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João Amoêdo: ‘Está se criando o clima político para o impeachment’

Presidenciável nas eleições de 2018, o fundador do Novo critica reforma tributária e diz que vai para as ruas pelo impedimento de Jair Bolsonaro

Por Felipe Mendes Atualizado em 15 jul 2021, 17h34 - Publicado em 15 jul 2021, 17h11

Cofundador do Partido Novo, o engenheiro e administrador de empresas João Amoêdo se tornou um crítico contumaz do governo federal. Desde março de 2020, o ex-banqueiro tem se posicionado a favor da abertura do processo de impeachment do presidente Jair Bolsonaro. Com o governo envolto a acusações de corrupção, ele já enxerga clima político para a interrupção do mandato. Em 2018, quando recebeu mais de 2 milhões de votos nas eleições presidenciais, Amoêdo foi visto por muitos como o verdadeiro representante de uma política liberal, cuja campanha pregava pela privatização de todos os serviços públicos e por uma simplificação tributária. Hoje, o empresário é cético quanto às propostas capitaneadas pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, sobretudo a reforma tributária. “É mais uma reforma mal projetada, mal definida e malconduzida”, diz, em entrevista a VEJA. Para ele, Bolsonaro aproveitou para “surfar” uma onda liberal nas eleições de 2018, mas isso fez parte apenas da retórica e não do governo do atual presidente.

Na última semana, o Partido Novo anunciou apoio à abertura do processo de impeachment do presidente Jair Bolsonaro. Qual é a posição do senhor? Acho que temos de separar o meu posicionamento e a posição do Novo. Eu peço a abertura do impeachment do Bolsonaro há mais de um ano, porque comecei a ver vários crimes de responsabilidade no governo. Isso passa pelo apoio às manifestações antidemocráticas, ofensas a outros países, uma série de crimes que foram se acumulando ao longo do processo. Depois veio, toda a investigação que a CPI da pandemia está trazendo. Mas, lá atrás, eu já entendia que havia argumentos mais do que necessários, pelo menos, do ponto de vista jurídico, para a abertura do processo. O que não havia ainda era o clima político.

E hoje há esse clima? Acho que a tese do impeachment tem ganhado força. Está se criando o clima político para isso. Eu entendo que a reconstrução do Brasil começa por um pedido de impeachment do Bolsonaro. A gente não vai sair dessa polarização enquanto não acontecer a saída dele do governo, devido a tudo que ele tem feito e, sobretudo, pelo que não tem feito. Agora, o partido amadureceu essa tese com o acúmulo de crimes cometidos pelo presidente.

Qual é a sua função no Novo atualmente? Na verdade, não tenho participação alguma. Eu havia sido convidado para sair como pré-candidato, mas depois a coisa não ficou muito clara, e eu acabei desistindo. Hoje, não tenho nenhum cargo no partido, estou só como filiado.

E qual será a função do senhor nas próximas eleições? Eu tenho procurado trabalhar na ajuda da construção de uma terceira via. Como eleitor e como alguém que tem dedicado um bom tempo à política nos últimos anos, ainda que do lado de fora, eu não gostaria de ver a gente ter de optar entre o Lula e o Bolsonaro. Então, tenho trabalhado nisso, na construção de uma proposta para o Brasil, de esperança, de criação de riqueza, de preservação do meio ambiente, e um ambiente onde a gente possa, de fato, ter diálogo. Hoje, nós temos uma polarização muito forte e precisamos sair disso. A primeira tarefa nesse sentido é o impeachment.

Para impossibilitar o Bolsonaro de concorrer à reeleição? Sim. Mas, além disso, para trazer o país de volta à racionalidade, ao diálogo. E acho que o impeachment também permitiria o surgimento de outras candidaturas. A visão que eu tenho, hoje, é que no fundo o Lula se alimenta da rejeição do Bolsonaro, e vice-versa. Com isso, a gente acaba perdendo a racionalidade, a busca de ideias e propostas para o Brasil. Nesta guerra de opostos, não há construção. Isso também me incomoda.

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O senhor irá participar das manifestações convocadas pelos movimentos MBL e Vem Pra Rua em setembro? Sim. Eu acho importante que a gente tivesse uma manifestação que não fosse algo partidário, porque as últimas tiveram muita bandeira vermelha, uma coisa de “comício do PT”, e eu acho que essa é uma para que possa ir toda a população, como aconteceu em 2013, onde as pessoas puderam se expressar tranquilamente, sem brigas e agressões, como ocorreram, inclusive, na última manifestação. Tenho apoiado e certamente vou estar presente.

Hoje, há vários pré-candidatos postulando o espaço da terceira via nas eleições de 2022. Fala-se, por exemplo, no nome do Ciro Gomes, do Luiz Henrique Mandetta, do João Doria e do Sergio Moro. Essa pulverização pode atrapalhar? Eu diria que a densidade eleitoral dos dois [Bolsonaro e Lula] é muito alta, e por motivos diversos. Um é o atual presidente da República e o outro foi presidente durante muitos anos. É muito difícil que algum outro nome possa capturar isso. Quando se tem esse clima de polarização, a coisa fica muito restrita. A leitura que eu tenho é que, se continuar dessa forma, teremos um cenário em que o primeiro turno das eleições já será o segundo, porque vamos ver novamente a tese do voto pela rejeição. O processo de impeachment serve para que se comece uma reconstrução no país, para que a gente possa voltar a ter uma discussão mais racional.

