O diálogo revelado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, com o presidente Jair Bolsonaro na ressaca da aprovação da reforma da Previdência trouxe à luz o pouco caso do mandatário da República em relação às reformas estruturais. Na comissão mista que discute as propostas de reforma tributária, o ministro foi indagado pela senadora Kátia Abreu (PDT-TO) sobre o envio de sua proposta de mudanças para o funcionalismo brasileiro. “Olha, você acabou de fazer uma reforma da Previdência e agora já vai fazer outra? Está todo mundo ainda tentando entender o que está acontecendo. Aí começa essa turbulência política por aí. Deixa o pessoal passar o Natal sossegado, ministro, deixa passar as férias. Voltando, no ano que vem, a gente começa e retoma as reformas”, emulou Guedes a fala do presidente na semana passada. O medo do presidente era amargar a ira das ruas, como acontecido no Chile. O ano virou, passou o Carnaval e chegou a pandemia — e nada do projeto de reforma administrativa sair das gavetas do Palácio do Planalto.
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Clique e AssineO presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), por sua vez, também estimula, corriqueiramente, o envio da proposta, tornando pública a cada oportunidade sua afeição pelo tema e mostrando a disposição do Congresso Nacional em discutir a pauta. Disposição tamanha que fez o parlamento organizar-se para acelerar os trâmites, com a formação de uma comissão para anteceder-se às tratativas enquanto o projeto não deixa as mãos de Bolsonaro, que inviabilizou o envio temendo o impacto político da proposta entre um grupo extremamente articulado, os servidores públicos. Se tem algo de que o presidente não pode reclamar é sobre o apoio em torno da matéria. Além do Legislativo, membros da sociedade civil imploram para que o presidente deixe de censurar o assunto e, até mesmo, entregam elementos para o Ministério da Economia embrenhar-se com robustez nas discussões.
O Instituto Millenium apresentou nesta semana um levantamento que exemplifica a urgência de se acelerar o debate. O governo, mostra o estudo, gasta gritantes 13,7% do Produto Interno Bruto, o PIB, do país com pessoal. No ano passado, os gastos com pessoal atingiram a alarmante marca de 928 bilhões de reais — o dobro do que o país investe em educação, ou mais que o triplo do montante destinado à saúde.
Segundo o levantamento divulgado nesta segunda-feira, 10, o número de empregados no setor público totaliza 9,7 milhões de pessoas, o que representa 21% dos 46 milhões de postos formais de trabalho existentes atualmente no Brasil. “O funcionalismo público cresceu sua quantidade de trabalhadores em 123,5%, passando de 5,1 para 11,4 milhões nas últimas três décadas”, aponta o documento, de forma muito mais acelerada do que no setor privado.
Entre 2008 e 2019, houve um crescimento de 125% da despesa do funcionalismo federal ativo em termos anualizados, período em que a quantidade de funcionários cresceu de 545 mil para 605 mil — míseros 11%. O diagnóstico trazido pelo instituto é gravíssimo: 44% dos recursos para o funcionalismo, ou 144 bilhões de reais, são direcionados para funcionários inativos, aposentados ou pensionistas. O estudo mostra ainda que um terço dos funcionários públicos federais se aposentará até 2034. “O gasto com pessoal e as despesas obrigatórias do Governo Federal estão no foco do problema, de modo que uma reforma administrativa que reduza a despesa obrigatória é fundamental para contribuir com esse ajuste, com foco no funcionalismo federal”, aponta o relatório.
Para apontar a diferença nababesca entre os vencimentos médios entre os setores público e privado, o estudo aponta de forma concisa a discrepância. Empregados da federação, estados e municípios têm uma média salarial de 6.219 reais, 240% maior do que os 2.498 reais representados pela média salarial do setor privado. “Ao ter um salário inicial elevado, o setor púbico federal promove incentivos incorretos em termos de eficiência, tanto por permitir que funcionários sem tanta experiência de mercado tenham prêmios salariais altos, quanto por não ter um crescimento significativo para os salários finais”, diz o levantamento — que conclui, também, pela improficuidade do serviço prestados, já que os ditames para promover e conceder benefícios extra aos funcionários não seguem diretrizes claras, com avaliações de desempenho puramente pró-forma. E o estudo exemplifica a disparidade.
No setor público, um professor de educação de jovens e adultos recebe, em média, 5.284 reais, ante 1.947 reais na iniciativa privada, uma diferença de mais de 171%. Para o cargo de auxiliar de enfermagem, os celetistas na iniciativa privada recebem, em média, 2.132 reais, enquanto os similares no setor público ganham, em média, 4.715 reais. É gritante. “Além de gozarem de proteções como estabilidade, ainda verificamos algumas potenciais disfunções em termos remuneratórios”, aponta o levantamento.
“O ponto de maior importância para ser observado neste debate é o gasto com pessoal, terceiro maior gasto da máquina pública federal, que cresceu de forma desproporcional, e injustificada, nas últimas três décadas, a ponto de o Brasil estar entre os dez países que mais gastam com pessoal em proporção do PIB”, aponta o relatório. “Por ser um gasto obrigatório, o gasto com pessoal tem tornado o orçamento altamente engessado, o que tem drenado os investimentos públicos e os reduzido praticamente a zero. Entre os motivos para esse problema, está o fato de que os salários iniciais do funcionalismo federal são, atualmente, maiores do que os vencimentos de funcionários do setor privado em cargos de chefia. Além disso, mais de 95% dos funcionários federais recebem o máximo de bonificação por desempenho, o que mostra a necessidade de melhorias nos critérios de avaliação e medição de desempenho no setor”, conclui o relatório. Só falta convencer o presidente.