‘No Brasil, tudo ainda precisa ser construído’, diz Fernando Simões, presidente da Simpar
Nos últimos anos, a empresa investiu R$ 40 bi para multiplicar o tamanho, sem resultados. Agora, Simões precisa extrair mais ganhos da operação

Curvas acentuadas de crescimento são comuns em startups — negócios de pequeno porte anabolizados por grandes injeções de capital em pouco tempo. Por isso, não se espera que um grupo fundado há quase setenta anos, com um faturamento bilionário e focado em setores tradicionais, dê um salto de tamanho. Mas é o que a Simpar experimentou de 2020 a 2024, quando quadruplicou a receita para 41 bilhões de reais. Os lucros, porém, permaneceram estacionados ao redor dos 500 milhões. Aumentar os ganhos é o novo objetivo de Fernando Simões, presidente da Simpar e filho caçula de Julio Simões, imigrante português que criou em 1956 a JSL, transportadora que seria o embrião do grupo. Hoje, entre as oito companhias que o compõem, estão líderes de mercado, como a própria JSL, a locadora de automóveis Movida e a rede de concessionárias Automob. “É hora de focar a eficiência operacional das empresas”, diz Fernando, que começou a trabalhar com o pai ainda adolescente. Agora, aos 57 anos, não se abate com os problemas que sacodem a economia no Brasil e no mundo. “Muitos procuram alguém para culpar pelo que deu errado”, diz. “Eu acordo cedo para trabalhar, porque acredito muito neste país.” Veja os principais trechos da entrevista.
Como o senhor avalia a economia neste ano, o que pode atrapalhar os negócios e quais são as soluções? A solução está sempre no trabalho. Muitas vezes, não acontece o que gostaríamos, mas somos um país em desenvolvimento, onde tudo está por ser construído. Em 2020, a CS Portos, uma controlada da Simpar, venceu o leilão de dois terminais no Porto de Aratu, na Bahia. Estavam abandonados e necessitavam de 900 milhões de reais em investimentos. As obras estão no fim e já temos demanda para 130% do volume previsto dos terminais. A soja produzida na região precisava percorrer 1 200 quilômetros até o porto mais próximo. Até Aratu, é metade disso. As empresas mais capacitadas para atravessar maus momentos são as que têm consistência, bons ativos e gente qualificada. Também é preciso ter a operação na mão, porque há muita gente que reclama do Brasil, que ganha dinheiro aqui, mas que aplica o dinheiro em outros países. Nós ganhamos o dinheiro aqui, aplicamos aqui e estamos aqui. Acreditamos na nossa gente, no nosso trabalho e nas oportunidades.
A turbulência causada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, na economia mundial preocupa o senhor? Muita gente acorda de manhã e procura alguém para culpar pelo que dá errado. Nós acordamos cedo todo dia para trabalhar muito. Já vimos governos de todos os jeitos no Brasil e no mundo. Os movimentos de Trump geram volatilidade, mas ainda é muito cedo para saber como será seu governo. Sempre digo que devemos focar aquilo que controlamos. Torço para que o governo tenha controle fiscal e, assim, os juros possam cair. Mas eu não controlo a economia. Agora, eu sei como baixar meus custos, como cobrar um preço justo pelos meus serviços e como executá-los com muita eficiência operacional. Com isso, as bases estão construídas. A Simpar está em um momento de extrair muitas sinergias da escala que alcançou. É assim que vamos atravessar o que vier, como já atravessamos um monte de volatilidade.
“Há muita gente que reclama do Brasil, mas lucra aqui e aplica o dinheiro em outros países”
Qual é o plano para extrair mais valor da Simpar? O grupo foi fundado pelo meu pai em 1956, e construímos uma base sólida ao longo de quase setenta anos. Hoje, somos um ecossistema único, devido à diversificação do portfólio. A Simpar é uma holding que controla oito empresas. Temos companhias que lideram seus mercados, como a JSL, a Automob, a Vamos e a Movida. Nos últimos quatro anos, investimos 40 bilhões de reais, sendo que, desse total, 10 bilhões foram aplicados apenas no ano passado. O foco foi aumentar o tamanho do grupo. De 2020 a 2024, a receita líquida cresceu, em média, 43% ao ano, passando de 9,8 bilhões de reais para 41 bilhões. Todos esses investimentos ainda estão amadurecendo. Ainda não tiramos todas as sinergias possíveis, todos os ganhos de produtividade. Isso nos dá uma grande tranquilidade. De 2023 para 2024, já tivemos um crescimento significativo. Outro exemplo que já é público: a receita da Movida cresceu 24% no acumulado de janeiro e fevereiro, na comparação com o primeiro bimestre do ano passado. Enquanto isso, a sua frota de veículos aumentou apenas 6%.
