Luciana Salton: Sobrenome não garante emprego
A diretora executiva da vinícola que leva o sobrenome de sua família fala de sua atuação e do grande impacto da quarentena no mercado de vinhos
Sou da quarta geração na vinícola gaúcha Salton e a primeira mulher no cargo de direção, ao lado dos meus dois primos, o Maurício, na presidência, e o Gregório, enólogo. O fato de ser mulher, no entanto, não interfere em absolutamente nada. Não há marketing positivo em torno disso, tampouco preconceitos. Não há protecionismo. Temos um lema entre nós, quase um mantra: sobrenome não garante emprego. Estou aqui, na posição que ocupo, porque quis e me preparei para isso. Passei a minha adolescência vivendo as férias na loja da Salton, em São Paulo, vendo meu pai, Ângelo, trabalhar. Adorava ver seu envolvimento com as pessoas e a marca. Ele era um sedutor. Certa vez ele falou apaixonadamente a uma plateia gigante de médicos que preferia o merlot da Salton a qualquer Chateau Petrus. Eu viajava com ele para as feiras de vinhos pelo país. Fazia isso porque gostava. Nunca fui obrigada a nada. Só entrei no negócio depois de me formar em administração e ter trabalhado em outras empresas. Tenho dois filhos pequenos. Eles obviamente estão crescendo num ambiente em que vêm a importância do vinho, se sentem orgulhosos quando escutam alguém falar da Salton, reconhecem o rótulo no supermercado. Mas seguirão o caminho que escolherem, seja qual for.
E, na vida, para onde seguirem, haverá sempre o imponderável, a surpresa. É o que nos faz crescer. Vejamos, agora, por exemplo, a experiência com a pandemia, atalho para mudanças decisivas. Não há dúvida da tristeza e dos danos impostos pelo vírus. Mas, paradoxalmente, no mercado de viticultura, houve frutos positivos. Completamos agora 110 de anos de existência e nunca sentimos um impacto tão extraordinário em um prazo tão curto, a comercialização dos vinhos aumentou 40% de março a junho. E quer saber? O brasileiro está preferindo rótulos mais elaborados. Essa postura está muito relacionada com uma das mensagens mais fortes deflagradas pela pandemia, que é a valorização de marcas nacionais, bem elaboradas, com histórias. A geração que hoje está na faixa etária dos 30, 40 anos já convive com produtos de qualidade reconhecida. Até o fim da década de 90 eram mais simples. O mercado nacional mudou com a abertura dos portos e a concorrência com vinhos de outros países. Curiosamente, o consumo de espumantes caiu com a crise sanitária. É constatação de que o brasileiro ainda associa a bebida a festas e grandes eventos. Homens e mulheres mais jovens também estão mais interessados em vinhos. Eles costumam iniciar com os tipos mais doces, leves e simples. Não importa. Não é uma bebida fácil, como a cerveja. Escolheram o vinho, que bom, e o paladar evolui com o tempo, invariavelmente.
E, apesar do susto global, da evidente instabilidade em diversos setores da economia, continuamos a crescer. Nossa empresa encerrou 2019 com crescimento de 17,5% no faturamento em relação a 2018. Foram 36,8 milhões de garrafas vendidas no Brasil e fora do país. Mas nada, absolutamente nada, veio de graça. Sinto imenso orgulho de dizer que passamos bem por esse período dramático porque trabalhamos duro. Não temos hora nem dia para trabalhar. Não daria para ser menos que isso. E, agora, nossos esforços recebem um prêmio da natureza. A safra 2020 foi a melhor das últimas duas décadas. Os vinhos lançados a partir do fim deste ano serão resultado de uvas de uma maturação excepcional, de qualidade inigualável, com tanino e acidez ultraequilibrados. Será a combinação perfeita entre vinhos e consumidores de primeira linha. Brindemos em nome da saúde.
Depoimento dado a Adriana Dias Lopes
Publicado em VEJA de 23 de setembro de 2020, edição nº 2705