A discussão racional que o senhor diz é sobre o enfrentamento de problemas supra eleitorais, como as reformas? A tributária, por exempo, está andando, apesar de algum incômodo por parte dos empresários, certo? Sim. Mas o que tem me chamado a atenção no processo desta dita reforma tributária é, primeiro, a falta de planejamento do governo. Depois de dois anos e meio de mandato, vem uma proposta fatiada, que o Paulo Guedes diz que era apenas um primeiro ensaio, para depois começar uma negociação. Essa falta de previsibilidade e de um detalhamento maior, de precisão com o que está sendo apresentado, demonstra falta de segurança por parte do governo. Outra coisa que me incomoda muito é porque a gente sempre defendeu uma reforma tributária que trouxesse simplificação dos tributos, dada a complexidade que a gente tem para calcular a carga tributária no Brasil. Mas isso não está acontecendo. Foi deixada de lado a ideia de se acabar com ICMS, PIS e Cofins e transformar tudo num único imposto sobre valor agregado. Veio na verdade uma briga de alíquotas. O que não ficou claro e que gerou a rejeição de boa parte das pessoas, especialmente do empresariado, é que de fato, num primeiro momento, houve um aumento de impostos para quem empreende e nenhuma simplificação no processo. Então, assim, a minha visão é de que a proposta é muito ruim.

Essa complexidade pode fazer com que alguns grupos pleiteiem um tratamento diferenciado? Quando o governo não apresenta um projeto claro ou vem algo muito complexo, essa proposta começa a ser remendada com base nas pressões setoriais. Por conta da pressão de um ou outro determinado grupo, a conta acaba sempre sobrando para os mais pobres, que não têm como fazer essas pressões. Então, eu acho ruim todo esse processo, não só a proposta em si, mas a forma pela qual o projeto tem sido costurado. É mais uma reforma mal projetada, mal definida e malconduzida, infelizmente.

Dá para dizer que o mercado financeiro já abandonou o discurso liberal do governo? O discurso ficou nisso, só no discurso. Na prática, não foi isso que a gente presenciou. A leitura que eu faço de fora é que os resultados positivos da bolsa de valores, por exemplo, vêm do excesso de liquidez. A conjuntura de taxa de juros muito baixa, o crescimento das commodities e o excesso de liquidez trouxeram resultados positivos para os investidores, mas isso não necessariamente se reflete na economia real. Estruturalmente, a gente pouco evoluiu. Talvez esse cenário comece a mudar o humor do investidor. E agora nós temos algo que sempre nos preocupou que é a inflação, que está voltando mais forte e vai fazer com que os juros se elevem. A gente pode entrar numa situação de taxas mais elevadas, dívidas mais altas e sem ter feito as mudanças estruturais de que precisávamos. Das reformas mais importantes, a única que avançou foi a da Previdência, que já estava praticamente entregue pelo governo Temer.

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Se o senhor tivesse sido eleito em 2018, como teria sido a condução do país em relação ao combate à Covid-19? Eu teria feito o inverso de tudo que ele fez. Teria colocado a gravidade da situação para a população desde o princípio. Montaria um grupo multidisciplinar, com gente da economia, médicos e epidemiologistas para olhar o que os países do Oriente estavam fazendo para lidar com o vírus, coisa que o Bolsonaro não fez. E teria adquirido as vacinas. Desde que começou a pandemia, todos sabíamos que só iriamos nos livrar disso quando aparecessem as vacinas. É óbvio que ele [o Bolsonaro] deveria ter comprado vacinas de mais lugares e deveria ter incentivado as pessoas a se protegerem e praticar o isolamento social, como fizeram as principais lideranças mundiais. Mas não. Ele chamou de ‘gripezinha’, disse que quem fosse saudável não iria pegar, e, em vez de criar protocolos e trabalhar de forma integrada com estados e municípios, deturpou uma decisão do Supremo e se eximiu de tomar qualquer iniciativa em relação à pandemia. Para piorar, ele ainda fez a apologia de remédios para tratamento precoce, coisa que não existe. Então, todas as etapas foram erradas. Ele errou rigorosamente em toda a condução da pandemia.

Se pudesse voltar atrás, ainda assim o senhor endossaria o voto no Bolsonaro para o segundo turno das eleições de 2018? O voto que eu fiz no Bolsonaro era basicamente um voto anti-PT. Eu não acreditava que o Bolsonaro fosse fazer uma grande entrega, dado o histórico dele como deputado federal. Ele só ganhou visibilidade em cima de polêmicas, como foi com a Maria do Rosário e com o Jean Wyllys, ou quando elogiou torturadores. Então, eu era cético em relação à capacidade dele e até tinha um receio de que ele fizesse com que o PT voltasse mais forte. Mas, naquele momento, dado todos os escândalos de corrupção envolvendo o PT, eu entendi que não dava para sinalizar para a sociedade que a gente ia referendar aquilo. O que me surpreendeu, no caso do Bolsonaro, não foi o que ele deixou de fazer, mas sim o que ele fez. Assumiu a vontade de se candidatar à presidência novamente e passou a trabalhar única e exclusivamente pela reeleição e para a proteção dos negócios irregulares feitos pelos filhos. Além disso, aparelhou as instituições do Estado e, mais recentemente, teve essa gestão horrorosa na pandemia. Hoje, olhando tudo que ele fez, seria mais fácil tomar uma decisão. Mas eu não teria votado no PT do mesmo jeito.

E num eventual segundo turno entre Bolsonaro e Lula em 2022? A minha tendência seria anular o voto para não endossar nenhum deles.

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