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O grande teste de Galípolo vai muito além da sabatina no Senado

Senadores dão como certa a aprovação. Mas a prova de verdade virá quando assumir o lugar de Roberto Campos Neto

Por Márcio Juliboni, Juliana Machado Atualizado em 5 out 2024, 09h20 - Publicado em 5 out 2024, 08h00

Enquanto cursava economia na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Gabriel Galípolo ainda encontrou tempo para cultivar outro interesse — a cosmologia, ramo da física que estuda a formação do universo. Um amigo daquela época conta que Galípolo chegou a frequentar algumas aulas como ouvinte no Instituto de Física da Universidade de São Paulo, onde também se destacava pela disposição de debater ideias complexas de modo profundo. Com esse passado, pode-se pensar que será uma moleza, para o atual diretor de política monetária do Banco Central, ser sabatinado pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, na próxima terça-­feira, 8, quando os parlamentares decidirão se Galípolo está apto a comandar o BC a partir de 2025, como quer o presidente Lula. Mas o que ele deverá provar é se conseguirá acomodar interesses conflitantes, numa versão brasileira do clássico problema dos três corpos, que tem desafiado as mentes mais brilhantes da história da física, ao tentar prever o movimento aparentemente caótico de um trio de objetos gravitando entre si.

SINAL VERDE - Plenário do Senado: a aprovação deverá ocorrer sem sustos
SINAL VERDE - Plenário do Senado: a aprovação deverá ocorrer sem sustos (Waldemir Barreto/Ag. Senado)

Em um dos vértices desse campo de forças estão os senadores da oposição, que cobrarão de Galípolo uma defesa contundente da autonomia do BC. Nas últimas semanas, a questão permeou suas conversas com parlamentares contrários ao governo Lula. “Manifestei minha preocupação sobre a autonomia e a independência do Banco Central”, afirma a senadora Damares Alves (Republicanos-DF). Aos interlocutores, Galípolo tem assegurado que protegerá o BC de pressões políticas — algo que ajuda a reduzir a rejeição ao seu nome. “Ele entende que a independência é positiva e que exemplos recentes mostraram que a interferência, além de maléfica, prejudica a economia”, diz Carlos Portinho (PL-RJ). A trajetória no mercado financeiro também tem impressionado os membros do Senado, e é vista como uma salvaguarda contra aventuras heterodoxas na condução da política monetária. “Ele é bem alinhado ao mercado, e não tem nada desse ranço petista de esquerda”, define o senador Luis Carlos Heinze (PP-RS). “Galípolo vem da mesma linha de Campos Neto e do ex-ministro Paulo Guedes, e não permitirá nenhuma orgia de gastos públicos.”

O apoio de Campos Neto a seu provável sucessor também contribui para romper resistências na oposição. Recentemente, ele afirmou que, ao contrário do que parece, passar os últimos meses de seu mandato na companhia do próximo presidente do BC “é uma maravilha”, pois permite uma transição tranquila. A melhor instância para avaliar essa harmonia são as reuniões do Comitê de Política Monetária, nas quais os nove diretores do BC definem a taxa de juro Selic. Desde a sua estreia no colegiado, em agosto do ano passado, Galípolo já participou de dez decisões. Embora seja visto pelo mercado como o braço de Lula no BC, ele divergiu de Campos Neto apenas uma vez, em maio deste ano, quando votou por um corte no juro de 0,5 ponto percentual, enquanto seu chefe e outros quatro membros do Copom defenderam a tese vencedora de um corte menor, de 0,25 ponto. Nas demais nove reuniões, Galípolo acompanhou o voto de Campos Neto, mesmo quando o próprio comandante do BC divergiu do colegiado.

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BELO HORIZONTE, MG, 18.06.2024 - Economia: Frutas, legumes e verduras estão com preços elevados em muitos sacolões da região metropolitana de Belo Horizonte. (Foto: Rodney Costa/Zimel Press/Folhapress)
ALERTA - Preços no supermercado: as projeções de inflação continuam altas (Rodney Costa/Zimel Press/Folhapress/.)

Se a oposição enxerga Galípolo como o próximo baluarte da independência do BC, os senadores da base governista — o segundo elemento nesse campo de força — o veem como alguém alinhado ao objetivo de Lula de “fazer o pobre caber no orçamento”. Segundo esses parlamentares, as conversas das últimas semanas deixaram claro que o indicado a sucessor de Campos Neto entende seu novo papel. “Ele sabe que a missão do Banco Central não é apenas cuidar da política monetária e que essa não está desconectada das políticas do governo”, diz Beto Faro (PT-PA), um dos senadores visitados por Galípolo. “Ele compreende que o governo e o Bacen não são coisas distintas.” Os governistas apostam no estilo pragmático do ungido por Lula para costurar consensos entre o Planalto, o Congresso e o mercado, a fim de baixar os juros. “Defendemos taxas menores, porque barateiam o crédito, impulsionam o consumo e aceleram a economia”, diz Paulo Paim (PT-RS), para quem isso não é incompatível com um BC que pregue a necessidade de manter as contas públicas em ordem. “Uma atitude dura quanto ao déficit fiscal é positiva, porque demonstra independência e responsabilidade.”

arte Galípolo

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O último elemento dessa equação é o ceticismo do mercado. Enquanto os senadores de oposição e da base aliada mostram que apoiarão Galípolo na sabatina, impressionados com seu currículo e sua oratória, os agentes finan­ceiros seguem desconfiados. “É difícil acreditar que alguém heterodoxo mude”, diz Sérgio Vale, economista-chefe da consultoria MB, referindo-se às obras que Galípolo escreveu com Luiz Gonzaga Belluzzo, professor da Unicamp que causa calafrios na Faria Lima com sua heterodoxia. O temor de que o sucessor de Campos Neto seja um novo Alexandre Tombini, ex-presidente do BC cuja leniência com os gastos públicos e a inflação, no governo Dilma Rousseff, contribuiu para gerar a recessão de 2015, é palpável. “O mercado não comprou o Galípolo. Basta ver que as expectativas de inflação não caíram para prazos mais longos”, diz Luiz Otavio Leal, economista-chefe da gestora G5 Partners.

PADRINHO - Roberto Campos Neto: apoio declarado ao sucessor
PADRINHO - Roberto Campos Neto: apoio declarado ao sucessor (Aloisio Mauricio/Fotoarena/.)

Parte dos financistas admite que o “menino de ouro” de Lula se esforça para desfazer a má impressão ao votar em consonância com Campos Neto e repaginar seu discurso. Mas eles defendem que a verdadeira prova não é a sabatina da próxima semana — serão as decisões que tomará como presidente do BC. “O maior teste será elevar os juros, em algum momento de desaceleração econômica, porque as expectativas de inflação estão desancoradas”, afirma Solange Srour, diretora de macroeconomia no Brasil da gestora de patrimônio UBS Global. Para gabaritar nessa prova, Galípolo não encontrará as respostas nos corredores do Instituto de Física da USP nem na PUC-SP, mas no compromisso em fazer o necessário para garantir um crescimento responsável da economia — mesmo que a solução pareça tão incompreensível, para os heterodoxos, quanto um teorema de mecânica quântica.

Publicado em VEJA de 4 de outubro de 2024, edição nº 2913

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