O funcionário robô: agentes de IA chegam ao mercado de trabalho e podem mudar tudo
Uma nova geração de inteligência artificial substitui humanos tomando decisões: é o início de uma era tecnológica mais desafiadora

Nem deu tempo de aprender como usar a inteligência artificial generativa no ambiente corporativo e a tecnologia já deu um novo e espantoso salto. No Vale do Silício e nas empresas mais agressivas na adoção de ferramentas digitais, o novo foco são os agentes de IA. Trata-se de uma evolução das ferramentas como o ChatGPT: além de gerar textos, códigos, planilhas e outros conteúdos sob comando, os agentes são capazes de tomar decisões e executar tarefas de forma autônoma, sem intervenção humana. Em vez de apenas sugerir um roteiro de férias com voos, hotéis e passeios, como faziam os modelos anteriores, os agentes podem comprar passagens, escolher acomodações e reservar ingressos de shows automaticamente. Tal é o potencial que 96% das empresas globais afirmam planejar a expansão do uso desses agentes nos próximos doze meses, segundo pesquisa da plataforma de dados e IA Cloudera. “Em breve, os agentes estarão por toda parte, capazes de realizar praticamente qualquer tarefa”, disse Michael Dell, fundador da Dell Technologies.
A evolução é profunda. Saímos do estágio em que a IA atuava como “copiloto” para um momento em que assume, de fato, a função de “piloto automático”. A mudança amplia a produtividade quase de forma imediata. Não se trata mais de ferramentas que apenas seguem comandos diretos, mas de sistemas capazes de identificar problemas, tomar decisões e executar tarefas de forma autônoma. A fintech brasileira PicPay dá exemplo de como a tecnologia está sendo aplicada no dia a dia. Segundo Felipe Cobucci, diretor da área de IA da PicPay, a empresa permite que usuários realizem transferências via Pix apenas enviando um áudio, uma foto ou uma mensagem de cobrança recebida pelo WhatsApp. Com a adoção dos agentes de IA, a PicPay viu a satisfação do cliente subir 10 pontos percentuais e o número de atendimentos que exigem intervenção humana cair 8%. Na B3, a aplicação da tecnologia também avança. A bolsa brasileira estima colocar em operação 500 agentes autônomos até o fim do ano. Um estudo interno apontou que, apenas entre janeiro e junho, a automação de processos gerou uma economia de 6 milhões de reais. “Escuto muito que o aumento de eficiência significa demissão em massa, mas tem sido o contrário: estou aumentando o meu time porque o trabalho de cada pessoa se tornou mais criativo, independente e relevante, sem desperdício”, afirma Thiago Suzano, diretor de engenharia de software da B3.

Até bem pouco atrás, o Brasil esperava anos para ter contato com as últimas inovações em qualquer setor. Isso acabou. É verdade que o desenvolvimento de grandes modelos de linguagem está concentrado nos Estados Unidos e na China, mas o acesso às novas ferramentas está disponível para todos os países ao mesmo tempo. Gigantes de tecnologia como as americanas Dell e a Databricks, do CEO Ali Ghodsi, oferecem plataformas para que qualquer empresa do mundo consiga construir seus agentes personalizados, que rodam com suas próprias bases de dados e obedecem às regulações locais. É claro que os departamentos de TI precisam estar preparados, mas a barreira técnica diminuiu drasticamente para que todos os clientes e funcionários tirem proveito. “Antes, você tinha que dominar linguagens de programação complexas, mas agora isso mudou”, afirma Marcelo Sales, diretor sênior e gerente geral de tecnologia para a América Latina da Databricks.
Céticos de plantão já levantam dúvidas se o entusiasmo em torno dos agentes se justifica. São rápidos em lembrar que recentemente o Vale do Silício embarcou em peso na ideia dos metaversos (o Facebook mudou seu nome para Meta, e abandonou os investimentos nessa tecnologia dois anos depois). A moda da web3 e do blockchain também dominou o noticiário e as rodadas de investimentos antes de se recolher em nichos. Mas há uma diferença crucial entre os casos. Metaverso e blockchain eram tecnologias em busca de um problema para resolver. Já os agentes nascem a partir do problema. “A empresa nos procura com uma ineficiência que precisa endereçar, e o agente é criado especificamente para atacar usando a base de dados da própria companhia”, diz Luis Gonçalves, presidente da Dell América Latina.

Ainda assim, a inovação traz dilemas complexos com os quais empresas e governos ainda estão aprendendo a lidar. “A regra dourada da IA é que ela comete erros”, disse a VEJA Cassie Kozyrkov, ex-cientista-chefe do Google. Pesquisas mostram que entre 70% e 90% dos agentes criados não chegam à fase de implementação em larga escala nas empresas. Muitos são promissores, mas erram mais do que o aceitável em um ambiente empresarial, em que os riscos econômicos ou de reputação não valem a pena. Há também questões éticas: algoritmos podem perpetuar preconceitos em contratações ou na aprovação de crédito. E quem é responsável quando um agente toma uma decisão errada que causa prejuízo? A regulamentação brasileira ainda engatinha. Já existem agentes específicos que servem como supervisores e juízes para checar e avaliar a qualidade do trabalho feito por seus “colegas”, mas o protocolo em todas as empresas ainda é o de ter sempre um humano monitorando os aplicativos.

Apesar de a novidade ainda ser cara e apresentar erros nem sempre fáceis de corrigir, não convém esperar para adotá-la. Projeções indicam que 99% das multinacionais usarão a ferramenta até 2027. Quem demorar a se mexer será superado por concorrentes mais ágeis, ou por startups que já nascem com sua frota de agentes. Já existem em operação equipes de robôs especializados trabalhando juntos: um agente de marketing identifica oportunidades, outro desenha campanhas, um terceiro executa e um quarto analisa resultados. O brasileiro adota inovações com muita rapidez — o sistema bancário e o mercado financeiro são exemplos disso — e está bem posicionado para aproveitar a onda. “Vejo uma oportunidade histórica para o Brasil liderar uma nova era tecnológica, desde que invista em capacitação e regulamentação responsável”, afirma Rúbia Coimbra, vice-presidente da Cloudera para a América Latina. Se demorar muito, a tecnologia vai nos deixar para trás.
Publicado em VEJA, junho de 2025, edição VEJA Negócios nº 15