O executivo holandês Robbert van Trooijen acompanhou de perto o início do contágio do novo coronavírus na China. Até junho deste ano, ele foi o principal nome à frente da maior multinacional de transporte naval do mundo, a Maersk, na região Ásia-Pacífico. Agora, van Trooijen assume o posto de diretor administrativo regional para América Latina e Caribe. Em sua primeira entrevista concedida à imprensa brasileira nesta nova etapa da carreira, ele analisa os resultados recentes da balança comercial do país, e indica exportações estimuladas pelos agronegócios, ao mesmo tempo que o nível baixo de importações sinaliza um Natal fraco. “O Brasil está se aproveitando muito do dólar forte, o que deixa os produtos mais competitivos no exterior”, afirma. No segundo trimestre deste ano, as exportações do país para a Ásia e a África aumentaram 29% e 26%, respectivamente, em relação ao mesmo período de 2019. Em contrapartida, outros mercados importantes como Oriente Médio e Europa registraram quedas expressivas no volume importado do Brasil.
O agronegócio segue como a principal fonte de receita do país no comércio exterior. A alta demanda de alimentos vista no continente asiático tem mantido o mercado brasileiro aquecido. No segundo trimestre, as exportações de cargas secas – que não são perecíveis ou não necessitam de refrigeração em seu transporte – que mais subiram foram de açúcar (87%), alimentos e bebidas (32%), papel e celulose (13%) e madeira (13%). Dentre as cargas refrigeradas, por sua vez, os principais avanços frente ao ano passado foram de peixes (60%), carne suína (57%), produtos químicos (38%) e carne bovina (26%). Os dados são do sistema Dataliner. “Obviamente, as exportações sofreram no começo do ano, por conta da Covid-19, mas hoje elas estão fortíssimas. Estamos com falta de espaços nos navios para acomodar todos os itens que serão despachados”, diz van Trooijen. “O problema da América Latina hoje é a importação, porque a crise sanitária se tornou também uma crise de consumo, com famílias deixando de frequentar restaurantes e consumir produtos de luxo.”
Quando o assunto é importação, as notícias não são promissoras. Questionado se o Natal deste ano será pior do que a data festiva em 2019, o executivo brinca: “Só o Papai Noel deve saber a essa altura”. A baixa do consumo no segundo trimestre, em decorrência do coronavírus, fez com que as empresas encomendassem menos produtos, o que gerou um desnível no transporte de cargas. “Para o Brasil voltar ao volume normal de importados, é necessário melhorar o poder aquisitivo do povo. E, além disso, a confiança do consumidor precisa aumentar. Ainda vai levar um tempo para que as pessoas se sintam à vontade para comprar além do consumo básico”, diz van Trooijen. No segundo trimestre, as únicas categorias de importados que registraram avanço foram a de resíduos para a indústria alimentícia (68%), a de produtos químicos (10%), frutas e vegetais (3%) e alimentação e bebidas (1%). Por outro lado, as importações de insumos para a indústria automobilística (-55%), vestuário (-51%), têxtil e couro (-47%) tiveram recuos acachapantes.
Hoje, a confiança do consumidor medida pela Fundação Getulio Vargas, a FGV, é de 80,2 pontos numa escala de 0 a 200. a diminuição no valor do auxílio emergencial concedido pelo governo deve pressionar o índice para baixo nos próximos meses. O resultado disso é que a indústria e o varejo do país vão continuar pressionadas a investir pouco em produtos importados. Ou seja, a balança comercial do país deve seguir desigual. Segundo van Trooijen, o volume de transporte marítimo global recuou cerca de 15% com a pandemia. Embora a demanda tenha se arrefecido, a empresa alega não ter sofrido tanto, conseguindo ajustar a capacidade dos embarcadores de acordo com suas rotas de atuação. Atualmente, os navios da Maersk percorrem 343 regiões portuárias de 121 países.
A empresa acompanha as reformas estruturantes do governo brasileiro. Segundo o executivo, que já trabalhou no Brasil em outras ocasiões, o país precisa investir em infraestrutura ferroviária e portuária, além de digitalizar os processos no transporte de cargas. “O frete para trazer uma carga de Hong Kong para o Porto de Santos é o mesmo de levar essa carga de Santos para São Paulo. O transporte doméstico ainda é muito caro”, diz ele. “Na Ásia, as empresas investiram na robotização dos armazéns logísticos, trabalhando para digitalizar e simplificar os processos em toda a cadeia. Esse é um caminho a ser desbravado pelo país ainda”, afirma o holandês, que admite que buscará investimentos para ampliar a malha logística da empresa no país num futuro próximo.
Um dos projetos que deve mexer com a atuação da Maersk no cenário nacional é a BR do Mar, um projeto de lei proposto pela ex-ministra da Agricultura Kátia Abreu (PP-TO) para incentivar a cabotagem no país. A expansão do modelo intermodal ajudaria a reduzir a quantidade de caminhões que fazem transporte de carga de longa distância por rodovias. Segundo dados da Confederação Nacional do Transporte (CNT), 162,9 milhões de toneladas trafegam por ano por meio da cabotagem, 11% do mercado de transporte de cargas. “Nós queremos uma indústria forte em cabotagem no Brasil e no mundo, com todos jogando a mesma regra. Isso vai ajudar a vida do consumidor”.
Apesar da pandemia, a companhia de transporte marítimo comemorou frutos de um bom segundo trimestre, com seu lucro líquido subindo de 141 milhões de dólares, no mesmo período de 2019, para 427 milhões de dólares. Isso se deu graças ao aumento de taxas de frete e a menores custos ocasionados pela queda de volume exportado. Esse segundo fator, no entanto, fez com que a receita operacional da empresa recuasse 6,5%, para 9 bilhões de dólares. Ainda assim, os números vieram mais positivos do que analistas de mercado imaginavam.
Lava Jato
Nem tudo são flores, no entanto. Na última sexta-feira, 21, o Ministério Público Federal denunciou, por supostos crimes de corrupção ativa, um executivo e um representante contratado pela Maersk Tankers, área de energia do conglomerado que fora desinvestida em 2017. A acusação envolve ilícitos que teriam ocorrido em esquema de corrupção em contratos de fretamento de navios celebrados pela Petrobras com a empresa, o que, segundo a Operação Lava Jato, resultou em prejuízo de 31,7 milhões de dólares à petrolífera estatal. Os envolvidos no processo são Viggo Andersen e Wanderley Saraiva Gandra, por parte da Maersk Tankers. Já Eduardo Autran, subordinado ao ex-diretor de abastecimento da Petrobras e delator Paulo Roberto Costa, é acusado também de peculato (desvio de recurso público por servidor em proveito próprio). Acerca das acusações, a holding A.P. Moller-Maersk respondeu que mudou sua estratégia de atuação e, hoje, não faz qualquer tipo de investimentos no setor de energia. “Levamos estas alegações muito a sério e continuamos empenhados em cooperar com as autoridades durante a investigação, bem como a gerir os nossos negócios em conformidade com as leis anticorrupção em todos os locais de operação. Dado que a investigação está em curso, não comentaremos mais o caso”, complementa, em nota.