na Justiça.

Foi assim que a Philips do Brasil respirou aliviada em 2014, quando um ex-vereador de uma pequena cidade no Piauí desistiu de um processo de 7 bilhões de reais contra a empresa por medo das custas caso perdesse. Ele pedia indenização correspondente a dívida interna e externa do estado do Piauí por causa de uma declaração do então presidente da Philips, Paulo Zottolo. Lá por 2007, Zottolo disse em entrevista ao jornal Valor Econômico, que “se o Piauí deixar de existir ninguém vai ficar chateado”. Além da indenização, o vereador queria que a Philips ficasse por 30 anos publicando na mídia mundial um pedido de desculpas. O caso mobilizou a direção global da empresa que acompanhou o processo de perto. 

A jurisprudência no Brasil é favorável às empresas e entre os juízes não se consolidou a ideia do valor punitivo de uma indenização, para impedir que empresas perpetuem comportamentos considerados inadequados, com isso, os empresários por aqui dormem mais tranquilos do que em outros países. Segundo o advogado Ricardo Tepedino, do escritório Tepedino Berezowski Poppa Advogados, há anos o judiciário nega indenizações de valores vultosos e as empresas, em geral, não fazem sequer provisão em balanço nestes casos. De qualquer forma, ele diz que processos desse tipo quando são noticiados acabam afetando, por exemplo, o valor das ações das empresas que são abertas em bolsa pelo medo dos investidores. Nos Estados Unidos, os pedidos de indenização preocupam mais já que por lá são famosos os casos de pagamentos bilionários feitos pelas empresas. 

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Equívocos no processo

No caso do processo da igreja contra a Netflix, apesar de a jurisprudência mostrar que se houvesse uma indenização passaria longe da casa do bilhão, há uma outra discussão importantíssima para os negócios da empresa: a liberdade de expressão. A igreja Templo Planeta do Senhor também pediu a retirado do filme do ar. E abriu dois processos. Um em São Paulo e outro no Rio de Janeiro. No Rio, outra organização religiosa, a associação católica Centro Dom Bosco de Fé e Cultura, também pediu a retirada do filme e a Justiça autorizou. A questão foi parar no Supremo Tribunal Federal e o presidente do STF, Dias Toffoli, derrubou a liminar dizendo que não se deve descuidar do respeito à fé cristã, mas não pode se supor que uma sátira humorística tenha o poder de abalar a fé que existe há 2 mil anos. 

A polêmica com o filme tomou grandes proporções. Um dos famosos mais ofendidos foi o deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho do presidente que chegou a se manifestar em sua conta nas redes sociais dizendo se valia pena atacar a fé de 86% da população. No processo bilionário, o Templo do Senhor usou como argumento o ataque aos 86% de cristãos. O processo deu tão errado, que até o nome do filme estava equivocado na petição. A igreja reclamou do Se Beber, Não Ceie por retratar um Jesus Cristo homossexual. Mas neste especial, de 2018, Jesus era retratado em uma festa com seus discípulos regada a bebedeira, fato aliás que não gerou nenhuma revolta da igreja. O especial de Natal de 2019, A Primeira Tentação de Cristo, foi inspirado no lapso temporal relatado na Bíblia em que Jesus Cristo ficou 40 dias no deserto meditando e teria sofrido todo tipo de tentação. Ao voltar do deserto, Jesus, interpretado por Gregório Duvivier, vai para sua festa surpresa de 30 anos com Orlando, interpretado por Fábio Porchat, que dá a entender que os dois viveram um caso amoroso. 

O problema da igreja Templo Planeta do Senhor é que só depois que a juíza questionou a legitimidade da igreja em receber a indenização e o motivo de pedir valor tão alto é que ela fez um aditamento ao processo dizendo que distribuiria o dinheiro a instituições de caridade. A juíza também pediu que a igreja mostrasse seus balancetes para provar que de fato merecia a Justiça gratuita, o que não aconteceu. Quando negou a Justiça gratuita, a juíza Patrícia Conceição ordenou o pagamento das custas processais para que o processo continuasse. O ex-presidente da OAB de São Paulo, Marcos da Costa, explica que no Tribunal de Justiça de São Paulo as custas iniciais são fixadas em 1% do valor da causa com o limite de 3 mil Ufesps, que é um tipo de moeda de conta. Hoje este valor está em 82 mil reais.

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Diante da decisão, entrou com um pedido de desistência do processo, porque não tem dinheiro para arcar com a conta, já que vive só do dízimo de simpatizantes. Além disso, pediu para reduzir o valor da causa para 100 mil reais. A juíza disse que desistir do processo era um direito da igreja, mas pedir para reduzir o valor da causa só para pagar menos, não.  O templo recorreu para o Tribunal para tentar reduzir o valor da causa e lá esbarrou de novo no custo: Costa explica que quando se recorre de uma sentença, a parte precisa pagar novas custas processuais, desta vez de 4% ou o limite de 82 mil reais. E o Tribunal rejeitou o recurso porque a igreja não pagou essas novas custas. Resultado: o caso transitou em julgado, ou seja, acabou, e a igreja terminou com uma dívida de 82 mil reais. O advogado e presidente do templo foi procurado pelos contatos que informou no processo, mas não deu retorno à reportagem. 

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