O antagonismo entre Lula e Bolsonaro no reajuste do salário mínimo
Em atenção ao déficit nas contas públicas, o salário passou a seguir unicamente o reajuste inflacionário desde 2020
Dentre tantos pontos de cisão entre o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-presidente Lula (PT), está o reajuste anual no salário minimo. O líder nas pesquisas vem defendendo o aumento do valor mensal acima da inflação enquanto o atual mandatário, ancorado nas diretrizes do teto de gasto, vem praticando a política de reposição do poder de compra do salário base, sem aumento real, isto é, sem uma correção salarial superior à inflação.
Até 2019, o reajuste para aposentados, pensionistas e assalariados estava vinculado ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), de dois anos anteriores, além do acréscimo da inflação oficial do ano anterior. Desde então, considerando o rombo nas contas públicas, a correção passou a seguir apenas a taxa anual do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). Segundo o Ministério da Economia, a cada 1 real a mais no salário base, há um impacto de aproximadamente 389,8 milhões de reais nos gastos anuais do governo, que prevê déficit primário nas contas públicas de até 65,9 bilhões de reais para 2023. Esse déficit é registrado quando há uma arrecadação de tributos abaixo dos gastos do governo.
Como estimativa inicial, o salário mínimo no valor de 1.294 reais está previsto para o próximo ano, com aumento de exatos 82 reais ou 6,7% em relação ao valor atual de 1.212 reais. Na prática, o montante para 2023 está defasado em relação à inflação e gerou críticas do Dieese, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. “A política de valorização do salário mínimo não foi mais renovada desde 2020 e isso é uma intencionalidade de governo. Além disso, a proposta do salário para 2023 (+6,7%), considerando a inflação, está abaixo da previsão do INPC para o final deste ano”, avalia Patrícia Costa, economista e supervisora de pesquisa do Departamento Intersindical, que estima um valor gradativo de até 6.527,67 reais, considerando os indicadores econômicos e sociais atualmente.
O mínimo de 1.294 reais ainda pode ser ajustado para a paridade com a inflação, assim como ocorreu no ano passado, quando o congresso aprovou a LDO (veja abaixo) com uma estimativa inicial de salário base em 1.147 reais para este ano, mas o valor final foi de 1.212, aumento de 10,18% em relação a 2021, e levemente acima do índice inflacionário daquele período, que acumulou 10,16%. Segundo o Boletim Macrofiscal de Julho, divulgado hoje, 14, a projeção do INPC em 2022 foi reduzida de 8,10% em maio, para 7,41%. A princípio, seria essa a porcentagem de reajuste no salário base para o ano que vem. Porém, há muitas variantes.
A projeção do boletim incorpora o impacto de medidas do governo para aliviar os preços de combustíveis, energia elétrica e comunicação. Na avaliação de Matheus Peçanha, economista e pesquisador do FGV/IBRE, essas medidas podem não gerar o efeito esperado no INPC, que abrange as famílias com rendimentos entre 1 a 5 salários mínimos. “São os preços da alimentação que mais pesam neste índice. A previsão de 7,4% está otimista”, avalia. O pesquisador mensura um INPC no entorno de 8%, sendo impactado positivamente “a partir da primavera, quando há uma desaceleração prevista na escala de preços dos alimentos”, diz. Em síntese, o reajuste do salário mínimo para 2023, até então, está dependendo dessa volatilidade. Muito embora, o que vai definir, de fato, é a política do presidente que assumir após o pleito de outubro.
Orçamento
O impacto do reajuste salarial nas contas do governo ocorre porque a correção do salário mínimo está atrelada diretamente ao reajuste de benefícios como a previdência social, o seguro-desemprego, o abono salarial, o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e outras despesas consideradas no orçamento. Aumentar o salário significa aumentar o valor desses aportes. “Na reforma da previdência, apresentada em 2016, havia a proposta de que a aposentadoria não fosse vinculada ao salário mínimo e, portanto, ficasse menor. O que não foi aprovado. Nós continuamos com o salário mínimo como valor base para os benefícios”, pontua Mariel Angeli Lopes, também economista do Dieese.
O valor do salário mínimo é estimado anualmente pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), base para a definição dos gastos anuais do governo. O substitutivo da LDO para 2023 foi aprovado na última terça, 12, no Congresso Nacional e o texto inicial foi proposto pelo governo em abril deste ano. A LDO define as principais despesas previstas anualmente no Orçamento Geral da União e a aprovação da terça-feira representou uma derrota para a base do governo de Jair Bolsonaro (PL), com a queda da obrigatoriedade de execução das emendas de relator, base do orçamento secreto, outro impasse entre Lula e Bolsonaro.