Os recordes de novos casos da Covid-19 registrados nos últimos dias nos Estados Unidos, que ficaram conhecidos como o risco da “segunda onda” do novo coronavírus, se concretizaram em uma ameaça às bolsas americanas após o discurso do presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, nesta terça-feira, 16. No primeiro dos dois dias de audiências para parlamentares americanos, Powell foi categórico ao reafirmar que o país não sairá da crise enquanto a pandemia não for controlada. E, o que acontece na maior economia do mundo, repercute em todos os outros mercados. Dezoito estados americanos estão vivendo um aumento no número de casos: Flórida e Texas registraram recordes da doença no último domingo. Esse aumento é consequência da gradual reabertura da economia norte-americana e, ao que tudo indica, não haverá novos lockdowns nos EUA.
“Até que o público tenha certeza de que a doença está contida, uma recuperação completa é improvável”, disse Powell em depoimento ao Comitê Bancário do Senado norte-americano. A fala sugere que basicamente que, sozinhas, as ferramentas de política monetária que vêm sendo exaustivamente utilizadas pelo país não darão conta dos danos econômicos. O discurso derrubou significativamente as bolsas internacionais, mas elas logo se reequilibraram, ainda sob os efeitos dos incentivos anunciados ontem pelo Federal Reserve. Trata-se do Main Street Lending Program, um programa de até 600 bilhões de dólares em empréstimos para empresas com até 15 mil empregados ou com receita de até 5 bilhões de dólares.
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Clique e AssineSomadas a esse programa, as bolsas internacionais ganharam um impulso a mais com os dados divulgados hoje pelo Departamento de Comércio americano: as vendas no varejo nos EUA cresceram em maio acima da expectativa, 17,7%, o maior salto desde 1992. Houve aumento principalmente na venda de veículos automotores, de 44,1%, além de ganhos de 29,1% na receita de restaurantes. “Parece um grande dia para o mercado de capitais, e empregos”, postou Trump em seu Twitter. O mercado estava otimista no começo da tarde. A Euro Stoxx 600 fechou em alta de 2,9%, para 363,33 pontos. Por volta das 14h20 de hoje a S&P 500 operava em alta de 2,3%, a 3.137,86 pontos.
O otimismo também repercutia no Brasil. O Ibovespa operava em alta de 1,56%, a 93.815. O dólar comercial futuro com vencimento para julho estava em leve alta no horário, de 0,5%, para 5,18 reais. “O dólar geralmente tem um viés contrário ao do Ibovespa, mas amanhã temos a divulgação da nova taxa de Selic”, diz Lucas Carvalho, analista da Toro Investimentos. “O mercado vai se reequilibrando com as novas informações e isso tudo que o Powell falou já tinha sido afirmado, só veio confirmar que a recuperação total é pouco provável”, diz ele.
Apesar do dia de altas na bolsa, vale lembrar que existe uma crise americana latente a longo prazo e que o dólar vem derretendo. Afinal, os dados de maio do varejo americano sucedem uma queda acentuada que aconteceu em abril, de 14,7%. Em relação ao ano anterior, a Covid-19 impactou em uma queda de 6,1% nas vendas do setor. Por isso, parece sensato o depoimento cauteloso do presidente do Fed na manhã de hoje: “Quanto mais longa a crise, maior o potencial de danos a longo prazo decorrentes da perda permanente de empregos e do fechamento de empresas.” Até agora já foram injetados trilhões em títulos para investidores para aumentar a liquidez e emprestados emergencialmente quase 3 trilhões de dólares em nove programas a famílias e pequenas empresas. Os juros dos EUA estão a quase zero desde março e em anúncio da semana passada Powell disse que ele deve ficar assim até o segundo semestre de 2022. Além disso, a previsão é de contração de 6,5% na economia esse ano, para depois um crescimento de apenas 5% em 2021.
Uma das maiores preocupações de Powell é em relação ao risco de desemprego e inadimplência das empresas pequenas e médias, segundo ele “o coração da nossa economia”. Para o ano, a expectativa é que o desemprego fique em 9,3% e caia para 6,5% até o final de 2021. O “Relatório de Política Monetária” semestral enviado na sexta-feira 12 pelo Fed para o Congresso americano sinalizou que, mesmo com a resiliência adotada desde 2008 pelas reformas financeiras e regulatórias dos EUA, “espera-se que as vulnerabilidades do setor financeiro sejam significativas no curto prazo. As tensões nos balanços patrimoniais e comerciais decorrentes dos choques econômico e financeiro desde março provavelmente criarão fragilidades persistentes. As instituições financeiras podem sofrer tensões como resultado”, afirma o documento.