Como a Movida conseguiu esse resultado e o que ela mostra sobre o futuro da Simpar? Esse resultado mostra que chegou a hora de focar a eficiência operacional nas nossas empresas. Chegamos ao fim de um período de forte crescimento e de muito investimento. Criamos as bases. Agora, começa a fase de administrar tudo isso, buscando sinergias e estabilidade da gestão. Daqui para a frente, o que fará a maior diferença são as pessoas em nossas empresas. As equipes estão focadas em extrair o máximo resultado do que foi construído. Outro exemplo é a Vamos, líder em locação de caminhões, máquinas e equipamentos, e que está fazendo um bonito trabalho para reduzir os ativos imobilizados no estoque. Eles já abaixaram de 2,9 bilhões para 2,5 bilhões de reais.
O grupo vai reduzir os investimentos a partir de agora, então? Não estamos reduzindo o capex por reduzir ou porque não gostamos do Brasil. A gente continua acreditando muito no país. O brasileiro tem certa baixa autoestima, mas esse é um país muito bom e com muitas oportunidades. Não vai faltar capex, mas queremos um crescimento mais orgânico. Somos uma companhia de capital aberto. A nossa área de logística, por exemplo, tem potencial para crescer organicamente de 16% a 20% ao ano. Não precisamos de investimento para isso, porque as bases já foram construídas. O importante, agora, é o capex líquido, que é a diferença entre o que temos de investir e o retorno dos ativos que possuímos. Um exemplo: se a Movida comprar 100 carros por ano para renovar sua frota e vender outros 100 mais velhos, qual é a diferença de valor em relação aos que ela venderá? Doze mil reais? Então, ela precisará apenas completar o orçamento com 1,2 milhão de reais para adquirir os carros novos. Isso é o que chamo de capex líquido.
Uma coisa é capturar sinergias dentro de cada empresa, mas é possível obter ganhos com as operações entre as empresas do grupo? Sim. Vemos isso no crescimento da margem Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização, na sigla em inglês). Em 2016, quando o grupo consolidava os resultados na JSL, a margem foi de 19,7%. No ano passado, já sob a Simpar, a margem foi de 25,9%. Alguém pode perguntar: “Mas e o lucro?”. O lucro é a consequência de muita eficiência operacional. Assim, é possível melhorar a margem de lucro. Somos um grupo focado no longo prazo. Demoramos setenta anos para chegar aqui. Essa construção dará retorno no devido tempo. Onde estão as sinergias entre as empresas? Há várias. Veja a compra de um automóvel pela Movida para sua frota. Ela negocia diretamente com a montadora, mas, por lei, é obrigada a passar por uma concessionária. Então, ela pôde indicar a Automob, a empresa do nosso grupo que administra a maior e mais diversificada rede de concessionárias do país. A JSL, nossa empresa de logística, é uma grande prestadora de serviços para as montadoras. A Movida é uma grande cliente da montadora.
“Nossos investimentos estão amadurecendo e ainda não geraram todos os ganhos”
Como é possível operar um grupo de oito empresas, capturar sinergias e preservar a independência de cada negócio? Toda a estrutura é independente. Temos um centro administrativo na cidade de Mogi das Cruzes, em São Paulo. Mas não é um centro compartilhado, porque o rateio de custos é mínimo. Fazemos tudo para que cada empresa tenha sua própria estrutura, inclusive prédios independentes. Cada uma tem sua própria controladoria, seu próprio departamento financeiro.
Das oito empresas controladas pela Simpar, quatro têm ações listadas na bolsa. Há planos de abrir o capital de mais alguma? Não. A gente desenvolve os negócios como se eles fossem nossos para sempre. Sempre brinco que quem administra uma empresa pensando em abrir o capital corre o risco de ficar pelo caminho. Abrir o capital deve ser uma opção à disposição para usar na hora certa. Você não pode tocar uma empresa pensando nisso, porque essa decisão não depende da qualidade do ativo que vai a mercado. Mas estamos sempre abertos a oportunidades que contribuam para a geração de valor dos negócios. Podemos ter alguns veículos de investidores que se encaixem em nosso modelo de gestão, mas isso não quer dizer abrir o capital.
No início de 2024, as ações da Simpar valiam cerca de 9 reais. Depois, caíram para 3 reais em março deste ano e estão se recuperando. O que explica essa volatilidade? Dizem que metade das empresas da bolsa estão cotadas abaixo de seu valor patrimonial. O que elas fizeram para chegar a essa situação? Muitas vezes, vemos empresas sadias gerando bons resultados, mas que são castigadas pelo mau momento do mercado. O que nos cabe é executar bem os projetos e administrar bem os negócios. Não podemos fazer isso pensando que o objetivo é abrir capital.
Muitas empresas, inclusive, estão saindo da bolsa. Sim. Ou, então, estão protelando a entrada. Nosso primeiro IPO (oferta pública inicial de ações, na sigla em inglês) foi o da JSL, em 2010, e foi fantástico. Jamais teríamos construído o que construímos sem isso. Abrir o capital contribui para perpetuar os negócios, desde que atraia as pessoas certas, que agreguem algo ao empresário, seja no conselho de administração, seja em outras áreas da companhia.
Publicado em VEJA, maio de 2025, edição VEJA Negócios nº 14