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Kit intubação pode faltar de novo com nova onda de Covid, alertam médicos

Temor de especialistas é baseado no receio pelo aumento de casos, na alta demanda, nos preços maiores, na falta de reposição dos estoques e até no inverno

Por Diego Gimenes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 20 Maio 2021, 17h53 - Publicado em 19 Maio 2021, 09h52

A crise da falta de medicamentos do chamado kit intubação é um dos pontos mais dramáticos da pandemia de coronavírus no Brasil. Entre os meses de março e abril, médicos de hospitais do país inteiro suplicavam pela entrega de relaxantes e anestésicos — essenciais para a manutenção adequada da ventilação mecânica dos doentes –, e relatavam a terrível experiência de intubar pacientes sem os devidos cuidados. Isso sem mencionar os que morreram à espera da liberação de um leito de UTI. Definitivamente, são cenas que não devem, em hipótese alguma, se repetir. Contudo, os médicos que atuam na linha de frente do combate à doença alertam para os baixos estoques e para uma combinação de fatores que pode resultar num novo aumento na demanda por esses itens.

No Hospital das Clínicas, em São Paulo, o ápice da crise foi no mês de abril, quando os farmacêuticos informavam aos médicos que os itens do kit intubação estavam se esgotando. Uma das alternativas encontradas pelo corpo clínico do hospital foi classificar os medicamentos por prioridades, ou seja, na falta de um “plano A”, partia-se para um “plano B”, e, assim, sucessivamente. Não faltaram sedativos e anestésicos para os pacientes, mas a situação ainda inspira cuidados. “Não está normalizada”, revela a médica coordenadora da UTI de infectologia do HC, Ho Yeh Li, sobre a reserva desses itens no hospital.

Os estoques apertados fizeram as equipes implementarem uma nova cultura nos leitos de enfermaria e UTI do hospital, em que a ordem é “evitar desperdício” e não fazer uso prolongado dos medicamentos sem necessidade. Todavia, o discurso não garante a disponibilidade dos remédios a longo prazo. “O sistema não aguentaria uma terceira onda porque, diferentemente de 2020, quando a ocorrência de outros eventos foi menor por causa do isolamento social, a circulação de pessoas, o número de acidentes e a aparição de outras enfermidades aumentou, então há competição por esses medicamentos”, receia Yeh Li.

A médica coordenadora da UTI de infectologia do Hospital das Clínicas ainda alerta para um possível desabastecimento de anticoagulantes e corticoides em função da alta demanda, além de medicamentos antimicrobianos, necessários para evitar a contaminação dos pacientes nos hospitais, uma vez que o tempo de internação por Covid-19 costuma ser longo. A chegada do inverno e o aparecimento de outras doenças respiratórias também incidem no maior uso de sedativos e anestésicos para tratar, por exemplo, uma pneumonia.

Prova do cenário de enorme insegurança é o novo aumento na taxa de ocupação de leitos de UTI em São Paulo. Segundo um levantamento realizado pelo Sindicato dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios do Estado de São Paulo (Sindhosp) entre os dias 11 e 17 de maio, 85% dos hospitais estão com ocupação de UTIs acima de 80%, um crescimento de 7,5% em relação à coleta anterior, divulgada em 30 de abril. Ainda de acordo com a pesquisa, 85% dos hospitais possuem estoque de remédios do kit intubação para pacientes com Covid-19 somente para 10 ou 15 dias.

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A nível nacional, a Confederação Nacional de Municípios (CNM) fez uma coleta de dados entre os dias 10 e 13 de maio com 3.051 municípios. Destes, 559 locais, ou 18,3% do total, alegaram que, durante a semana, havia risco iminente dos hospitais de sua região ficarem sem medicamentos do kit intubação. “Há um aumento no número de pacientes internados, uma necessidade maior pelos produtos e o tempo médio de hospitalizações crescente, ou seja, há uma tempestade em formação que pode provocar novamente a falta desses materiais”, analisa Francisco Balestrin, presidente do Sindhosp. Sobre uma possível terceira onda de infecção, o médico não esconde a preocupação. “Não seria bom que acontecesse, as cenas de março e abril poderiam se repetir”.

Diante do cenário de incertezas e dos baixos estoques de medicamentos, a Federação das Santas Casas e Hospitais Beneficentes do Estado de São Paulo (Fehosp) realizou, somente no mês de maio, três grandes compras de kit intubação oriundos da Índia e da China. A previsão de entrega é de 20 a 30 dias após assinatura de contrato. “Os países exigem o pagamento inteiramente adiantado para depois liberarem a carga. Há uma certa desconfiança”, diz Edson Rogatti, diretor-presidente da instituição. Segundo ele, as Santas Casas e Hospitais Beneficentes do estado ainda enfrentam a insuficiência desses itens. “Podemos ter uma terceira onda muito agressiva e não houve nenhum planejamento de compra ou importação antecipada desses medicamentos por parte das autoridades”, conclui.

