Quatro horas de carro, mais uma de balsa e outra de lancha. Para quem corta caminho, leva pelo menos 6 horas para atravessar os 290 quilômetros que separam o município de Oeiras do Pará, no sul da Ilha do Marajó, de Belém, a capital paraense. Pelo trajeto mais longo, usado por quem não dispõe dos outros modais, são 12 horas na balsa que percorre a Baía do Marajó.
É que, para acessar a cidade de 32 000 habitantes, às margens do Rio Pará, é indispensável atravessar um trecho fluvial. Trata-se de algo comum na região da bacia amazônica: pelo menos 57 dos 144 municípios do Pará (40% do total) dependem exclusivamente da malha hidroviária; no Amazonas, 59 das 62 cidades contam com barcos intermunicipais.
Nessas regiões, o sistema financeiro nacional ainda enfrenta um desafio logístico: pela dificuldade de transportar os caixas eletrônicos – que pesam cerca de 1,5 tonelada cada – e a necessidade de deslocamento constante das equipes de manutenção, costuma ser inviável operar agências bancárias.
Em Oeiras, por exemplo, só há uma agência do banco estadual Banpará. Clientes de outras instituições podem recorrer, a cada 60 dias, aos serviços de uma agência-barco que permanece por dois dias na cidade. Fora isso, a solução costuma ser viajar até Cametá, cidade de 134 000 habitantes a 100 quilômetros dali. Por lá, segundo dados do Banco Central, há 6 agências em operação, responsáveis por comportar a demanda dos moradores da cidade e do entorno.
Em épocas mais movimentadas, como dia de depósito do salário ou de pagamento de benefícios sociais, habitantes da região relatam períodos de mais de 6 horas de espera. Há dias em que as agências fecham sem terminar de atender toda a demanda. Por isso, alguns moradores preferem encarar as 12 horas de balsa até Belém, onde têm garantia de que serão atendidos.
Administradora de 16% dos 154 000 caixas eletrônicos espalhados no Brasil, a TecBan, dona da marca Banco24Horas, tem buscado superar este impasse logístico em áreas de difícil acesso. Para isso, lançou o Atmo, um dispositivo que permite saques em comércios locais sem a necessidade de um caixa eletrônico convencional.
Funciona assim: o cliente se dirige ao balcão de uma loja e solicita um saque. A maquininha Atmo do comércio, então, registra o valor a ser sacado, coleta a biometria do usuário e imprime um comprovante da transação. O dinheiro cai na conta do proprietário do estabelecimento – que, por sua vez, entrega ao cliente a quantia correspondente em cédulas.
É uma dinâmica similar (só que mais tecnológica) à dos correspondentes bancários, estabelecimentos autorizados pelos bancos para oferecer alguns serviços financeiros básicos. Atualmente, a companhia possui mais de 500 maquininhas do tipo espalhadas pelo país, e duas delas em Oeiras desde 2023.
O dispositivo atende todos os principais bancos do país e possui os mesmos sistemas de segurança de um caixa eletrônico (biometria de dedo ou palma da mão, a depender do banco do cliente). A ideia é incentivar que o dinheiro físico já presente na cidade continue circulando. Dessa forma, a Tecban elimina a necessidade de enviar e recolher cédulas para a região – tarefa que, nos centros urbanos, é realizada periodicamente com o apoio de carros-fortes.
“Após a instalação, nosso custo de operação é bem baixo, porque só pagamos pelo chip de internet que vai na maquininha”, conta Rodrigo Maranini, coordenador de canais de distribuição do Banco24Horas.
A TecBan desenvolveu o Atmo a pedido da Caixa Econômica Federal, que enfrentava dificuldades para distribuir o dinheiro do Bolsa Família em áreas remotas. Pelas regras do programa, os beneficiários têm até 120 dias para realizar o saque do auxílio. Caso contrário, o valor é restituído ao governo.
Em Oeiras, 8.700 famílias dependem do Bolsa Família, que injeta 3,8 milhões de reais por mês na economia local. No município, cuja atividade pesqueira é significativa, o seguro-defeso (destinado aos pescadores durante o período de reprodução dos peixes, quando a pesca é proibida) também é uma importante fonte de renda.
O vaivém das cédulas
Na cidade, dois estabelecimentos já possuem o Atmo: a farmácia do comerciante Cledson Pereira e um supermercado da rede Solzão. Segundo os lojistas, o principal benefício da maquininha é dar vazão ao que foi captado com as vendas.
Antes, o dinheiro ficava um bom tempo parado nas caixas registradoras e os comerciantes viajavam de barco semanalmente para fazer depósitos. Era uma rotina cansativa e arriscada: as cédulas poderiam ser roubadas ou simplesmente cair no rio.
“Antes mandávamos o dinheiro de lancha para Belém”, diz Thalita Pereira, responsável pelas lojas Solzão. “Hoje, já tivemos que pedir para a TecBan aumentar o teto por transação, porque a demanda é muito alta”. Por padrão, o Atmo limita o saque a 400 reais – com a possibilidade do cliente fazer mais de uma transação por dia. Naquela unidade do supermercado, porém, o limite subiu para 1 000 reais por operação.
Na unidade do Solzão em Curralinho, município vizinho a Oeiras, a demanda por saques também tem surpreendido os funcionários. Em um único dia de agosto, o estabelecimento movimentou 32 900 reais em saques. A leva de saques têm dois picos: no começo do mês, quando cai o salário, e no fim do mês, quando o governo libera o benefício do bolsa família.
“Aqui na cidade, as pessoas preferem pagar com dinheiro físico”, diz a gerente Marcely. “Mesmo entre os jovens, a cultura é essa”.
Mas e o Pix?
Lançado pelo Banco Central em 2020, o Pix já é a principal forma de pagamento Brasil afora, com cerca de 5 bilhões de transações por mês e 805 milhões de chaves cadastradas. Mas seu uso ainda não é unânime no país.
Uma pesquisa da empresa de pagamentos Fiserv Brasil, realizada com 2.000 pessoas em junho deste ano, revelou que 15% dos entrevistados têm dificuldade para entender como funciona o Pix, e 46% já precisaram pedir ajuda a familiares ou amigos para realizar uma transação.
É o caso de dona Terezinha, de 78 anos, viúva que vai ao Solzão de Oeiras mensalmente para sacar sua pensão por morte do marido. Ela conta que, antes da chegada do Atmo, viajava para Belém para que seu genro a ajudasse a sacar o benefício. “Não tenho Pix, não confio”, diz.
Na região, outro entrave para a digitalização dos serviços financeiros é o baixo acesso à internet – o Pará tem hoje o menor percentual da população conectada à internet no país, segundo dados do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br). “Não tenho celular porque não tem estrutura de rede no interior do município, onde moro”, diz Rosivaldo Araujo, trabalhador rural e outro cliente do Atmo no Solzão.
O caso de Oeiras serve para mostrar que, mesmo em tempos de Pix, a moeda física ainda não morreu. Mas isso não precisa ser sinônimo de estresse. Boas ideias, aliadas à tecnologia, podem garantir o dinheiro no bolso. Sem 12 horas de travessia de barco.
*A repórter viajou ao Pará a convite da TecBan