O consumo consciente ganha força com o apoio de grandes marcas
As etiquetas investem cada vez mais na compra e venda de produtos duráveis ou de segunda mão
Muitos anos atrás, era comum o irmão mais velho conservar um paletó para ser usado depois pelo mais novo. Mesmo nos países ricos e industrializados, pais e mães guardavam seus melhores ternos e vestidos para quando os herdeiros crescessem. A era da produção em escala, porém, baixou sensivelmente o custo das roupas e provocou profundas mudanças de hábito. Nas últimas décadas, alavancadas pelas exportações indianas e chinesas, as compras dispararam, com centenas de milhões de pessoas gastando bilhões de dólares em peças nem sempre necessárias, deixando pelo caminho um rastro de destruição — estima-se que a fabricação conjunta de uma única calça jeans e um par de tênis demande mais de 10 000 litros de água. Essa tendência ao desperdício, porém, está dando uma volta de 180 graus. O consumo consciente vai aos poucos tomando o lugar do desenfreado, inclusive com o apoio da indústria da moda e de marcas renomadas como as americanas Levi’s e Nike, além de muitas outras.
Na semana passada, a Levi’s lançou uma campanha mundial que é um chamamento à racionalidade e à sustentabilidade. Sob o slogan “Compre melhor, use por mais tempo”, seis celebridades — entre elas o ator americano Jaden Smith, filho de Will Smith, e o atacante inglês Marcus Rashford, do Manchester United — propõem aos clientes comprar jeans feitos de matéria-prima menos danosa à natureza e estender seu uso. A ação envolve também incentivar a aquisição de peças de segunda mão e procurar as oficinas de costura das lojas da marca para reformar itens gastos pelo tempo, mas ainda aproveitáveis. Paralelamente, a empresa tem optado por fibras como o cânhamo e o algodão orgânico nas suas confecções porque elas demandam menos água ao longo das diversas etapas de produção.
Nesse mesmo movimento, duas marcas de produtos esportivos lançaram programas de renovação e revenda. A Nike anunciou o Refurbished (Reformado) e a canadense Lululemon, o Like New (Como Novo). Em ambos os casos, por enquanto restritos ao mercado americano, o princípio é o mesmo: o cliente devolve a peça à loja, que dá em troca um desconto ou um vale-compra, e a fábrica avalia se recondiciona o produto, levando-o de volta às prateleiras a preços mais em conta, ou o encaminha para empresas de reciclagem.
Esses são dois exemplos práticos da chamada economia circular, que se baseia na redução do desperdício, na diminuição de resíduos e na regeneração de sistemas naturais. Pesquisas realizadas antes da pandemia já mostravam que a indústria seguiria nessa direção, o que se consolidou agora. Números da consultoria americana McMillanDoolittle sugerem que o mercado mundial de segunda mão crescerá expressivos 60% nos próximos três anos — porcentual maior que o de roupas novas —, saltando de 32 bilhões de dólares em vendas em 2020 para 51 bilhões em 2023.
O modelo econômico linear — de extrair, produzir, desperdiçar — não funciona mais. Consumir roupas novas em ritmo vertiginoso, às vezes só para exibi-las na vitrine das redes sociais, não está ajudando. No caso do Brasil, onde se produzem 9 bilhões de peças anualmente, a questão ambiental anda de mãos dadas com a econômica. “Nós não temos um planeta B”, alerta a estilista Alessandra Ponce, autora do livro Alinhavos, que ensina princípios básicos de moda a crianças, referindo-se ao recursos finitos da Terra. Na outra ponta, a professora Verena de Lima, do curso de moda da Universidade Anhembi Morumbi, lembra que, diante do alto custo de vida, a roupa, se conservada, será um item a menos na despesa do mês. Por isso, pensar em formas de manter por mais tempo no armário aquele paletó — ou qualquer outra peça — tornou-se tanto uma necessidade quanto um dever de todos. Como nos tempos solidários de outrora.
Publicado em VEJA de 5 de maio de 2021, edição nº 2736