Em 2020, segundo a Organização Mundial do Comércio, o Brasil se consolidou como o maior exportador agropecuário líquido do mundo — ou seja, deduzidas as importações, ele é o primeiro do ranking, superando gigantes como Estados Unidos e China. Por outro lado, o país é, de forma recorrente, acusado de alavancar sua produção à custa do desmatamento da Amazônia e outras regiões, como o Cerrado. Evidentemente, existem fazendeiros inescrupulosos que derrubam florestas para expandir suas plantações e áreas de pasto — VEJA tem denunciado com frequência esses criminosos. Em outras ocasiões, porém, tais denúncias são exageros, em que acusadores têm mais interesse em amplificar problemas do que buscar soluções. Isso já aconteceu no passado quanto ao uso de transgênicos, de defensivos agrícolas (os famosos agrotóxicos) e agora ganha corpo com relação à produção de proteína animal, como revela recente embate entre a ONG Greenpeace e a maior processadora de carnes do mundo, a JBS.
VEJA teve acesso exclusivo a uma recente troca de mensagens entre o Greenpeace e a JBS, na qual a ONG informa que um relatório sobre a empresa está para ser emitido e pede esclarecimentos em dezoito casos de supostas ligações do grupo com fornecedores irregulares de gado. Tais criadores engordariam os animais em áreas desmatadas para depois transferi-los a fazendas regularizadas, de onde seriam vendidos ao grupo, ocultando assim a origem.
A partir desse primeiro contato, iniciou-se uma troca de mensagens nas quais a JBS diz que não tem como prestar esclarecimentos sobre infrações que desconhece, enquanto o Greenpeace insiste na acusação, sem maiores detalhes. A certa altura, a ONG informa que, por meio de uma busca no Google, encontrou reportagens com denúncias contra uma suposta fornecedora, a Fazenda Bonsucesso, em Corumbá (MS). A JBS nega qualquer ligação direta com a propriedade e considera que análises superficiais não condizem com os critérios da legislação brasileira. A empresa assegura que suas fornecedoras diretas, atualmente 30 000, estão em condição regular e que outras 9 000 foram descartadas por não cumprir as normas. Diz ainda que, por sigilo jurídico, não tem acesso aos fornecedores de seus fornecedores.
É muito importante, crucial mesmo, o país manter a vigilância sobre as áreas desmatadas e seu meio ambiente. Mas esse processo deve acontecer de forma correta, legal, apontando claramente os problemas, para que eles, de fato, sejam solucionados. Denúncias vazias, sem evidências concretas, causam hoje um prejuízo inestimável para as exportações brasileiras. Detalhe: num momento em que outros interesses lá fora (e, infelizmente, o governo aqui dentro) vêm se movimentando para minar nossa credibilidade.
Procurado por VEJA, o Greenpeace, que no passado já fez denúncias sem provas, não revela o teor do relatório, mas ressalta que a JBS não cumpriu o prazo para implantar o sistema de monitoramento de gado em toda sua cadeia de produção e ainda pediu uma extensão de cinco anos — algo pactuado entre o governo e todas as empresas do setor. “O mundo não tem esse tempo. A Amazônia e outros biomas insubstituíveis, como o Pantanal e o Cerrado, já estão virando cinzas”, diz a ONG em nota. Em 2017, o Greenpeace Brasil se retirou das discussões do Compromisso Público da Pecuária na Amazônia, assumido pela JBS e outras duas empresas, alegando como impedimento acusações de corrupção à holding controladora do grupo. O diálogo acabou comprometido e, sem avanços, as animosidades entre as partes só recrudesceram.
Além das ONGs, líderes políticos estrangeiros também têm se valido de acusações genéricas para atacar a produção brasileira. Recentemente, o presidente francês Emmanuel Macron apontou a produção de soja como um impulsionador do desmatamento na Amazônia e usou a acusação como pretexto para anunciar um plano de produção de soja na França, iniciativa aclamada pelos agricultores locais. Balela. Não é a soja que impulsiona o desmatamento na Amazônia, mas tudo bem. Considerando a competitividade brasileira, é provável que a ameaça de Macron não tenha nenhum impacto prático sobre a produção ou exportação brasileira. Apenas provoca mais turbulência e acirramento de ânimos — exatamente o que a indústria da gritaria deseja.
Publicado em VEJA de 27 de janeiro de 2021, edição nº 2722