Minha vida mudou depois de um drama pessoal. Após lutar por dois anos contra um câncer no estômago, meu marido, João, perdeu a batalha. Ele morreu em 23 de março de 1997. E foi a partir desse dia que tive de me reinventar. Professora e dona de casa, mãe de três filhos, vi-me perdida — era o João que administrava as propriedades rurais. Recebi diversos conselhos. Uns diziam para arrendar as terras; outros, para vendê-las. Até que resolvi arregaçar as mangas e assumir as duas fazendas, que ficam no município de Floraí, no Paraná. Para isso, tinha de aprender e estudar, porque eu não entendia de sementes, de solos, nem sabia o que era um alqueire de terra. Meu primeiro passo foi conversar com os empregados e pedir o apoio deles. No princípio, ficaram receosos. Mal falavam comigo. Afinal, nunca tinham tido de lidar com uma mulher. Com o tempo, porém, consegui a confiança, e eles estão comigo até hoje. O segundo passo foi procurar a cooperativa da região, a Cocamar. Aproveitava tudo o que a entidade me proporcionava, de cursos a palestras, mesmo não sabendo perguntar — porque, se você não tem conhecimento do assunto, não sabe nem qual é sua dúvida.
No início dessa nova fase de vida, tive duas grandes dificuldades. A primeira foi enfrentar o preconceito por ser mulher, e ainda viúva, num ambiente dominado por homens. Mas, à medida que me impunha, conquistava o respeito. A segunda foi em relação aos meus três filhos. Ana Cláudia, a mais velha, era recém-formada em arquitetura, mas ainda não estava casada; a do meio, Mara Sandra, é portadora de síndrome de Down, e eu não podia deixá-la com qualquer pessoa; o caçula, Paulo César, era adolescente, e eu queria muito proporcionar a ele uma faculdade. Perdi a conta de quantas vezes chorei de saudade deles, mas eu tinha de buscar o pão de cada dia. Passei momentos de solidão, sem ter com quem dividir dúvidas e angústias.
O primeiro desafio aconteceu logo na minha safra de estreia. Era época de plantar milho, mas o maquinário estava sucateado, não tinha como semear. Procurei a concessionária e comprei meu primeiro trator. Fiquei muito feliz. Nunca atrasei uma prestação. Passava madrugadas fazendo cálculos de quanto a soja me renderia para pagar as dívidas. O mercado oscila demais, a cotação do grão varia de um dia para o outro. É sempre um dilema: vender hoje ou esperar subir? Na agricultura, é difícil fazer previsões, a atividade depende do clima. Você planta e fica pensando: será que Deus vai mandar chuva? São quatro longos meses olhando para o céu. Na época do meu marido, nas fazendas havia soja, milho e gado, porém a receita com os animais caiu e resolvi trocá-los pelo cultivo da laranja, que tinha rendimento superior. Mas a minha menina dos olhos é a soja. Em três safras, 2015, 2016 e 2018, fui premiada no Paraná por conseguir a maior produtividade da região. Por mais que eu sempre buscasse o melhor manejo, nunca imaginei que seria a “rainha da soja”. Foi o reconhecimento por toda a minha luta. Encontrei barreiras, porém em nenhum momento pensei em desistir. Nem quando levei o maior tombo. Era uma quarta-feira, a soja estava amarelinha, e iríamos iniciar a colheita no dia seguinte, até que o telefone tocou e veio a notícia arrasadora: uma chuva de granizo acabara com toda a plantação. Passei mal, chorei, mas um dia depois ergui a cabeça e estava lá colhendo o pouco que havia sobrado.
Nesses 23 anos à frente das fazendas, eu me sinto realizada e começo a dividir as responsabilidades com meu filho, que conseguiu se formar em direito e hoje trabalha comigo. Tenho certeza de que fiz o meu melhor ao expandir o que o João deixou. Meu desejo é que minha soja continue alimentando as pessoas pelos quatro cantos deste mundo.
Depoimento dado a Alessandra Kianek
Publicado em VEJA de 18 de março de 2020, edição nº 2678