Se as aberturas de capital do Airbnb, nos Estados Unidos, e da Rede D’Or, no Brasil, foram comemoradas fortemente em seus mercados e trouxeram bons resultados para os investidores, o ano de 2020 deveria ter sido marcado principalmente pelo início de comercialização das ações da chinesa Ant Group. A empresa financeira de Jack Ma, também fundador do Alibaba, prometia fazer o maior IPO do mundo, avaliado em 37 bilhões de dólares. Papai Ma, como é conhecido o ex-professor de inglês que se tornou a pessoa mais rica do país mais populoso do mundo, preparava o IPO havia meses, que seria realizado em Xangai e Hong Kong. Os investidores de todo o mundo esperavam o negócio com ansiedade.
A data foi sendo adiada, e, depois, quando tudo parecia certo, uma declaração do bilionário, duas semanas antes do IPO, criticando as autoridades reguladoras financeiras da China, pode ter colocado tudo a perder. Ele foi chamado para uma reunião com os representantes do governo e, logo depois, adiou indefinidamente a abertura de capital, com a alegação que havia mudanças regulatórias previstas pela frente. O governo chinês indicou que isso, de fato, aconteceria e ainda deu início a uma perseguição ao empresário. Na quinta-feira, 24, o governo chinês abriu uma investigação antitruste contra o Alibaba, e, no fim de semana de Natal, o banco central da China pediu para o Ant Group “corrigir” alguns de seus serviços. As ações do Alibaba chegaram a cair 15% nos EUA, nesta segunda-feira, e 9% em Hong Kong, mesmo depois da realização de um programa de recompra de ações de 10 bilhões de dólares.
Ma chegou a dizer, como fez outras vezes, que poderia dar ao governo chinês o Alipay, o sistema de pagamentos que originou o Ant Group. Mas o que antes parecia apenas força de expressão, agora, parece mais possível de acontecer. Seria uma forma radical de apaziguar os ânimos com o governo de Xi Jinping, apesar de trazer preocupações para os grandes homens de negócios do país.
Se Jack Ma se consolida nos últimos dias do ano como o grande perdedor de 2020 no mundo dos negócios chineses, quem saiu por cima? O principal candidato é Zhong Shanshan, o ex-pedreiro e ex-repórter que fundou o colosso de águas engarrafadas Nongfu Spring. A empresa fez um bem sucedido IPO no começo de setembro. Agora, ele é a 13ª pessoa mais rica do mundo na lista da agência de notícias Bloomberg, com fortuna de 72 bilhões de dólares, enquanto Jack Ma caiu para a 25ª posição, com 49 bilhões de dólares. Shanshan também superou Pony Ma, o CEO da Tencent Holdings, a rival do Alibaba.
A Nongfu faz sucesso pela Ásia, sendo vendida para consumidores de diversos estratos da sociedade, dos pequenos comércio aos hotéis de luxo. O IPO da companhia levantou 1,1 bilhão na bolsa de Hong Kong e atraiu 50 vezes mais ofertas do que o valor das ações a serem vendidas, um recorde. No primeiro dia de pregão, as ações já subiram 85%. Ela saiu valendo 21,50 dólares de Hong Kong e terminaram a segunda-feira, 28, cotadas a quase três vezes este valor, a 53,60 dólares de Hong Kong.
Enquanto Jack Ma ficou conhecido como espalhafatoso, pop e por aparecer junto a celebridades, Shanshan leva a fama de ser discreto, ter poucos amigos e ganhou o apelido de “lobo solitário”. Ainda se beneficiou com a Covid-19 ao ser o maior acionista da Beijing Wantai Biological Pharmacy Enterprise, que produz testes para a doença e que abriu capital em abril. Esse perfil de não desafiar autoridades e de atuar fora do mercado financeiro e de tecnologia parece que fará cada vez mais sucesso na China de Xi Jinping, que aproveitará 2021 para atrair todas as atenções para a comemoração dos 100 anos de fundação do Partido Comunista Chinês.