Dentre as diversas medidas em prol dos direitos das mulheres anunciadas pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nesta quarta-feira, 8, Dia Internacional da Mulher, destaca-se um projeto de lei que visa a endurecer o combate à desigualdade salarial entre os gêneros. Instigada pela ministra Simone Tebet, do Planejamento, a proposta teve a adesão do petista em meio ao apoio da então candidata à sua campanha no segundo turno das eleições presidenciais. Até então, a paridade salarial entre homens e mulheres que ocupam cargos equivalentes era bancada pela comandante da equipe econômica de Tebet, a chefe de desestatização do governo de Fernando Henrique Cardoso, Elena Landau.
Com a apresentação da medida, Landau se mostra contente com o acerto do governo federal, mas aponta para uma série de lacunas que ainda devem ser endereçadas a fim de garantir a igualdade de gênero. “É importante destacar o presidente da República tratando diretamente dessa agenda tão relevante e abrangente, coisa que Bolsonaro jamais faria, mas as falas do presidente deveriam se estender mais em direção à maneira como a nossa cultura encara as mulheres”, diz a economista em entrevista a VEJA.
Landau enfatiza que garantir que o gênero de uma pessoa não impacte em seu salário é imprescindível, mas desconfia do efeito de medidas como essa em uma sociedade em que há um abismo de oportunidades entre homens e mulheres. “Para discutir propriamente igualdade no mesmo cargo, a mulher tem que ter a oportunidade de chegar ao mesmo cargo que o homem”, diz. Nesse sentido, elogia especialmente a iniciativa do presidente em destinar 100 milhões de reais a projetos de pesquisa em ciências exatas que sejam tocados por mulheres, anunciada junto da medida que versa sobre igualdade salarial. Seria uma maneira de gerar mais oportunidade às brasileiras, hoje sub-representadas em diversas esferas do mercado. Entretanto, Landau frisa que, para além de economia, papéis sociais atribuídos às mulheres fazem com que a falta de oportunidades persista. “A cientista só vai conseguir permanecer nesse trabalho se seu cônjuge se dispor a dividir os trabalhos domésticos com ela”, explica.
À luz da imensa diferenças sociais entre homens e mulheres, a economista insiste que são necessárias ações que se debrucem sobre cada momento em que mulheres ficam em desvantagem – o que sempre parte de estruturas culturais da sociedade brasileira. “A desigualdade só vai se resolver quando atacarmos essas questões culturais. No fundo, não é só sobre paridade salarial no mesmo cargo, é também sobre acesso a cargos e crescimento dentro das empresas”, diz.
Nessa perspectiva, a questão da licença-maternidade é apontada por Landau como um fator que – em seu modelo atual – promove diferenças de tratamento substanciais entre os gêneros. Uma vez que os homens, diferente das mulheres, não têm a obrigatoriedade de tirar licença ao terem filhos, eles ganham uma vantagem competitiva no mercado de trabalho. Landau defende a neutralização desse efeito através da obrigatoriedade da licença-paternidade, que socialmente colocaria os pais como também responsáveis por seus filhos. “Envolve uma mudança cultural, mas cabe ao governo induzir essa mudança. Na hora de contratar uma mulher, um empregador pode pensar que ela faltará ao trabalho quando o filho ficar doente. Isso nunca é pensado no caso de um homem”, diz.
Indo além da desigualdade de gênero, Landau diz que mães em condição de vulnerabilidade social são ainda mais afetadas pelo fardo das tarefas domésticas, uma vez que não têm meios para contratar serviços de babá ou creche. Assim, a economista cobra que o governo trabalhe por iniciativas que permitam às mulheres ocupar espaços que hoje são de difícil acesso. Estima-se que apenas 40% dos cargos de gerência em empresas sejam ocupados por mulheres no Brasil, segundo estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV). A legislação que endereça a desigualdade salarial entre homens e mulheres – por si só – não contribui diretamente para a mitigação desse problema, apesar de cuidar de outro: quando em cargos equivalentes, homens ainda ganham 23,4% a mais que suas colegas mulheres, também segundo a FGV.