Outro entrave para a compra de kit intubação é o custo. O Índice de Preços de Medicamentos para Hospitais (IPM-H), calculado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) em parceria com a Bionexo, indicou que o item com maior índice de aumento de custo em abril foi o relaxante muscular midazolam, subindo 894% em relação ao período pré-pandemia. Já o preço do bloqueador neuromuscular cisatracúrio disparou 766% no mês, evidenciando uma alta descomunal de itens essenciais para sedação e anestesia.

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De acordo com a Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde), em apenas um ano, a caixa de propofol com ampolas de 20 ml, usada para sedação, subiu de 28,70 reais para 183 reais. O preço do atracúrio de 10 mg/ml, que também faz parte do chamado “kit intubação”, foi de 32,10 reais para 195 reais. Já o relaxante muscular rocurônio saiu de 33,33 antes da pandemia para 202 reais no ápice da crise. Para se ter uma noção da importância desses medicamentos, a CNSaúde constatou que a média de utilização do rocurônio disparou 2.233%. Antes, eram usados 150 frascos por mês e, agora, a demanda chega a 3.500 frascos por mês.

No Brasil, um dos maiores fabricantes de sedativos e anestésicos é o Laboratório Cristália, que produz 21 dos 30 itens do kit intubação e lidera o mercado de anestésicos na América Latina. Em nota para a VEJA, a empresa ressalta que “o preço de todos os medicamentos produzidos no país é tabelado pela Câmera de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED)”. O laboratório ainda alega que o ritmo de produção passou de 4,2 milhões de unidades por mês, em 2019, para 16 milhões de unidades por mês em 2021, e que as entregas, antes mensais ou trimestrais, passaram a ser semanais.

Em março, o Ministério da Saúde solicitou a requisição administrativa de toda a produção nacional para abastecer os hospitais públicos. A ação, considerada tardia em vista que apenas o estado de São Paulo enviou nove ofícios à pasta alertando para a gravidade da situação, ainda prejudicou o abastecimento dos hospitais privados. O colapso atingiu em cheio tanto os hospitais públicos quanto os particulares. “Agora, em maio, a distribuição de laboratórios brasileiros foi retomada, mas a um ritmo conta-gotas. Talvez estejam satisfeitos com o estrago que fizeram”, afirma Balestrin, presidente do Sindhosp. Durante o ápice da crise, era comum os hospitais emprestarem medicamentos entre si.

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Outra tônica da pandemia que também atinge o setor é a necessidade de Insumos Farmacêuticos Ativos (IFAs) importados para a produção de alguns dos medicamentos do kit intubação. “O Brasil tem grande dependência de insumos indianos e chineses. Se tivermos uma nova onda de Covid-19, vamos partir de um platô muito alto de internações e com um cenário incerto de produção”, avalia Suzana Lobo, diretora-presidente da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB). O relaxamento das medidas de restrição nos estados diante de uma crise ainda gravíssima e da ocupação de leitos em patamares elevados preocupa a médica. “O cenário de estoques é crítico e de alto risco de piora em todas as regiões do país. A circulação nas ruas e as variantes mais transmissíveis do coronavírus aumentam o número de pessoas expostas”.

Para atenuar as instabilidades, o Ministério da Saúde adquiriu, no último dia 10 e com o apoio da Organização Panamericana da Saúde (Opas), vinculada à Organização Mundial da Saúde (OMS), 4,5 milhões de medicamentos do kit intubação, a um custo de 17 milhões de dólares (88,9 milhões de reais). As remessas devem ser entregues até o final do mês de maio. O objetivo da pasta é criar uma “reserva reguladora” de 9 milhões de medicamentos para evitar o desabastecimento. Atualmente, o ministério não possui estoque de kit intubação, uma vez que as cargas são diretamente repassadas aos estados pela gravidade da crise.

Ponto comum entre os especialistas é que a escassez de medicamentos é mais uma das inúmeras crises que o país enfrenta durante a pandemia. “Os gestores demoraram a entender que a pandemia não passaria em três ou quatro meses. Não houve preparo adequado para as sucessivas ondas e eu não sei se a sociedade aprendeu com isso”, afirma Yeh Li. É preciso lembrar que meses atrás chegaram a faltar máscaras, álcool em gel, equipamentos de proteção, agulhas e seringas. Sem falar na demora para o ritmo de imunização no país acelerar. Enquanto a vacina não chegar ao braço da maioria dos brasileiros, os melhores remédios de combate à pandemia e de prevenção às hospitalizações são o uso extensivo de máscaras e o distanciamento social.

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