Não dá para seguir ‘a ferro e fogo’, diz criador das metas para inflação
Para o ex-diretor do BC Sergio Werlang, alvo atual de 3% é muito baixo para o Brasil e é possível se manter ligeiramente acima dele sem precisar subir os juros
Há atualmente uma espécie de cisão se abrindo entre os economistas em relação a qual deve ser o futuro da Selic, a taxa básica de juros, na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, em 17 e 18 de setembro: o grupo dos que acham que as pressões inflacionárias começaram a apertar e exigem que o BC comece já a subir os juros, e a ala que acha que ainda não há razões para essa guinada tão brusca – dado que, até poucos meses, a discussão era ainda em quanto mais o Copom poderia cortar a Selic.
O ex-diretor do Banco Central Sergio Werlang, hoje assistente da presidência da Fundação Getulio Vargas, está no segundo grupo. “Não vejo necessidade nenhuma de haver um aperto monetário”, diz. “A nossa meta de inflação é 3%, mas com intervalo de tolerância de 1,5 ponto, e a Selic a 10,5% é um nível que dá perfeitamente conta de manter a inflação no intervalo entre 3% e 4,5%”, disse.
Foi Werlang, quando chefiou a diretoria de Política Monetária do BC em 2000, sob a presidência de Armínio Fraga na autarquia, quem implementou o sistema de metas para a inflação usado em diversos países e em funcionamento até hoje no Brasil. A ideia das metas é que o Banco Central deve trabalhar para manter a inflação gravitando em torno e próxima de um alvo central, hoje de 3% por aqui, mas com as bandas de tolerância para acomodar choques imprevistos para cima ou para baixo, como quebras de safra, conflitos internacionais ou uma pandemia, por exemplo.
Werlang, entretanto, avalia que a meta de 3% é muito baixa para a realidade estrutural do Brasil, o que exige que a economia opere com juros mais altos e taxas de crescimento mais baixas do que poderia para que a inflação consiga ficar neste patamar. Por conta disso, ele avalia que “não é um problema tão grande” que a inflação do país rode em um patamar ligeiramente acima do centro de 3%, mais próximo do 4%, por exemplo.
“As últimas diretorias (do BC) acabaram sendo conservadoras demais, no sentido de olhar puramente a meta e querer cumpri-la a ferro e fogo, o que, no Brasil, com a situação fiscal atual, é praticamente impossível”, afirma. “Não adianta o BC dizer que vai seguir o centro da meta porque não vai conseguir, então o melhor que pode ser feito é ficar se equilibrando entre o ‘dovish’ e o ‘hawkish’, como já vinha fazendo [Roberto] Campos Neto [atual presidente do Banco Central].”
De acordo com Werlang, a situação fiscal é a principal pedra no sapato que impede que os juros brasileiros fiquem mais baixos. Isso é traduzido no gastos e na dívida pública crescentes dos últimos anos, adicionados à dificuldade estrutural de que o Brasil já sofre para cortar despesas, em meio a uma rigidez orçamentária muito grande.
Em sua visão, Gabriel Galípolo, confirmado nesta quarta-feira, 28, como o indicado do presidente Lula para assumir a presidência do Banco Central a partir de janeiro, tem todas as qualidades para enfrentar o desafio dos juros altos com responsabilidade.“Há, óbvio, uma nova diretoria com perfil menos conservador, mas são pessoas qualificadas e equilibradas. Não há ninguém lá dizendo que a inflação vai cair e que vai jogar os juros lá embaixo”, disse.